quarta-feira, 1 de abril de 2015

BRASIL: RJ: RIO DE JANEIRO: 
 França Antártica (France Antarctique) - Parte I
 Antarctic France I - Part I

1 – Localização:
A França Antártica localizava-se no Município do Rio de Janeiro, no interior da baía de Guanabara, apesar de haver um importante estabelecimento francês também em Cabo Frio. Os principais estabelecimentos franceses foram a Ilha de Villegagnon (Forte Coligny) e a Praia do Flamengo, próxima à foz do antigo Rio da Carioca (La Briqueterie). Os índios Tamoios (Tupinambás), aliados dos franceses, tinham como principais redutos Uruçú-mirim (Morro da Glória) e Paranapuai, também conhecido como Paliçada da ilha de Paranapuã (Ilha do Governador, próximo à ponta do Galeão). Outro importante reduto ficava em Cabo Frio.
2 – Histórico:
A França Antártica foi uma colônia criada pelos franceses na metade do século XVI, na área do atual município do Rio de Janeiro, no interior da baía de Guanabara. Ela foi fundada por Villegagnon na ilha de mesmo nome em 1555 e foi destruída pelos portugueses em 1560. A colônia, na sua curta existência foi dilacerada por conflitos religiosos entre católicos e protestantes e pelo comportamento tirânico de seu chefe, Villegagnon. A colônia ficou praticamente limitada a um forte na ilha e alguns casebres no continente adjacente, nunca se estabelecendo firmemente em terra firma. Após a destruição do forte pelos portugueses, em 1560, muitos franceses retornaram à França, mas alguns permaneceram no continente, vivendo junto aos índios tamoios, seus aliados, e os ajudando militarmente. Era, também, frequente a visita de navios franceses a Cabo Frio e à Baía de Guanabara, para onde vinham comerciar com os tamoios. Os portugueses resolveram, então, expulsar definitivamente os franceses da Baía de Guanabara, para isto fundaram em 1565 a cidade do Rio de Janeiro e mantiveram um conflito constante com os tamoios e franceses até a vitória final em 1567. Em 1575 os portugueses atacaram os tamoios e franceses em Cabo Frio, expulsando-os desta região. Os principais estabelecimentos franceses foram a Ilha de Villegagnon (Forte Coligny) e a Praia do Flamengo, próxima à foz do antigo Rio da Carioca (La Briqueterie). Os índios Tamoios (Tupinambás), aliados dos franceses, tinham como principais redutos Uruçú-mirim (Morro da Glória) e Paranapuai, também conhecido como Paliçada da ilha de Paranapuã (Ilha do Governador, próximo à ponta do Galeão). Outro importante reduto ficava em Cabo Frio.
            Desde a primeira metade do século XVI os franceses já visitavam o futuro Estado do Rio de Janeiro, principalmente a região de Cabo Frio, para comerciar com os nativos, principalmente pau-brasil, papagaios, macacos, e outros animais exóticos, plumas, especiarias, e etc. Portugal, por sua vez, mais interessado com o lucrativo comércio de especiarias com o oriente, descuidava desta região. Algumas expedições portuguesas e espanholas passaram pelo Rio de Janeiro (Gaspar de Lemos, 1502; Gonçalo Coelho, 1503-1505; João Dias de Solis, 1515; Fernão de Magalhães, 1519; Martim Afonso de Souza, 1530), mas não houve criação de nenhum estabelecimento permanente no local. A região do Rio de Janeiro formava parte das Capitanias de São Vicente (região de Caraguatatuba aé Macaé) e do Espírito Santo (acima de Macaé). Em 1553, o 1º Governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa, visitou a baía de Guanabara em companhia do padre jesuíta Manoel da Nóbrega e recomendou, em carta ao rei português Dom João III, a criação de uma cidade no local. O Rio de Janeiro era habitado pelos índios Tamoios (Tupinambás), inimigos tanto dos portugueses quanto dos Temiminós, que ocupavam a maior parte do centro e sul do estado, e pelos Temiminós, aliados dos portugueses, que habitavam a ilha do Governador e a parte sul do Espírito Santo, e eram chamados pejorativamente de maracajás, isto é, gatos-do-mato. A Baía de Guanabara era evitada pelos portugueses devido à hostilidade dos índios Tamoios da região. Warren calcula o número de Tamoyos na Baía da Guanabara entre 57.000 e 63.000, com uma densidade de 4,8 pessoas/km2.
a) Ano de 1554: Villegagnon faz uma visita inicial ao Rio de Janeiro
O navegador francês Nicolas Durand de Villegagnon, Vice-Almirante de Bretanha, bom militar, mas de gênio difícil, entrou em conflito com o governador de Brest, acerca das defesas daquele porto francês. Caindo em desgraça junto à Corte francesa, decidiu fundar uma colônia francesa no Brasil. O projeto concebia transformar a Baía de Guanabara em uma poderosa base militar e naval, de onde a Coroa Francesa poderia tentar o controle do comércio com as Índias. Segundo alguns autores, no Verão de 1554, ele teria visitado secretamente a região do Cabo Frio, na costa do Brasil, onde habitualmente os franceses comerciavam com os Tamoios; na ocasião, ele teria feito boas relações com os Tamoios, recolhendo, além de valiosas informações, uma boa carga, com a qual teria lucrado ao retornar à França. No entanto, muitos autores contestam esta primeira viagem ao Brasil de Villegagnon. Na Corte, ele fez uma demorada exposição de quatro horas ao rei de França, Henrique II (1547-1559), convencendo-o das vantagens de uma colônia permanente na costa do Brasil. O objetivo da expedição era instalar núcleos colonizadores para o comércio com a Metrópole e interferir no comércio marítimo com as Índias. Em momento algum a aventura de Villegagnon no Brasil foi uma aventura religiosa.
“Trata-se, com certeza, de uma empresa destinada a perenizar a presença francesa no Novo Mundo, abrindo uma brecha no monopólio Ibérico sobre este continente. A escolha do Brasil se explicava pelas relações comerciais jà antigas entre as tribos Tupinambás da costa e a presença numerosa de intérpretes normandos ou saintongeses entre os Indios. Esta escolha estava justificada, também, pela menor resistência que se esperav que Portugal oporia às ambições de conquista do rei da França. Apenas um lustro mais tarde, quando o almirante de Coligny decidiu implantar uma nova colônia francesa sobre as costas da Flórida, ele assumirá riscos bem maiores ao atacar diretamente a Espangha e ao coração do império colonial dela, à saber, a carrera de las Indias a qual o estabelecimento ameaçará diretamente. A resposta foi fulminante e o enpreendimento, mais efêmero ainda que aquele da França Antártica e, seguramente mais sangrento, tendo fim ao cabo de três anos (1562-1565). Estes dois episódios, que se situam em estreita continuidade uma da outra, oferecem bastantes similitudes. eles colocam em obra estratégias bem vizinhas, ainda que acentuando a tomada de risco no segundo caso. À ocupação do território se conjuga em efeito o controle de uma via marítima. Charlesfort e sobretudo Forte Caroline, estabelecido mais ao sul, na Flórida, ameaçava a rota dos galeões espanhói. Forte Coligny, à entrada da baía de Guanabara, constituía uma ameaça bastante real, […], para a rota portuguesa das Índias ou para aquela do estreito de Magalhães.(Lestrigant, 2008, pg. 103-104)
“16 Havia alguns annos, que Nicolao de Villagaylhon, natural do Reyno de Franca, e Cavalleiro do Habito de S. Joaõ do Hospital, bellicoso por natureza, e por Religiaõ, vagava com alguns navios, a sua custa armados, buscando prezas, estimulado da cobiça, ou do valor; e navegando os mares do Brasil, surgio em Cabo Frío, onde introduzido com industria, ou affabilidade, achou nos Gentios habitadores daquelle Porto (hoje Cidade) boa correspondencia , e agrado, tratando-o como amigo, e carregandolhe os navios de pao vermelho, droga importantissima entre as Nações de Europa, e que bastara a recompensarlhe as despezas da viagem, a nao ser o fim della ordenado a mais relevantes interesses, e emprezas. Soube, que os Gentios, que habitavaõ a enseada do Rio de Janeiro, estavaõ em rija, e porfiada guerra com os Portuguezes, moradores em a Villa de Santos, e na de S. Vicente, que entaõ tinha o dominio de todas as nossas Povoações do Sul. 17 Voltou para Franca, […] (Pita, 1730, Livro III, 16-17)
Em fins de 1554, o soberano ordenou, ao seu principal ministro, Gaspard de Chântillon, 2º Conde de Coligny (ainda católico à época, 1519-1572), a preparação de uma expedição sigilosa ao Brasil, cujo comando entregou a Villegagnon. Embora tenha fornecido recursos modestos (apenas 2 navios equipados e provistos de artilharia, além de 10.000 libras em dinheiro), os armadores de Dieppe (base do armador Jean Ango, experiente com a costa brasileira) decidiram investir na expedição. À falta de voluntários suficientes para integrá-la, Villegagnon, com autorização do rei Henrique II, percorreu as prisões da região norte da França, prometendo a liberdade a quem quer que se lhe juntasse.
“No ano de M.D.L.V. um homem nomeado Villegagnon, Cavaleiro de Malta, de outra forma, da Ordem que se chama de São João de Jerusalem, contrariando-se em França, e mesmo tendo tido alguns descontentamentos em Bretanha, onde então estava, fez ciência, em diversos lugares do Reino da França, a muitos notáveis personagens de todas as classes, que desde há longo tempo ele tinha não somente um extremo desejo de se retirar para algum país distante, onde pudesse livremente e puramente servir a Deus segundo a reforma do Evangelho; mas que também desejava aí preparar um lugar a todos aqueles que aí quisessem se retirer para evitar as perseguições, as quais, de fato, eram tais que, naquele tempo, muitos personagens, de ambos os sexos e de todas as classes estavam em todos os lugares do Reino de França, por Éditos do Rei e por decisões das Cortes do Parlamento, sendo queimados vivos, e seus bens confiscados por motivo da Religião. Declarando, além disso, Villegagnon tanto de boca àqueles que estavam próximos de si, quanto por letras que ele enviou a alguns particulares, que tendo ouvido falar, e se fazer tantos bons relatos a alguns, da beleza e fertilidade da parte da América, chamada de terra do Brasil, que para se aí habitar e efetuar seu objetivo, ele tomaria voluntariamente esta rota. E, de fato, sobe este pretexto e bela cobertura, tendo ganhado os corações de alguns grandes senhores da Religião reformada, os quais levados da mesma afeição que ele dizia ter, desejavam achar tal refúgio, entre aqueles de feliz memória o Senhor Gaspard de Coligny Almirante de França, bem visto, e bem vindo que ele era junto do Rei Henry II, então reinante; tendo-lhe proposto que se Villegagnon fizesse esta viagem ele poderia descobrir muitas riquezas e outras comodidades para o lucro do Reino, ele lhe fez dar dois belos navios, equipados e fornecidos de artilharia, e dez mil francos para fazer sua viagem. Assim, antes de partir de França, Villegagnon prometeu a alguns honrados personagens que o acompanharam, fundar um puro serviço de Deus no lugar em que se estabelecesse. E depois de aliciar os marinheiros e artesãos necessários, partiu em maio de 1555, chegando ao dito país em novembro, após muitas tormentas e toda a espécie de dificuldades.” (Léry, 1578, pg. 2-4)
“Nicolas de Villegagnon, nomeado vice-almirante em Bretanha, desaviera-se com o capitão da cidadela de Brest, principal fortaleza de todo o país, e isso por questões técnicas da fortificação da mesma. Originou-se daí um descontentamento e, um ódio mortal entre ambos, de modo que, para se defrontarem, buscavam só o momento propício. O caso chegara aos ouvidos de Henrique II. Este, porém, favorecia muito mais ao capitão da cidadela do que ao vice-almirante, circunstância que tirava a Villegagnon toda a esperança de successo na disputa. Sem embargo, pensava elle que, pelo menos, poderia arruinar ou tornar odioso o seu adversário. Mas, neste sentido, ia conseguindo pouco, pelo que começou a aborrecer-se em França, accusando-a de enorme ingratidão, visto que ao serviço dela consumira toda a sua juventude na carreira militar. Accrescentava, ainda, que, em face do resultado quasi nulo que obtivera de seus trabalhos passados, não podia mais ali permanecer por muito tempo. Ora, na cidade de Brest, residia então um preposto do tesoureiro da Marinha, o qual era íntimo de Villegagnon. Um dia, quando se achavam à mesa, referiu-se aquele a uma viagem que fizera às Indias Meridionais e, aludindo ao Brasil, louvou ele extraordinariamente a sua temperatura, a beleza e a serenidade do céu, a fertilidade da terra, a abundância de víveres, as riquezas naturais e coisas outras de todo desconhecidas dos antigos. A descripção agradara imensamente a Villegagnon e de tal modo lhe aguçou a cobiça que ele constrangia o seu informante a repetir-lhe freqüentemente as mesmas palavras, sonhando o domínio de toda essa terra. Seu desejo de ir até lá aumentava dia a dia. Faltavam-lhe, porém, os meios, tanto mais quanto, em deixando a França, queria fazê-lo com honra e boa reputação, o que lhe acarretaria grande despesa, para a qual não estava aparelhado. De, resto, Henrique II julgaria muito mau que ele se exilasse voluntariamente entre gente a mais deshumana que existia debaixo do céu. Entretanto, por sutis meios, esforçava-se Villegagnon por captar as simpatias daqueles que lhe podiam dar apoio eficiente para a feliz prosecução de seu projecto, aos quais afirmava que seu veemente desejo e mais forte empenho era procurar um sitio de repouso e tranquilidade, onde pudesse estabelecer os perseguidos em França por causa do Evangelho; e que, havendo longamente pensado sobre o melhor lugar para fugir à crueldade e tirania dos homens, ele se lembrara da terra do Brasil, da qual todos os navegantes se manifestavam encantados, enaltecendo a sua temperatura e a sua fertilidade, e onde se poderia comodamente viver. Aqueles a quem ele se dirigira creram facilmente em suas palavras, aplaudindo esta empresa, mais digna de um príncipe do que de um simples fidalgo; e desde logo lhe prometeram a sua interferência junto do rei, afim de que Villegagnon conseguisse todas as coisas necessarias à navegação. Entendiam, até, que o empreendimento seria agradável ao monarca, pois resultaria em sua própria glória e honra e em proveito da sua nação. Assim, foi o negócio solicitado com a máxima diligência, logrando despacho favorável, tanto que em breve obtinha Villegagnon dois belos e grandes navios e dez mil francos para os gastos com os homens que lhe seria preciso levar consigo, assim como grande quantidade de artilharia, pólvora, balas e armas para a construção e defesa de um forte. Isto alcançado, entendeu-se ele com os capitães e pilotos para guiarem as caravelas e fazerem, em Brest, o carregamento de madeiras e outros accessórios. Para collimar o seu fim, só lhe restava encontrar gente fiel, de boa vida e educação, afim de habitar com ele no Brasil; e eis porque fez publicar por toda parte que precisava de pessoas tementes a Deus, pacíficas e boas, pois bem sabia que lhe seriam mais úteis do que quaisquer outras, em virtude da esperança que tinham de formar uma congregação cujos membros fossem votados ao serviço divino. Algumas personagens de toda a honorabilidade, sem ligarem a menor importância à longa viagem, nem à grandeza dos perigos que podiam sobrevir, nem à subita mudança de clima, nem à diversa maneira de viver, deixam-se persuadir pelas belas e doces promessas de Villegagnon e decidiram-se a acompanhá-lo. Era-lhe tambem indispensável assalariar trabalhadores e operários de todas as profissões; mas com muita difficuldade e mediante grande remuneração pode encontrá-los, e isto mesmo entre gente rústica, sem a mais leve noção de honestidade e civilidade, impúdica, dissoluta e dada a toda a sorte de vícios. Emquanto aguardava o dia da partida, Villegagnon parlamentava com aquellas personagens que, como ele, seguiam de boa vontade, fazendo-lhes sentir que esperava fazer, no Brasil, ótima administração com os seus conselhos, pois era seu propósito, segundo accentuava, subordinar tudo à deliberação dos mais notáveis; e que, no concernente à religião, seu desejo era que a Igreja a ser ali fundada fosse Reformada como a de Genebra. Era isto o que ele promettia em todas as reuniões, pelo que todos, de coração, lhe desejavam êxito completo no seu empreendimento, si bem que alguns suspeitassem de tal empreza, dados os precedentes do almirante e o modo tirânico por que se houvera, quando commandante de galeras na sua mocidade.” (Crespin, 1564)
“Um dos historiadores que contou, por acaso, sua tentativa de colonização do Brasil, o padre Maimbourg [Histoire du Calvinisme, livro 2, pg 101], pretende que ele não teve nenhuma dificuldade de obter o consentimento do Almirante [Coligny] porque ele já tinha se engajado na heresia. [...] O mais provável é que Villegaignon, que tinha necessidade absoluta do consentimento de Coligny, adota a tática não mais honrada, mas a mais segura: ele lisonjeia o almirante em seu amor próprio. Ele finge uma conversão próxima, e lhe faz entrever a pronta realização de um de seus projetos preferidos, em lhe albergando a esperança de criar do outro lado do Atlântico, como que um campo de asilo para seus correligionários perseguidos. Acredita-se facilmente no que se deseja.” (Gaffarel, 1878, pg. 161-162)
“Um dos compatriotas de Villegaignon, o cura Claude Hatons de Provins, relata em suas memórias [Mémoire, édit. Bourquelot, pg. 36] que o vice-almirante de Bretanha [Villegagnon], para melhor se assegurar da execução de seus projetos, escolher o sítio da futura colônia, e tomar ciência por si mesmo dos recursos que possuía o país, teria feito uma primeira viagem ao Brasil. [...] Mas este testemunho é isolado, e os outros autores contemporâneos concordam em dizer que Villegagignon só conhecia o país por sua reputação, quando ele solicitava assim a Henrique II a permissão de o colonizar.” (Gaffarel, 1878, pg. 165)
“Apareceu Nicolao Villegaignon, Cavaleiro de Malta, Vice-Almirante de Bretanha [...] buscou a proteção do Almirante Coligny, hum dos egrios protectores do Calvinismo, para que o ajudasse a funda-lo no Rio de Janeiro, cujo pais, dizia conhecer, por ter estado nelle, negociando com os Indigenas [...]” (Lisboa, 1835, vol 1, pg. 47-48).
b) Ano de 1555: Villegagnon funda a França Antártica e cria o forte Colligny na ilha de Villegagnon
Os Temiminós tinham como principais centros territoriais o sul do atual estado do Espírito Santo e a ilha do Governador, na época, chamada Isle Belle ("ilha bela") pelos franceses, Paranapuã ("mar redondo") pelos Tupis e Ilha do Gato pelos portugueses. Alguns meses antes da vinda de Villegagnon ao Brasil, tendo os Tamoios cercado os Temininós na ilha de Paranapuã, o chefe Temininó Maracajá-guaçu (Gato Grande) mandou seu filho pedir socorro aos portugueses da Capitania do Espírito Santo. O governador Vasco Fernandes Coutinho mandou, então, 4 navios que os trouxeram até encontrarem a outra parte de sua nação, no Espírito Santo. Lá eles reorganizaram a sua aldeia, foram catequizados pelos jesuítas e ajudaram os portugueses a expulsar os invasores holandeses. Posteriormente, Arariboia filho do chefe temiminó Maracajá-guaçu, tornou-se chefe da tribo. Os Tamoios, aliados dos franceses, ocuparam, então a ilha. Os novos ocupantes da ilha distribuíram-se em cinco grandes aldeias cercadas e defendidas por fortes paliçadas.

“[...] chegou aqui um principal que chamam Maracaiaguaçu, que quer dizer Gato Grande, que é mui conhecido dos cristãos e mui temido entre os gentios e o mais aparentado entre eles. Este vivia no Rio de Janeiro e há muitos anos que tem guerra com os Tamoios, e, tendo dantes muitas vitórias deles, por derradeiro vieram-no pôr em tanto aperto, com cercas que puseram sobre a sua Aldeia e dos seus, que foi constrangido a mandar um filho seu, a esta capitania, a pedir que lhe mandassem embarcação pera se vir pelo aperto grande em que estava, porque ele e sua mulher e seus filhos e os mais dos seus se queriam fazer cristãos. Moveu isto a piedade aos moradores, por saberem quanta bondade e bom tratamento e fidelidade usara sempre com os cristãos, e que os mesmos cristãos, que então vieram dessa parte, afirmavam a extrema necessidade e lhes parecia que dai a mui poucos dias seriam comidos dos contrários, e que aquela vontade de ser cristão tinha ele dito, muito havia, a muitas pessoas, e assim o dissera a Tomé de Sousa. Mas não ousaram a fazê-lo por ser ele de Capitania alheia, que é São Vicente a quem ele não mandou pedir esse socorro, por serem seus contrários também os índios de São Vicente. E assim se tornou seu filho sem ajuda. E, depois que chegou Vasco Fernandes Coutinho, parece que sabendo, tornou-se outra vez do caminho a pedir-lhe este socorro. Pedimos-lhe então muitas pessoas que sendo certa a extrema necessidade em que diziam estar, pois assim como assim haviam de ser comidos dos contrários, que mandassem por eles porque com isso salvar-se-iam aquelas almas e principalmente os filhos pequenos e cumpririam os cristãos com o que deviam a tão boa amizade como sempre nele tiveram. Tirou Vasco Fernandes Coutinho sobre isso testemunhas e mandou quatro navios, para que fossem seguros dos franceses, que sempre há naquele Rio, e que lhe dessem todo favor, com artilharia e mantimento que levaram, mas que não os trouxessem se não estivessem em extrema necessidade. Chegando lá os navios, estando já com casas e fato queimado, dentro em dia e meio se embarcaram com tanta pressa, que havia pais que deixavam na praia seus filhos, e dois que ficavam na praia para expirar, já de fome, batizaram logo, e no-los deram. Estes fazem sua aldeia apegada com esta vila.” (Nóbrega, 1555

“De resto, a discórdia e divisão de nossos aliados, os Selvagens [Tamoios], com os Margageaz [Maracajás, Temiminós] seus vizinhos, povo poderoso e cruel, vinha por uma Ilha, distante doze léguas [80km] de nosso forte, a qual nós nomeamos Ilha dos Margageaz [Ilha do Governador], posto que eles a tinham, e a haviam tomado aos nossos Selvagens confederados, e depois retomados com nosso favor e ajuda; por causa daquela eles vieram frequentemente se bater [...].” (Thevet, 1575, pg. 909)

Em 12 de julho de 1555, Villegagnon saiu do porto de Havre, com os dois navios e uma naveta (urca) de mantimentos, nas quais se comprimiam cerca de seiscentas pessoas. Logo que se viu em alto mar, uma tempestade jogou-os contra as costas da Inglaterra (Blanquet é um lugar desconhecido, talvez Branksea), e em 17 de julho acabaram aportando em Dieppe. A expedição era integrada por um índio Tabajara na qualidade de intérprete e destacavam-se, ainda, os seguintes passageiros: Legendre de Boissy, senhor de Bois-le-Comte e sobrinho de Villegagnon, Nicolas Barré, ex-piloto, Thoret (militar amigo de Villegagnon), Jean de Cointa (religioso que depois se passou para os portugueses) e o frei André Thévet, futuro cosmógrafo real. Villegagnon era protegido por uma pequena guarda pessoal de escoceses.
Sob esta boa impressão, todos os da comitiva se alojaram com Villegagnon nos navios, que logo em seguida levantaram ferros, deixando o Havre aos 15 de julho de 1555.” (Crespin, 1564)
 “No ano do senhor de 1555, no dia 12 de julho, o senhor de Villegagnon, depois de ter adquirido e organizado tudo o que lhe parecia necessário para a sua empresa e reunido muitos gentis-homens, operários e marinheiros dispostos a acompanhá-lo, terminou de equipar, com artilharia e provisões, dois belos navios cedidos pelo rei Henrique II, de 200 toneladas cada - as peças de artilharia deveriam ser utilizadas não somente para proteger o comboio como também para serem instaladas, posteriormente, em terra. Acompanhava as duas embarcações uma urca encarregada de levar os víveres e outras coisas necessárias à empresa. Às três horas da tarde do referido dia, estando tudo pronto, fizemos vela da cidade de Havre de la Grace, em cujo porto havíamos embarcado. Quando da partida, o mar estava excelente, pois soprava um vento nordeste, muito próprio para a navegação, que, se tivesse durado, teria rapidamente nos permitido ganhar o caminho para a terra ocidental. A partir do dia seguinte, porém, o vento virou para sudoeste, soprando diretamente contra nós, o que nos estorvou enormemente e acabou por nos obrigar a arribar na Inglaterra, nomeadamente em Blanquet. Lançamos âncora nesse lugar, na esperança de que o vento diminuísse de intensidade, mas foi em vão. Tivemos de, a duras penas, retornar à França e arribar no porto de Dieppe. A tormenta lançou no interior da embarcação em que viajava o senhor de Villegagnon uma tal quantidade de água que, em menos de meia-hora, retiramos das sentinas de 800 a 900 bastões de água, o que dá uns 400 baldes - coisa incomum de acontecer com navios que estão saindo de um porto. Por todos esses reveses, entramos com grande dificuldade no porto de Dieppe, porto que contava somente com três braças [6,5m] de água, quando os nossos navios demandavam 2,5 [5,5m]. E, para piorar ainda mais a situação, o mar, em razão do vento que soprava, estava muito agitado. Felizmente, os naturais de Dieppe, seguindo os seus honrados e louváveis costumes, acorreram em grande número para puxar as amarras e os cabos, permitindo-nos, no dia 17 do referido mês, entrar no porto.” (Barré, 1555)
A maior parte dos que tinham cedido à eloquência do almirante aproveitaram-se daquele pretexto para abandoná-lo, ficando-lhe apenas uns oitenta homens, exatamente os piores, porque eram, além de uns poucos mercenários, os criminosos que tinham sido arrolados na prisão. Lá eles permaneceram ancorados por cerca de três semanas, aguardando um vento propício e querenando a embarcação. Depois que o vento passou a soprar de noroeste, deixaram o porto de Dieppe, mas mais uma vez, foram impelidos para trás pela violência de um novo vento contrário e obrigados a voltar para terra, desta vez para Havre, onde permaneceram até meados de agosto.
“Uma vez ancorados, muitos de nossos gentis-homens, satisfeitos por terem visto o mar, seguiram o velho provérbio: Mare vidit et fugit. Também muitos soldados, operários e artesãos descontentes seguiram o mesmo caminho. Permanecemos ancorados por cerca de três semanas, aguardando um vento propício e querenando a embarcação. Depois que o vento passou a soprar de noroeste, vento que nos beneficiou mesmo depois de sairmos do porto, esperávamos poder deixar a costa e ganhar o alto-mar. Fomos, porém, mais uma vez, impelidos para trás pela violência de um novo vento contrário e obrigados a voltar para terra, desta vez para Havre, de onde tínhamos partido. Aí permanecemos até meados de agosto. Enquanto aguardávamos, cada um procurou recompor-se da melhor maneira para ganhar o mar pela terceira vez.” (Barré, 1555)
Reparado os navios, partiu-se definitivamente de Havre em 14 de agosto de 1555. Durante a viagem eles sofreram vários contratempos como falta d’água potável, pestilências, calor excessivo, ventos contrários, tempestades, intempérios da zona tórrida e etc. Em 20 de agosto, eles passaram em frente às ilhas Canárias tendo sido bombardeados pelos espanhóis em Tenerife, tendo um marinheiro se ferido, morrendo 10 dias depois. Quando passavam pela costa da África, em um dos navios ocorreu uma febre contagiosa (alguns suspeitam que foi, na verdade, o escorbuto), que atingiu 90 dos 100 tripulantes, matando cinco. Em 20 de outubro eles passaram pela ilha de Ascenção.
“Graças à bondade e clemência de Deus, que apaziguou a fúria dos céus e do mar contra nós, no dia 13 o tempo mostrou-se tal como pedíramos em nossas preces. No dia 14, ao constatarmos a alteração e verificarmos que o vento poderia ser duradouro, embarcamos e fizemos vela. O vento favoreceu-nos de tal modo que, por ele impulsionados, passamos o Canal da Mancha (um estreito entre a Inglaterra e a Bretanha), o Golfo da Biscaia, a Espanha, Portugal, o Cabo de São Vicente, o Estreito de Gibraltar (chamado Colunas de Hércules), as Ilhas da Madeira e as Sete Ilhas Afortunadas, também conhecidas como Canárias. [...] No domingo, 20 dias depois da nossa terceira partida, aproximamo-nos de Tenerife a cerca de um tiro de canhão. De Havre de la Grace até Tenerife, situado a 28º ao norte da linha tórrida, percorremos 1.500 léguas. [...] Planejávamos lançar âncora e pedir um pouco de água doce e refrescos a uma bela fortaleza, situada ao pé de uma montanha, mas os seus ocupantes defraudaram uma bandeira vermelha e dispararam dois ou três tiros de colubrina, um dos quais feriu o vice-almirante de nossa companhia. Tudo isso teve lugar às 11 ou 12 horas da manhã; o ar estava parado e fazia um calor impiedoso. Convinha-nos responder ao ataque, e de fato disparamos vários tiros de canhão, tiros que danificaram e destruíram muitas casas, além de obrigarem as mulheres e crianças a se retirarem para o campo. Se nossos barcos tivessem saído dos navios, creio que teríamos feito um Brasil ali mesmo naquela bela ilha. Em todo o incidente, feriu-se somente um de nossos canhoneiros, que atirava de um cardinac; ele morreu dez dias mais tarde. Constatamos, por fim, que não poderíamos fazer mais do que ficar ali trocando tiros com a fortaleza, e resolvemos nos retirar para o mar. Aproximamo-nos, então, da Barbaria, na costa da África. O vento favoreceu-nos e passamos o rio Loyre (na Barbaria), o Promontório Branco, situado sob o Trópico de Câncer, e avistamos, no 8º dia do dito mês, o Promontório da Etiópia, onde o calor começou a fazer-se sentir. [...] O calor extremo causou uma febre pestilenta no navio em que viajava o senhor de Villegagnon, pois a única água que havia para beber, à qual os homens eram obrigados a recorrer, estava tão malcheirosa e suja que dava pena. Essa febre foi extremamente contagiosa e perniciosa, derrubando 90 das 100 pessoas que estavam a bordo. Dos que caíram doentes, cinco morreram; coisa lamentável que muito nos abateu. O senhor de Villegagnon foi convencido a retirar-se para a embarcação do vice-almirante, onde se encontravam todos bem dispostos e frescos. [...] Nessa altura, perdemos o bom vento que nos acompanhava e enfrentamos seis dias de calma e bonança. Todas as tardes, porém, ao cair do sol, o vento soprava com as mais impetuosas e violentas rajadas e chovia tão copiosamente que, aqueles que se encontravam desabrigados, rapidamente, em razão da força dos ventos, ficavam cobertos por grandes feridas. Durante esses dias, não nos atrevemos a dar muito da grande vela do Papefust. O Senhor, porém, veio em nosso socorro e mandou um vento de sudeste, contrário à posição em que estávamos, posição a oeste. Esse vento, refrescante o suficiente para agir positivamente sobre os nossos corpos e espíritos, impulsionou-nos para a costa da Guiné. [...] Atravessamos o centro do mundo no dia 10 de outubro, na altura das ilhas de Santiago, que estão à direita do equinócio, próximas à terra do Manicongo. Ainda que esse não fosse o melhor caminho, julgamos por bem obedecer ao vento, que nos era contrário. E assim o fizemos, percorrendo, de um total de 1.000 a 1.400 léguas [6.600-9.200km], cerca de 300 [200km] quase que em linha reta. [...] Nessa altura da travessia, a água que havia escasseou, restando somente a água malcheirosa e infecta que acumulara pelos cantos do navio. Para bebê-la, tínhamos que fechar os olhos e tapar o nariz. Encontrávamo-nos, assim, hesitantes e quase sem esperanças de alcançar o Brasil - distante ainda cerca de 900 a 1.000 léguas [6.000-6.600km] -, quando o Senhor Deus enviou-nos um vento de sudoeste, que nos fez meter a proa para oeste, direção que desejávamos tomar. Impulsionados por esse bom vento, fomos dar, no dia 20 de outubro, numa bela ilha que as cartas marítimas denominam Ascensão. Ao avistarmos essa ilha, elevada cerca de 8,5º, todos se alegraram, pois neste momento soubemos onde estávamos e a que distância nos encontrávamos das terras da América. Aproximamo-nos cerca de 1 grande légua [6,5km] dessa ilha, e todos experimentaram um grande prazer em vê-la, pois a terra firme ainda distava 500 léguas [3.300km]. Seguimos nosso caminho, aproveitando um vento favorável, e depois de navegarmos algumas noites e dias, a 3 de novembro, um domingo, avistamos a Índia Ocidental, a quarta parte do mundo, dita América [...](Barré, 1555)
A 31 de outubro eles passam nos montes Croistmouron (lugar incerto, na Bahia ou no Espírito Santo, provavelmente o sul da Serra dos Aymorés).
“O lugar onde chegamos, situado a 20º da linha, é chamado pelos selvagens de Pararbe e é habitado por portugueses e por uma nação que vive em constante estado de guerra com aquela com a qual temos aliança. Deste lugar, navegamos mais 3 graus, o equivalente a 80 léguas [530km], até o Trópico de Capricórnio.” (Barré, 1555)
Costeando, então, de Norte ao Sul, a cerca de oito ou dez léguas [53-66km] do continente, acha-se uma Ilha, que os habitantes do país chamam Perhamboup e os da terra firme Parhaocaf, a qual é muito difícil de abordar, não que o porto aí não seja bom e fácil : mas por causa da rudeza dos habitantes, os quais resistem com todo o seu poder à aqueles que querem aí dar entrada.” (Thevet, 1575, pg. 903)
“O dia seguinte, que foi o último de outubro, cerca das nove horas da manhã, descobrimos as altas montanhas de Croistmouron, ainda que este não fosse o lugar onde nós pretendíamos ir. Pelo que nós costeamos a terra ao longo de 3 a 4 léguas [20-25km], sem podermos descer, estando nós bem informados que os selvagens deste lugar são fortemente aliados com os portugueses, e, para não os abordarmos, [...]” (Thevet, 1557, fol. 42)
Em 3 de novembro aportam em Maqueh (Macaé), onde permanecem 24 horas, tendo então navegado para Cabo Frio.
[...] prosseguimos caminho até dois de novembro, quando entramos em um lugar nomeado Maqueh [Macaé], para nos informarmos das coisas especialmente do exército do Rei de Portugal. Naquele lugar, tendo arreado nossos barcos, para por pé em terra, se apresentaram somente quatro velhotes dos selvagens do país, porque, então, os jóvens estavam em guerra; aqueles [os 4 velhos] inicialmente fugiram de nós, julgando que fôssemos portugueses, seus inimigos : mais deu-se-lhes tais signos de reasseguramento, que, ao fim eles se aproximaram de nós. No entanto, tendo lá permanecido vinte quatro horas apenas, fizemos vela para ir ao Cap de Frie [Cabo Frio], distante de Maqueh vinte e cinco léguas [165km].” (Thevet, 1557, fol. 42)
“Após que, por dom da divina clemência chegarmos em terra firme, mais tarde do que era o desejo e esperança de todos, mas no termo de tão longa navegação, não se fez questão de repousar, mas de se descobir e procurar lugares próprios a se estabelecer novamente [...].” (Thevet, 1557, fol. 46)
Eles chegam, então, a Cabo Frio, lugar já bem conhecido dos franceses, aí permanecendo por 4 dias, após concluirem que este não era um bom lugar para estabelecer a colônia, devido à falta de água potável próxima.
“Tendo, então, bem pouco permanecido no primeiro lugar, onde tomamos terra, de que já falei precedentemente, fizemos vela até Cap de Frie, onde nos receberam muito bem os Selvagnes do país, mostrando, à sua maneira, evidentes sinais de alegria : no entanto, nós aí só permanecemos três dias. [...] Sendo assim guiados por este Rei, nós não deixamos de diligentemente reconhecer e visitar o local onde nos encontrávamos, que tinha muitas das comodidades que são necessárias, mas que só tinha água doce bem distante de lá, o que nos impedia de lá fazer uma permanência mais longa, apesar de estarmos muito contrariados, devido à considerável bondade e amenidade do país.” (Thevet, 1557, fol. 46)
Eles chegaram ao Rio de Janeiro no dia 10 de novembro de 1555, ao som de tiros de canhão e sob o grito de alegria dos marinheiros depois de tão turbulenta viagem. Assim que chegaram foram recebidos festivamente em terra (em lugar desconhecido, talvez na Ilha de Paquetá ou do Governador, ou mesmo em terra firme) pelos nativos e lá frei Thevet realizou uma missa.
“No dia 10 de novembro, chegamos ao rio Guanabara, rio que mais parece um lago. O local encontra-se exatamente sob o Trópico de Capricórnio. Pusemos o pé em terra cantando louvores e ações de graças ao Senhor. No lugar, encontramos de 500 a 600 selvagens, todos nus e armados de arcos e flechas. Esses nativos disseram-nos, na sua língua, que éramos bem vindos, ofereceram-nos alguns presentes e aclamaram-nos como aqueles que iriam defendê-los dos portugueses e de outros dos seus inimigos capitais.” (Barré, 1555)
“E, depois de haverem passado, por grandes perigos, difficuldades e accidentes penosos durante a viagem, como: estacionamentos, falta d’agua potável, pestilencias, calor excessivo, ventos contrarios, tempestades, intempéries da zona tórrida e outras coisas que seria fastidioso enumerar, – chegaram finalmente ao Brasil, terra da América, onde o polo Antártico se eleva 23o sobre o horizonte, mais ou menos. Por occasião do desembarque dos Franceses, os habitantes do país saíram ao seu encontro e dispensaram-lhes franco acolhimento, presenteando-os com víveres e diversas coisas curiosas, no intuito de fazerem com eles uma aliança perpétua.” (Crespin, 1564)
Não havendo maior comodidade em permanecer em cap de Frie, pelas razões ditas à cima, resolveu-se deixar o local, fazendo vela para outra região, com grande pesar das gentes do país, os quais esperavam de nós uma maior permanência e aliança, conforme a promessa que lhes foi feita, quando aí chegamos; deste modo, navegamos pelo espaço de quatro dias, até ao décimo [10 de novembro], quando encontramos este grande rio nomeado da Guanabara pelos nativos do país, pela similitude que ele tem com um lago, ou Janeiro, por aqueles qui primeiro fizeram a descoberta deste país, distante de lá onde nós partimos, de cerca de trinta léguas [200km]. E nos retarda pelo caminho o vento, que nós tivemos muito contrários. Então, tendo passado muitas pequenas ilhas, sobre esta costa do mar, e o estreito de nosso rio, largo como um tiro de arcabus, nós decidimos entrar neste lugar, e, com nossos barcos ir à terra, onde incontinente os habitantes nos receberam tão humanamente quanto foi possível : e como estavam advertidos de nossa vinda, ergeram um belo edifício conforme o costume do país, atapetado todo em volta de belas folhas de árvores, e ervas odoríferas, como uma maneira de congratulações, monstrando de sua parte grande sinal de alegria, e nos convidando a fazer o mesmo. Os mais velhos principalmente, que são como reis e governadores, sucessivamente um após o outro, nos vieram ver e com uma admiração nos saldaram à sua maneira em sua lingua ; depois nos conduziram ao lugar que eles nos tinham preparado ; a este lugar eles nos levaram víveres de todos os tipos, como farinha feita de uma raiz que eles chamam mandioca, e outras raízes grandes e pequenas, muito boas, no entanto, e prazerosas de comer, e outras coisas conformes ao país : de maneira, que, tendo chegado, após termos louvado e agradecido […], decidiu-se se recrear e repousar sobre a erva verde […].” (Thevet, 1557, fol. 48-49)
Segundo Thevet (1557), antes de desembarcarem todas as pessoas, Villegagnon cuidou de explorar, por 2 meses, o interior da Baía da Guanabara, fazendo reconhecimento de todos os pontos do litoral, inclusive as ilhas menores e maiores. Este fato não é citado alhures.
“Após termos lá permanecido pelo espaço de dois meses, e explorado tanto as ilhas quanto a terra firme, foi nomeado o país por nós descoberto por uma distância em volta, França Antártica, […].” (Thevet, 1557, fol. 49)
“Thevet pretende que os franceses se puseram ao trabalho apenas dois meses depois de sua chegada, […] Pode ser, em efeito, que alguns franceses tenham sido enviados para o continente por Villegaignon, para procurer víveres frescos, mas é bem mais provável que o vice-almirante se tenha ocupado imediatamente de por o seu mundo sob proteção. […] Como, de um instante a outro, uma esquadra portuguesa poderia entrar na baía e arruinar seu empreendimento, ele queria, antes de tudo, se por em condições de recebê-la energicamente, se ela se apresentasse. É, portanto, provável que ele tenha adiado toda a descida no continente e toda expedição no interior, até o momento que ele se sentisse em segurança em sua ilha. […] Ele ordena, então, até novas ordens, que todo mundo trabalhe nas fortificações; tendo ele se encarregado de dirigir pessoalmente os trabalhos.” (Gaffarel, 1878, pg. 188-189)
Villegagnon fez, então, fortificar a Isle Rattier ou le Ratier rocher (Ilha dos Ratos, atual ilha da Laje), uma pedra chata com as dimensões aproximadas de 100 metros de comprimento por 60 de largura, no lado oeste da barra da baía de Guanabara. Nela, ele construiu um forte de madeira e assentou nele 2 gandes canhões e alguns falconetes. Esta estratégica fortificação controlava toda a entrada na Baía, mas um dia uma ressaca jogou ao mar as peças de artilharia, colocando em risco a guarnição, e só com muito esforço os franceses conseguiram recuperar os canhões do fundo do mar. Não está bem claro se Villegagnon, construiu este forte antes, ao mesmo tempo ou depois de se estabelecer na Ilha de Villeganon.
“A baía é bela e fácil de fixar na memória, pois sua entrada é estreita e fechada de ambos os lados por duas altas montanhas. No meio da dita entrada (que tem cerca de meia légua [3, 3km]), há uma rocha [Ilha de Laje], com mais ou menos 100 pés [30,5m] de comprimento e 60 [18,5m] de largura, sobre a qual o senhor Villegagnon, prevenindo-se contra os inimigos, construiu um forte de madeira e instalou a sua artilharia.” (Barré, 1555)
[...] para entrar no dito rio [Baía de Guanabara], o qual é de água salgada; aí entramos por um estreito muito traiçoeiro, o qual tendo passado, nós vimos uma grande rocha muito perigosa, que nós nomeamos le Rattier, a qual é tão traiçoeira, que se o Piloto não estiver atento e for bem experiente, ele se meterá en risco de causar sua perda, sua e de sua companhia. E como [a Isle Ratier] se encontrava muito perto da dita entrada, nós aí instalamos duas grandes peças de artilharia e alguns falconetes. Mas o mar transbordou um dia tão violentamente que ele jogou a artilharia e as balas para o fundo do mar; e Deus sabe o esforço que nós tivemos para tirá-las para fora.." (Thevet, 1575, pg. 908)
“Agora para não esquecer nada do Rattier ou rochedo no qual ele [Léry] disse que nos nos estabelecemos, eu faço de juiz o leitor, se o número de homens que nós éramos, com a tripulação de três grandes navios, móveis, artilharia, munições de guerra e outros trapos, poderiam caber em uma rocha alta de uma braça e meia [3,3m] em forma de pirâmide no centro, e que não poderia conter o que eu disse acima. Longe disto, pois nenhum de nós pôs o pé em terra, senão que três ou quatro meses depois que o capitão [Villegaignon] fez por duas peças de artilharia para guardar a entrada do rio [a Baía de Guanabara]. Mas, o mar tendo transbordado, arrasta estas duas peças para o seu fundo.” (Thevet, Histoire d’André Thevet, Angoumoisin...in Gaffarel, 1878, pg. 187-188).
Aí aportando, desembarcou e tratou imediatamente de alojar-se em um rochedo na embocadura de um braço de mar ou rio de água salgada a que os indígenas chamavam Guanabara e que (como descreverei oportunamente) fica a 23° abaixo do Equador, quase à altura do Trópico de Capricórnio. Mas o mar daí o expulsou.” (Léry, 1578, pg. 4)
Pouco adiante, subindo sempre, está um penedo raso de uns cem ou cento e vinte passos de roda, ao qual puzemos o nome de Ratier; nelle, á sua chegada, Nicolau de Villegagnon, após desembarcar alfaias e artilharia, pensou em fortificar-se, mas foi expellido pela maré.” (Léry, 1578, pg. 99)
“Há uma ilha pequena no meio da vasta baía / que o mar rodeia, de todas as partes, de ondas: / cercam-na rochas e as praias do continente vizinho / donde saem as naus que vão para o oceano / através de estreitas portas, as quais divide uma laje / pela metade. Aí outrora construíram um forte / os Franceses: porém carregou-o a força das ondas.” (Anchieta, 1563)
“Alojando-se primeiramente em um rochedo, à embocadura de um braço do mar ou rio de água salgada, que os selvagens chamam de Guanabara, que fica próximo de vinte e tres graus para depois do Equador. Mas expulsos pela vioência das ondas […]” (La Popelinière, 1582, Livro III, pg. 4)
“Se se acredita na relação de Léry, a Îlle du Rattier fixou inicialmente sua atenção. Ele [Villegagnon] teria ordenado construir lá fortificações de madeira. […] Este erro de Villegaignon é bem inverossímil: ele tinha o golpe de vista bem desenvolvido, e, em diversas ocasiões, bem recentemente ainda a propósito das fortificações de Brest, ele deu provas demais de perspicácia, para ir cometer um tal erro na América. Thevet, o antagonista de Léry, […] sobretudo quando ele conta o que viu, nos parece estar mais próximo da verdade, ao dizer que Villegaignon queria fazer de Rattier um simples posto de observação e de defesa, mas ele não pensa jamais em fundar lá seu principal estabelecimento.” (Gaffarel, 1878, pg. 186-187)
[…] perto do meio da barra desta bahia existe um ilheo quasi razo com o mar, e a modo de uma grande lage, que na verdade parece que a poz naquelle sitio a mão de Deus, para servir como fortaleza á defensa de todo o porto. Foi ahi que primeiro desembarcou o ambicioso e hypocrita aventureiro, e tentou construir uma bateria de madeira. Vendo porém que o ilheo ou Lage se alagava com as marés enchentes, e que não tinha recursos bastantes para domar então a fúria das ondas e construir fortaleza com muralhas nesse logar, […]” (Varnhagen, 1854, vol. 1, pg. 229-230)
“Villegagnon, marinheiro experimentado e de renome foi, por sua vez, o primeiro a perceber a importância da Laje da entrada da baía, por sua posição estratégica a meio da estreita barra. Aí tentou, sem resultado em face da violência do mar, instalar uma bateria de madeira; chegou a preparar pedras para fazer uma fortaleza. Entretanto, pensar e afirmar que procurou, ao chegar, se estabelecer na Laje, Le Ratier dos Franceses, é êrro repetido por historiadores, copiando Jean de Léry, só explicável em relação a pessoas que nunca se deram ao trabalho de verificar de visu o local. Se a própria ilha de Serigipe não possuía, por seu tamanho diminuto e carência de água, condições para a fundação de uma cidade, quanto mais a Laje, varrida de lado a lado pelo mar, sempre que este se encrespava um pouco.[…] Como vemos, Thevet não fala de um primeiro desembarque na Laje e sim, nos índios que os receberam em terra firme […](Ferrez, 1970, RIHGB, vol. 288, pg. 109)
Villegagnon acabou por acomodar-se numa ilha deserta (Ilha de Serigipe, Itamoguaia ou das Palmeiras, atual Ilha de Villegagnon), onde, depois de desembarcar sua artilharia e demais bagagens, iniciou a construção de um forte a fim de se garantir tanto contra os índios como contra os portugueses. Esta ilha oferecia vantagens incontestáveis para fazer-se o centro de defesa francesa, pois dominava a entrada da Baía e era de acesso difícil por estar cercada de recifes à flor da água. Logo que os franceses desembarcaram, Villegagnon os pôs para trabalhar na fortificação da ilha. Num regime de semi-escravidão muraram em alguns meses todo o contorno da ilha. Foram providenciados alojamentos em terra e desembarcados homens, armas, munições e ferramentas. Apesar das dificuldades com a mão de obra européia, graças ao auxílio dos indígenas (cerca de quarenta escravos adquiridos aos Tamoios), uma fortificação foi concluída em três meses. A fortificação recebeu o nome de Forte Coligny em homenagem ao almirante Gaspard de Chântillon, 2º Conde de Coligny.
“O rio referido é tão espaçoso que todos os navios do mundo poderiam aí ancorar com segurança; sua superfície é cheia de belas ilhas, todas cobertas de verdes bosques. Em uma dessas ilhas [Ilha de Villegagnon], situada em frente ao forte, foi colocado o restante dos homens e da artilharia. Optou-se por instalá-los nesse espaço, porque temia-se que, caso fossem transferidos para a terra, os selvagens empreendessem um ataque contra os homens e roubassem as mercadorias.” (Barré, 1555)
“Este lugar é uma ilhota de seiscentos passos de comprimento e cem de largura, rodeada de todos os lados pelo mar, larga e longa de uma costa e de outra, do alcance de uma columbrina, que é o motivo pelo qual eles não podem se aproximar, quando seu frenesi os toma. O lugar é naturalmente forte, e com habilidade nós a provimos de contrafortes e baluartes [...] É verdade que há um incômodo em relação à a’gua doce, mas nós fizemos uma cisterna, que poderá conter e guardar água, no número que nós somos, por seis meses. Nós perdemos posteriormente, um grande barco e uma barca contra as rochas, o que nos fez grande falta, pelo que nós passamos a adquirir água, madeira e víveres apenas através de barcos. Com isto, um mestre carpinteiro e outros dois trabalhadores, se foram para junto dos selvagens, para viver mais em liberdade.” (Barré, 1556)
“[…]onde não se encontra lugar mais cômodo para fundar e se fortificar que uma bem pequena ilha, contendo somente uma légua [6,5km] de circuito, situada quase à origem deste rio [Baía de Guanabara], do qual nós falamos, a qual pela mesma razão com o forte que foi ereto, foi, também, nomeada de Colligni. Esta ilha é muito aprazível, por ser coberta de enorme quantidade de palmeiras, cedros, árvores do pau-brasil e plantas aromáticas, verdejantes durante todo o ano, embora não contivesse água doce, que se tinha de buscar bem longe; pelo que o Senhor de Villegagnon, a fim de precaver-se contra qualquer investida por parte dos portugueses, ou mesmo por parte dos selvagens, fáceis de se ofender, ali se fortificou do melhor modo que lhe foi possível. Os víveres eram fornecidos pelos indígenas […] os alimentos da terra trocavam os indígenas por objetos de pouco valor, a saber, canivetes, foicinhas e anzóis.” (Thevet, 1557, fol. 49)
“Tendo vós passado le Ratier, o rio vai se alargando, e faz um recorrido de mais de trinta léguas [200km] em circunferência. Uma meia légua [3,5km] distante de Ratier, nós encontramos uma Ilha, então despovoada; e é esta aquela que eu falei, que é o local onde nós nos estabelecemos; aquela não tem mais de uma légua [6,5km] de perímetro. Foi neste lugar que nós erigimos um forte, composto de cinco baluartes, guarnecidos de grande e média artilharia, para que nós prevalecêssemos contra nossos inimigos; e prosseguimos a fortificação na maior diligência que nos foi possível e fizemos trabalhar bom número de Selvagens; e mesmo os principais de entre nós não se pouparam para dar exemple aos outros , que por este meio foram de tal modo encorajados , que eles estavam sempre prontos a expor sua vida para o aperfeiçoamento deste novo forte, demonstrando assim fazendo, a afeição que eles tinham em fazer serviço ao Rei, em uma empresa tão perigosa.” (Thevet, 1575, pg. 908)
“Constrangido a retirar-se [da Ilha de Laje] avançou [Villegagnon] quase uma légua [6,6km] em busca de terra e acabou por acomodar-se numa ilha antes deserta, onde, depois de desembarcar sua artilharia e demais bagagens, iniciou a construção de um forte, a fim de garantir-se tanto contra os selvagens como contra os portugueses que viajavam para o Brasil e aí já possuem inúmeras fortalezas." (Léry, 1578, pg. 4)
“Legua [6,6km] adiante está a ilha onde estacionámos, e que era deshabitada antes da vinda dos francezes; tem meia milha [800m] de circuito, sendo seis vezes mais comprida que larga, e rodeada de pedras á flor do mar que impedem a approximação dos navios e naturalmente a fortificam. Ninguem pode alli atracar senão em pequenos barcos e sempre do lado do porto, sito em posição contraria ao mar alto; bem guardada seria inexpugnavel, embora não tenha acontecido isso depois da nossa partida, por culpa dos que lá ficaram. Nas extremas da ilha ficam dois morros nos quaes Nicolau de Villegagnon fez edificar duas casinhas, erguendo a de sua residencia em um penedo de cincoenta pés [15m] de altura, no meio da ilha. Lado a lado deste rochedo aplainamos e preparamos pequenas areas onde se ergueram, não só a sala das predicas e das refeições, como varios commodos de alojamento; oitenta pessoas, inclusive a comitiva de Nicolau de Villegagnon, alli residiam. Fóra a casa sobre o rochedo, construida com algum madeiramento e defendida pelos baluartes onde estava a artilharia, o resto não passava de casebres de pau tosco e palha, construidos á sua moda pelos selvagens. Eis o que era o fortim a que Villegagnon deu o nome de Coligny para ser agradavel ao homem sem cujo favor jamais conseguiria emprehender tal viagem, nem edificar coisa alguma na America. Mas se sua intenção foi perpetuar o nome de tão excellente varão, cuja memoria será sempre honrada entre os homens de bem, deixo ao juizo dos leitores se o abandonar a praça aos portuguezees, e o rebellar-se contra a religião reformada trouxeram honra a Coligny e gloria ao nome da França Antarctica.” (Léry, 1578, pg. 99-101)
“Elle [Villegagnon] leva muito difrente ordem com gentio do que nos levamos; he liberal em extremo com elles e faz lhes muita justiça, enforca os Francezes por culpas sem processos , com histo he muito dos seus , e amado do gentio : manda os ensinar a todo o género de officios e darmas ajuda os nas suas guerras o gentio he muito e dos mais valentes da Casta em pouco tempo se pode fazer muito forte." (Mem de Sá, 1560, in Araújo, 1820)
 “Nos primeiros dias, todo mundo estava cheio de ardor. A novidade seduz e encanta. Assim, não se regateava seu fardo. Os trabalhadores se puseram com ardor sob a vontade de seu chefe. Assim, pois, eles compreendiam a necessidade de se construir abrigos e proteções. Não somente os trabalhadores e artesãos, mas também os soldados e marinheiros se improvisam em escavadores, pedreiros e carpinteiros. Os próprios oficiais abandonaram o costume, ou melhor, o prejuizo que os proibia de toda a ocupação manual, mas pegaram a picareta e foram os primeiros a ir ao trabalho.” (Gaffarel, 1878, pg. 189)
Mas um dos grandes inconvenientes da ilha era não ter água potável. Para remediá-lo quanto possível, abriu-se uma grande cisterna, que podia conter e guardar água por seis meses. As comunicações com o continente foram proibidas, mas, mesmo buscando o isolamento, era inevitável ter contato com os índios, no continente, pois era para lá que os franceses iam quando precisavam de víveres. Villegagnon não trouxe alimentos para a permanência no Brasil, mas trouxe ricas roupas para si, assim como adornos para igreja e móveis finos. Esta imprevidência de Villegagnon, de não trazer alimentos e víveres suficientes, contribuiu para aborrecer em muito os colonos, pois sua alimentação consistia de frutos e raízes em lugar de pão, e de água (racionada) em vez de vinho. Também não cuidou ele de plantar alimentos, mas limitou-se a adquirir dos índios. Estes índios tupinambás (os tamoios das crônicas portuguesas) se mostraram muito solícitos com os franceses. Eles arrumaram para os franceses carne, peixe, farinha e frutos da terra, além de água potável. Eles ajudaram inclusive nos trabalhos de fortificação da ilha, trazendo materiais do continente. Mas Villegagnon quis tratá-los com o mesmo rigor que tratava os franceses, ainda mais que sobre estes caiu o rigor do trabalho, enquanto os franceses iam caindo no ócio. Isto motivou a fuga dos índios para as florestas do interior e a consequente fome entre os franceses.
“Além disto, a causa principal pela qual esta Ilha era desabitada, era, porque ali havia mais vermes do que qualquer outra coisa. Isto poderia ser causa de muitas doenças para os habitants; além disto havia um outro bem grande incomodo, à saber, a falta de água doce, visto que aí não se acha uma só gota, mas é necessário ir procurar em terra firme, que está a meia légua [3,5km] distante de lá. Não se deve de forma alguma ignorar, que os Portugueses são ciumentos, se por caso fortuito alguém tenta descobrir nova terra, pois isto lhes parece que alguém lhes faz mal, e que se lhes engana, come se todo o mar lhes tivesse sido dado em possessão e fruição. Pelo que, antes de vir abordar esta Ilha, nossa habitação foi em Cap de Frie [Cabo Frio], em cujo lugar nós estivemos bem acomodados, por causa dos víveres; mas nós deliberamos de nos fortificar nesta dita Ilha pelas causas declaradas acima. Quanto às singularidades desta, elas não são muito grandes por que ela só foi povoada depois que nós lá entramos e fizemos fundar o forte. Ela é bastante prazerosa, por ser revestida de uma grande quantidade de Palmeiras, Cedros, árvores de Brasil, e arbustos aromáticos, desconhecidos por aqui, os quais são verdejantes o ano todo.” (Thevet, 1575, pg. 909)
“Os nossos colonos cometeram um outro [erro] maior ainda: não se abstiveram de solicitor aos Brasileiros de os ajudar nos seus trabalhos do forte! Os indígenas, habituados ao seu clima, estavam certamente mais capacitados que os nossos homens de suportar a fadiga, e eles tornaram-se facilmente os melhores trabalhadores: Pouco a pouco lançam sobre eles o trabalho pesado. O ardor dos primeiros dias desapareceu: às fortes e sãs ocupações sucede rapidamente o ócio. Os Brasileiros não demoraram a compreender que se abusava de sua força e de sua amabilidade: eles reclamaram. Villegaignon, já descontente com o progresso da indiscipline entre seus homens, exasperou-se com suas queixas, e ordenou de os tratar com mais rigor. Esqueceu-se, então, ele que os Brasileiros trabalhavam voluntariamente e esperavam um grande salário. Eles rapidamente desapareceram, e com eles desapareceu, também, a abundância. Foi necessário, ao mesmo tempo, continuar o trabalho começado e procurer víveres, e isto com homens já desgostosos do trabalho, e mais descuidados do que crianças. Também a fome, torna-se ela bem rapidamente ameaçadora. Ela se declara logo que os Brasileiros penetraram em suas florestas, para evitar a tirania e os maus tratos dos nossos compatriotas. […] À fome também se ajuntaram as doenças contagiosas, mortais na maior parte, poi faltava medicamentos.” (Gaffarel, 1878, pg. 194-195)
Sua planta apresentava formato retangular, na forma de uma paliçada de madeira e terra que contornava a ilha, com um sólido baluarte quadrangular em cada uma das suas duas extremidades, armado de artilharia de médio e grosso calibre. O Forte Coligny dispunha de cinco baterias apontadas para o mar.
“[...] Agora esta outra ilha ergue suas torres ferozes, / forte por sua rochas inacessíveis, fervendo ao embate / do mar furioso [...]. / Para o lado do ocaso se levanta a pequena colina: / uma que outra palmeira ao longe a cobre de sombra / com seus verdejantes leques. Perto dessa colina / está enorme rochedo talhado todo ao redor / pelo picão tenaz. Em cima da pedra imponente / se eleva o baluarte altivo, prenhe de artilharia. / Mais além há uma pequena altura e à sua direita / uma cisterna, com casa dum lado e doutro, repleta de água. / Bombardas numerosas defendem as estreitas veredas. / Entre estas e a cisterna há enorme abertura, / onde as ondas remugem espumando de raiva. / Ponte de um pau dá estreita passagem por cima do abismo. / Transposta esta, do lado da aurora esplendente, / depara-se um monte que parece subir às estrelas, / com escarpas a pique em redor. É impossível / subir por aí ao cume, ou descer de lá para baixo. / Um só caminho escarpado e estreito conduz à altura: / talhou-o na pedra, à força de golpes teimosos / e muito suor, o duro picão dos Franceses. / E protegeu-o com baluartes de alvenaria. No cume / ergue-se a torre sob armação de grossos madeiros / defendida por bombardas e pela estratégia do posto: / o rochedo todo é inacessível e se lança às alturas / qual gigantesca montanha e inexpugnável penhasco.” (Anchieta, 1563)
“[...] / a dita fortalleza hera das majs fortes que se podia achaar antre cristãos e moiros e afirmauassee que teria pasante de cem homens dentro tinha muita artelharia de foguo grosa e meuda espingardas e llamças e corpos darmas estava num piquo como dito hee não se podia emtrar nella somentee per hum caminho em Rochedo que seria de largura obra de tres ou quatro pallmos e com guoaritas e balluartes tudo temeroso e allem desta fortallleza tinhão no baixo hum balluarte feito em um penedo ao piquão, cousa muito forte e com muita artelharia e monjçois de fogo [...]” (Silva, 1570)
“77 […] a Fortaleza principal da ilha, que chamão Villagailhon, e parecia inexpugnavel; porque tudo o que era ilha, era fortaleza, e tudo o que era fortaleza, era ilha ; e toda (excepto hum pequeno porto de praia) era cercada de penedia brava, onde bate o mar, com cem braças [220m] de comprido, cincoenta [110m] de largo, em cujas ultimas duas pontas levantou a natureza dous Cabeços talhados ao mar; e no  meio de ambos hum singular penedo, como de quatro braças [8,8m] em alto, e sete [15,5m] em contorno. Da circunferencia dos recifes, e penedia d'elles, tinhão feito defensavel muralha: dos dous cabeços com pouco artificio, duas juntamente naturaes e artificiaes fortalezas: e do penedo, hum pouco mais cavado ao picão, caixa de polvora segura, e constante contra toda a artilheria. (Vasconcellos, 1623, Livro II, 77)
[…] Ilha, de meia légua de circuito, seis vezes mais longa que larga, circundada de pequenos rochedos à flor d’água, que só permitem que os navios dela se aproximem até ao alcance de um canhão; dela, mesmo os barcos só podem se aproximar do lado do porto oposto de quem chega do grande mar. Tendo uma montanha em cada uma das extremidades, ele fez construir sobre cada uma, uma Fortaleza, e, sobre o rochedo no meio da ilha, a sua casa: em volta daquela estavam as outras casas, para a pregação e moradia do resto, com grandes baluartes para artilharia, revestidos de alvenaria. O resto das habitações, como os selavgens foram os obreiros, foram construídas à moda deles, quer dizer, de toras de madeiras cobertas de ervas.” (La Popelinière, 1582, Livro III, pg. 8)
“A ilha tinha de natureza aos estremos dois pequenos morros, e em cada um delles haviam os defensores construído grandes rancharias; e sobre o meio, em cima do rochedo que se elevava uns cincoenta ou sessenta pés [15-18m], ficava a casa abaluartada do governador. As vivendas construídas eram de madeira e cobertas de palha, ao modo dos selvagens.” (Varnhagen, 1854, vol. I, pg. 240).
“Sobre a eminência do meio se elevava um grande forte, ao quale le dá de antemão o nome de Coligny. Nas duas extremidades, na entrada do pequeno porto, e em dois locais que se julgaram cômodos para esta destinação, foram construídas cinco baterias destinadas a defender os acessos à ilha e a comandar as águas da baía. A casa do governador, as casernas, os alojamentos dos trabalhadores e as oficinas foram estabelecidas, com o tempo, nos locais que pareceram favoráveis. Villegaignon fez aprovar este plano por seus principais oficiais, que ele reuniu em conselho, e todo mundo se pôs ao trabalho.” (Gaffarel, 1878, pg. 189)
c) Ano de 1556: Conspiração contra Villegagnon e partida dos huguenotes para o Rio de Janeiro
Em 14 de fevereiro (Nicolas Barré, ou 31 de janeiro, Thevet) de 1556 os navios que trouxeram a expedição, até então aportados na Baía da Guanabara, retornaram para a França sob o comando de Bois-le-Comte; frei Thévet retornaria à França com estes navios.

[...] e como quer que permanecesse algum tempo na América, atraído pelo lugar e por tantas coisas mais agradáveis ao espírito, só me veio uma preocupação, a de partir, pois não era meu propósito demorar por mais longo tempo naquela colônia. E assim, de fato, o fiz, estando entregue a direção dos navios a Bois-le-Comte, capitão da esquadra real na França Antártica, um homem magnânimo e também instruído em assuntos navais, que parecia não ter feito outra coisa em toda a sua vida. Isso sem falar nos demais predicados ou virtudes desse capitão. A partida ocorreu no derradeiro dia de janeiro, às quatro horas da manhã, quando os navios fizeram velas, deixando o Rio de Janeiro, rumo ao alto mar, isto é, de um mar situado abaixo da outra costa, a do poente, a qual, na viagem de vinda, fora acompanhada de perto e agora, em deixando a destra, — por um caminho, pois, inteiramente contrário. E tomou-se essa rota tendo em vista a direção dos ventos, muito embora não haja dúvida de que ela aumentaria de mais de quatrocentas ou quinhentas léguas a viagem de retorno, ou torná-la-ia mais difícil. No começo da navegação foi o vento bastante propício, não obstante sua pouca duração, pois logo sobrevieram outros ventos, furiosos, do norte e do noroeste, fustigando-nos o rosto — com o que, juntamente à instabilidade e à insegurança dos mares dessas regiões, foram as embarcações jogadas em todas as direções. E, só após muitas dificuldades, se avistou o Cabo Frio, no qual desembarcou a expedição em sua viagem anterior. No Cabo Frio estiveram as naus paradas por espaço de oito dias até que, ao nono, o vento do sul soprou pela popa e conduziu-as a umas noventa léguas [600km] de mar a dentro. Deixou-se, pois, atrás, o país, evitando os perigos da costa de Mahouac [algum lugar na costa do Espírito Santo], visto que nela estacionam os portugueses e os selvagens seus aliados, ambos, como já se disse em outra parte, inimigos dos franceses (dois anos antes, realmente, os portugueses encontraram em Mahouac minas de ouro e de prata, motivo pelo qual lá se estabeleceram e construíram habitações). E, sempre assim navegando, atingiu-se, à custa de muitos sacrifícios, a altura do cabo de Santo Agostinho; [...].” (Thevet, 1557, fol. 118)

Os casamentos entre franceses e índias foi proibido, salvo se as índias fossem instruídas na religião reformada e batizadas e casassem perante o notário da expedição. Como resultado, muitos franceses fugiram para a floresta, passando a viver entre os indígenas. Alguns casaram-se contra a vontade, outros rebelaram-se e foram punidos, até mesmo ameaçados de morte. Os franceses se uniram às índias locais, gerando mais de mil mestiços que povoaram toda a região da Baía de Guanabara.

Os selvagens lhes darão uma filha para servir-vos, durante o tempo em que permaneceis entre eles, ou durante o tempo que quiserdes. Depois, tendes liberdade de restituir-lhes a moça, quando assim achardes conveniente, conforme o costume geral. Assim é que, quando alguém vai visitar esses índios, logo o dono da casa interroga o recém-chegado, em sua língua:  Vem cá. Que me vais dar em troca de minha bela filha, que te entregarei, a fim de servir-te, fazendo farinha e cuidando de outras necessidades? E foi para obviar tal inconveniente que o Senhor de Villegagnon proibiu logo ao chegar, os ajuntamentos entre franceses e selvagens, sob pena de morte, uma vez que se tratava de coisa indigna de cristãos.” (Thevet, 1557, fol. 80)

“[…] e se eu retirar a tropa de operários que eu trouxe da companhia e do contato com os infiéis. [...]Para o que nós nos transportamos para una Ilha afastada da terra firme de cerca de duas léguas [13,5km], e lá eu escolhi como lugar para nossa moradia, a fim de que, todo meio de fugir estando excluído, eu pudesse reter nossa tropa en seu dever: e posto que as mulheres não viriam para nós sem seus maridos, a ocasião de mal agir neste lugar foi cerceada.” (Villegagnon, Lettre IV, 1556)

“Para não calar o que era louvavel em Nicolau de Villegagnon direi de passagem que, depois de ouvido o parecer do conselho, prohibiu sob pena de morte que os nossos christãos morassem com indias. Isto porque certos normandos, victimas dum naufragio succedido antes da nossa chegada ao paiz, moravam entre os selvagens amasiados com indias, vivendo sem nenhum temor a Deus. A alguns vi com filhos já de quatro e cinco annos. Para que os do fortim não fizessem o mesmo tomou Villegagnon essa medida severa, permittindo, entretanto, que as desposassem depois de chamadas ao conhecimento de Deus e baptisadas. Este caso não se deu. Apezar das nossas admoestações a esse povo barbaro, nenhum selvagem appareceu que quizesse abandonar as crenças nativas e confessar Jesus como o Salvador, e porisso, durante todo o tempo que lá estive, não vi nenhum francez tomar mulher selvagem. Esta ordenança foi exactamente observada; nenhum dos sequazes de Nicolau de Villegagnon, nem nenhum dos meus companheiros a transgrediu, e embora depois do meu regresso eu tenha ouvido dizer que Villegagnon se polluia com mulheres selvagens, affirmo que em nosso tempo ninguem disso o suspeitava. E mais: tão severamente mantinha elle a ordem, que foi preciso a intercessão das pessoas mais chegadas para que commutasse em pena de calceta aos pés e trabalho entre os escravos a condemnação por elle imposta a um interprete normando que fôra no continente apanhado em commercio carnal com uma india de que outr'ora abusara.” (Léry, 1578, pg. 81-82)
Em 4 de fevereiro, após a partida de Bois-le-Comte e André Thévet para a França, ocorreu a primeira revolta na França Antártica. Devido ao excesso de trabalho na construção da fortaleza, à proibição de se amasiar com as nativas e ao rigor imposto por Villegagnon, alguns franceses começaram a conjurar contra este. Entendiam uns que se deveriam juntar aos naturais do país, sem tentar mais coisa alguma. De opinião contrária eram outros, que reputavam mais acertado bandear-se para os Portugueses que habitavam ali perto. Um grupo de conjurados (26, segundo Villegagnon) liderados por um intérprete normando (segundo Thevet, flamengo), que fora obrigado a casar-se com uma indígena, preferiram planejar o assassinato de Villegagnon, defendido por apenas oito (apenas 3, segundo Crespin) homens de sua guarda escocesa. Na carta que Villegagnon escreveu a Calvino para pedir o envio de pastores, ele disse que a revolta teve origem no fato de haver ele proibido que mulheres indígenas entrassem no Forte desacompanhadas de seus maridos. Inclusive alguns dos mercenários já estavam vivendo com algumas delas. O líder do complô, um intérprete normando que estava há 7 anos no Brasil, combinou com os outros matar o almirante. Ao complô se uniram 6 portugueses resgatados aos Tamoios pelos franceses no Rio dos Vazos. Eles tentaram aliciar três dos guardas escoceses, que protegiam Villegagnon. Imaginando contar com a colaboração de um dos guardas insatisfeito, prometeram-lhe um vultoso prêmio. O guarda, entretanto, não confiou nos rebeldes, avisando a Nicolas Barré. Villegagnon e os que estavam do seu lado, assim prevenidos, armaram-se e prenderam quatro dos principais conspiradores. Um dos presos acorrentados atirou-se na água e se afogou e outro foi estrangulado e enforcado. Os outros dois deles foram postos em prisões com cadeias e ferros e obrigados a trabalhos públicos durante certo tempo. Isto semeou o terror entre os franceses da colônia e entre os índios Tamoios. Os índios fugiram do litoral, e até uma epidemia foi passada aos índios. Alguns franceses atemorizados fugiram para o continente e fundaram a aldeia de La Briqueterie, que serviu de abrigo para os corsários franceses, os quais desde Cabo Frio visitavam a costa.
“Dois dias após a partida dos navios, que foi o quarto dia de fevereiro de 1556, nós descobrimos uma conjuração feita por todos os artesãos e trabalhadores que foram trazidos, que eram em número de uma trintena: contra o senhor de Villegaignon, e todos nós que estávamos com ele, que éramos oito para sua defesa. Nós soubemos que ela foi conduzida por um intérprete, o qual foi dado ao dito senhor por um gentil-homem normando, que acompanhou o dito senhor até este lugar. Este intérprete estava casado com uma mulher selvagem, a qual ele não queria nem deixar nem ter por mulher. Ora que o dito senhor de Villegaignon, em seu começo, regula a sua casa como homem de bem e crente em Deus: proibindo que nenhum homem tenha relações com estas selvagens, se não as tomar por mulher, sobre pena de morte. [...] Primeiramente propõe de envenenar o senhor de Villegaignon, e nós também, mas um de seus companheiros o demove. Depois se dirige aos artesãos e trabalhadores, que ele sabia que viviam lastimando o excesso de trabalho e a falta de alimentos. Pois, como não se troxe víveres da França, para viver na terra, foi necessário desde o primeiro dia deixar o vinho, e em vez disso, beber água crua. E como alimento, se acostumar a uma certa farinha do país, feitas de raízes de árvores [...] Esta súbita e repentina mudança, foi considerada estranha, principalmente pelos artesãos, que vieram apenas para o lucro e proveito particular. Junta a dificuldade com a água, os lugares ásperos e desertos, e um incrível trabalho que se lhes submete, pela necessidade de os acomodar onde nós estamos, foi fácil os seduzir, propondo-lhes a grande liberdade que eles teriam, e também, depois, as riquezes, as quais dariam em abandono aos selvagens, para viver como desejassem. Eles voluntariamente concordaram, e no entusiasmo quiseram por fogo na pólvora, que havia sido posta em um celeiro feito ligeiramente, sob o qual nós todos dormíamos. Mas alguns não acharam isto bom, porque toda a mercadoria, móveis e jóias que nós tínhamos, teriam sido perdidos e ninguém ganharia nada com isto. Eles decidiram, então, de vir nos atacar e cortar a garganta enquanto estávamos no nosso primeiro sono. No entanto, eles encontraram uma dificuldade nos três escoceses que tinham o dito senhor para a sua guarda, os quais eles se esforçaram por seduzir. Mas eles, após terem conhecimento do seu mau intento, e da coisa estar certa, me vieram advertir, e revelaram todo o fato. Isto eu revelei imediatamente ao dito senhor e aos meus companheiros para remediar a situação. Nós remediamos imediatamente tomando quatro dos principais que foram postos em correntes e ferros na frente de todos. O autor não estava lá. No dia seguinte, um dos que estava a ferros, se sentindo convicto, se lança na água e se afoga miseravelmente. Um outro foi estrangulado. Os outros tiveram que trabalhar como escravos; o resto, rapidamente e sem murmúrio, passou a trabalhar mais diligentemente que antes. O autor intérprete (posto que ele não estava lá) foi advertido que seu intento foi descoberto. Ele não retornou mais a nós. Ele se mantém atualmente entre os selvagens. Ele atraiu todos os outros tradutores da dita terra, que são em número de vinte ou vinte e cinco, que foram dizendo tudo que podiam de pior, para nos assustar e fazer retornar para a França. E, posto que ocorreu que os selvagens foram perseguidos por uma febre pestilenta depois que nós fomos em terra, da qual morreram mais de oitocentos, eles lhes persuadiram que foi o senhor de Villegaignon que os fez morrer, pelo que eles desenvolveram uma má opinião contra nós, de forma que eles quiseram nos fazer guerra se estivéssemos em terra continental, mas o local onde estávamos os deteve [...](Barré, 1556)

 “Este forte era verdadeiramente suficiente para manter o país selvagem em controle, e se defender de todo outro inimigo, se o adversário não estivesse entre nós mesmos, principalmente que, entre aqueles que se diziam Cristãos, havia uns que conspiravam contra a vida do Capitão e outros que estimulavam os Bárbaros a nos atacarem, e tornarem-se mestres dos navios e da riqueza que lá poderia estar. Mas isto tendo sido descoberto, certificado, e provado por dois Flamengos, que confessaram, a traição, à questão que lhes foi dada, e o complô feito com seis Portugueses, que nós havíamos resgatados das mãos deste povo Bárbaro, pelo qual, pouco tempo antes, eles foram capturados, quando o destino os havia compelido a ancorar no rio dos Vasos, o que foi causa que este lugar fosse por nós fortificado um ano e meio após, com dois novos parapeitos e algumas traversas feitas sobre a aspereza e precipício de duas pequenas colinas que nos serviam de Cidadela, olhando diretamente a entrada do rio da Guanabara; e além destes, os culpados de fato e autores da traição, foram punidos de morte e precipitados, com os dois Flamengos, para o fundo do mar.” (Thevet, 1575, pg. 908)

“De resto, eu esqueci de vos dizer, que pouco tempo antes aí houve uma sedição contra os Franceses, ocorrida pela divisão e parcialidade de quatro Ministros da religião nova, que Calvino para lá enviou para plantar seu sangrento Evangélio, o principal daqueles era um Ministro sedicioso nomeado Richer, que havia sido Carmelita e Doutor em Paris alguns anos antes de sua viagem. Estes gentis predicadores, dedicando-se somente a se enriquecer, e agarrar o que eles pudessem, fizeram ligas e manobras secretas, o que foi causa de que alguns dos nossos fossem por eles mortos. Mas, alguns destes sediciosos tendo sido capturados, foram executados, e seus corpos dados por pasto aos peixes: os outros se salvaram, entre os quais estava o dito Richer, o qual logo depois tornou-se Ministro em Rochelle, lá onde eu creio que ele esteja ainda presente. Aos Selvagens, irritados com tais tragédias, pouco faltou para que se lançassem sobre nós e matassem os que de nós restavam.” (Thevet, 1575, pg. 908-909)

A fidelidade daqueles [Escoceses] eu também conheci em certo número de Gentil-homens e soldados, que nos acompanharam sobre nossos navios neste país distante, a France Antarctique, por certas conjurações feitas contra nossa companhia por Franceses Normandos, os quais para entender a linguagem deste povo selvagem e bárbaro, que quase não tem razão pela brutalidade que há neles, tinham um plano de fazer todos nós morrer, junto com dois Reizinhos do país, aos quais eles haviam prometido o pouco de bens que nós tínhamos. Mas os ditos Escoceses disto sendo advertidos, revelaram este empreendimento ao Senhor de Villegagnon e também a mim, por cujo fato foram muito bem castigados estes impostores, assim como os Ministros que Calvino para aí enviou, que bebendo um pouco mais do que saciaria, estavam metidos na conspiração.” (Thevet, 1575)

“[...]  outros dentre estes Selvagens, que eram os mais malvados, davam conselho aos seus companheiros de matar o Governador [Villegagnon]; o que se faria pelo instinto de algum malvado dentre nós, mas os conselhos e complôs foram descobertos por um Selvagem mesmo, o qual  advertiu um dos da nossa gente, que se entretia com sua filha, o que era estritamente proibido por nós outros, por não ser honesto, que o fiel se deite com o infiel: e diziam estes empreendedores, que nós Cheripicouares, à saber nossas almas, eram más, e que com seu pecado eramos a causa de sua morte.” (Thevet, 1575, pg. 909)
Apesar disto, ocorreu que vinte e seis de nossos mercenários estando enamorados, por sua cupidez carnal, conspiraram para me matar. Mas no dia designado para a execução, a empresa foi para mim revelada por um dos cúmplices no mesmo instante em que eles vinham apressadamente me matar. Nós evitamos um tal perigo desta forma: é que tendo feito armar cinco dos meus domésticos, eu comecei a ir diretamente contra eles; então estes conspiradores foram tomados de um tal medo e espanto que facilmente e sem resistência nós apreendemos e aprisonamos quatro dos principais autores da conspiração que me foi advertida. Os outros amedrontados por isso, largaram as armas e se esconderam. No dia seguinte, nós liberamos um deles das correntes, a fim de que em uma maior liberdade ele pudesse pleitear a sua causa: mas pondo-se a correr, ele se precipita no mar, e se afoga. Os outros que restaram, sendo levados para averiguação, assim acorrentados como estavam, voluntariamente e sem questionar confirmaram que o que nós havíamos ouvido daquele que os havia acusados. Um deles, tendo um pouco antes sido castigado por mim, por ter tido um relacionamento com uma prostituta, mostrou-se com mais má vontade, e disse que o início da conspiração originou-se dele, e que ele tinha ganhado o pai da libertina com presentes, a fim de que ele o tirasse para fora do meu poder se eu o pressionasse a se abster da companhia dela. Este foi enforcado e estrangulado por tal crime; os outros dois nós perdoamos, de sorte que eles estando encadeados arem a terra; quanto aos outros, eu não quis de forma alguma me informar da culpa deles, a fim de que, tendo-a conhecido e confirmado, eu não a deixasse impune, pois se o grupo fosse culpável, eu iria querer fazer justiça, o que atrasaria mais ainda a conclusão do trabalho que nós empreendíamos. Dissimulando o descontentamento que eu tive com isto, nós lhes perdoamos a falta, e a todos encorajamos; apesar disto, nós não estávamos a tal ponto convencidos deles, que nós não tenhamos, com toda diligência, os pesquisado e sondado, por suas ações e desvios, o que cada um tinha no coração. E, assim não lhes poupei de forma alguma, mas eu mesmo me fazia presente e os fazia trabalhar, de forma que não somente nós eliminamos o caminho dos seus maus desígnios, mas, também, em pouco tempo equipamos e fortificamos em toda volta a nossa ilha. No entanto, dependendo da capacidade de meu espírito, eu não cessei de os admoestar e desviar dos vícios, e os instruir na Religião Cristã, tendo para este efeito estabelecido todos os dias preces públicas à tarde e de manhã: e mediando tal dever e previdência nós passamos o resto do ano em maior repouso.” (Villegagnon, Lettre IV, 1556)
“Partindo do Havre, os passageiros não inquiriram si Villegagnon se premunira de viveres para aquelles que ficassem em terra, como fôra de suppor. Por isso, ao ser-lhes constatado que absolutamente não os havia para a sua subsistencia, acharam elles muito estranho tal procedimento e em grande maneira se aborreceram por terem que se conformar com os alimentos desta nova terra, os quaes consistiam de fructos e raízes, em logar de pão, e de agua em vez de vinho, e isto em quantidade tão miseravel que para um só homem não era bastante o que se distribuía para quatro. Em conseqüência desta brusca mudança, diversos cahiram gravemente enfermos e não mais se puderam levantar, porque tambem não havia medicamentos o que exasperou fortemente a muitos contra Villegagnon, a quem accusavam de insaciavel avareza e de ter economisado o dinheiro do rei, empregando-o só em proveito proprio, quando deveria applical-o na acquisição de viveres e de todas as coisas indispensaveis ao sustento e preservação da saude dos que levára para tão longínquas regiões. E’certo que os marinheiros que já tinham viajado nestes paizes, asseguraram que havia nelles abundantes provisões de boca, e que, por conseguinte, não se tornava necessario carregar de generos os navios na partida. E foi precisamente isto que servio de desculpa e defesa a Villegagnon. A amargura dos pobres homens era tanto mais intensa quanto a situação permanecia irremediavel. Accresce que nem por isso se lhes diminuía o trabalho, mas, ao contrario, era este augmentado dia a dia, como si, porventura, fossem bem alimentados. Para maior flagello, a ardencia do sol era tão causticante como ninguem o poderia ter imaginado. Desde a manhã até a noite obrigavam-nos, tambem, a quebrar pedras, a carregar terra e a cortar madeiras, porque o logar, o tempo e a occasião requeriam uma grande diligencia, pelo receio de possível ataque, quer por parte dos naturaes do paiz, quer por parte dos Portuguezes, então inimigos acerrimos dos Francezes nessa região. Os operarios, pouco sensíveis em questões de honra, persuadiram-se de que, si este era o começo, o fim seria inconcebível. Os mais sagazes de entre elles previam que, no caso de deixarem crescer o jugo que se lhes impunha, quando se achavam, ainda, na sua maioria, sãos e bem dispostos, mais tarde não haveria reacção possível. Nestas condições, formaram um complot e reuniram os havidos por mais dignos de serem admitidos ao conselho, ficando concertados os meios pelos quaes se poderiam libertar do cruel jugo da servidão que pesava sobre elles contra todas as leis civis e humanas. Entendiam uns que se deveriam juntar aos naturais do paiz, sem tentar mais coisa alguma. De opinião contraria eram outros, que reputavam mais acertado bandear-se para os Portuguezes que habitavam ali perto. A maioria, porem, que quasi sempre suffoca a melhor idéa, não approvou nenhum dos alvitres suggeridos, os quaes lhe pareceram impraticaveis para obtenção segura da sua plena e inteira liberdade. Finalmente, o mais audacioso demonstrou-lhes que se enganariam redondamente, si deixassem viver por mais tempo a Villegagnon e aos que tentassem defendel-o, chegando mesmo a affirmar que seria facílimo eliminal-os, pois não pairavam suspeitas a respeito delles. Ficou vencedora esta opinião, que foi unanimemente approvada, louvando todos a intelligencia de seu autor, ao qual delegaram a chefia da conspiração; e cada qual, já dante-mão, em sua imaginação, dividia o despojo que seria arrecadado. A senha foi dada e escolhido o dia da execução – um domingo, quando cada um se retirava para o seu logar sem provocar desconfianças. Uma só coisa parecia prejudicar e impedir o êxito da trama: eram tres marinheiros escocezes que guardavam a Villegagnon. Mas os conspiradores tentaram logo allicial-os, afim de encontrarem menos obstáculos na realização de seu projecto. Os marujos fingiram approvar o seu desígnio, allegando maus tratos recebidos de Villegagnon, tanto em França como durante a viagem ; e, em sua dissimulação, informaram-se do dia e hora exactos e dos meios da execução, bem assim dos nomes dos conspiradores que tomariam parte nella. Senhores de todo o plano, entenderam que fôra indigno e deshumano occultal-o. Dirigiram-se, pois, de preferencia, a um dos amigos mais íntimos de Villegagnon, tanto pelo conhecimento que elle possuía da língua escoceza como por outras razões, e revelaram-lhe toda a conjuração, os nomes dos principais conspiradores, o dia e hora da execução, afim de que Villegagnon, dest’arte avisado, pudesse tomar as precisas precauções e dar um exemplo salutar à posteridade. Villegagnon e os que lhe eram fieis, assim prevenidos, armaram-se e prenderam quatro dos principaes conspiradores, aos quaes inflingiram severíssima punição, para escarmento dos demais e para os conservar adstrictos ao seu dever e à sua condição, sendo que dois delles foram postos em prisões com cadeias e ferros e obrigados a trabalhos públicos durante certo tempo. Tal foi o epilogo desta conjuração. Villegagnon não poude, portanto, negar que com elle tambem embarcára gente de bem, cujos serviços depois tão mal recompensou.” (Crespin, 1564)
[...] os selvagens do país, cuja simpatia foi captada por meio de presentes, por intermédio de dois Normandos, que serviram de intérpretes, vivendo há vários anos nas tribos do litoral e, que, em consequência, estavam bem a par de sua línguas e costumes. […] Villegaignon : ele quis forçar um dos Normandos, que vivia em concubinato com os índios, a contratar casamento com sua companheira. De outra parte, sempre no meio de seus homens, ocupados com os trabalhos de fortificação da ilha, encorajava-os e castigava-os alternadamente; ele não perdia um instante de vista os formidáveis criminosos que ele havia tirado das prisões de Paris e de Rouen. Também, em pouco tempo, o dito Normando, que se recusava decididamente a se casar, fomentou uma conspiração contra o temido chefe e contra todos os oficiais franceses, que se propunha assassinar. Villegaignon teve ciência da conjuração. Com a calma e a bravura que lhe eram habituais, ele tomou todas as medidas enérgicas que o caso reclamava : as quatro principais cabeças do movimento foram encarceradas, mas o Normando incitador do movimento teve tempo de fugir, com alguns outros que o seguiram entre as tribos. Dos quatro primeiros, um se lança sobre as rochas, na extremidade da ilha, e perece afogado. Um segundo foi enforcado por ordem de Villegaignon, e os dois outros condenados a trabalhos forçados. Durante este tempo, o Normando fugitivo fazia intrigas nas tribos. Ele contava que os índios ocupados com os trabalhos da ilha, e que sucumbiam às epidemas determinadas pela falta de água e de víveres, morriam não por doença, mas dos maus tratos que lhes eram infligidos. Os selvagens se indignaram e declararam a guerra imediata aos Franceses. No entanto, as hostilidades foram terminadas pelos conselhos do Normando que conhecia os meios de defesa da ilha, guarnecida de artilharia, e conhecia os juramentos de fidelidade até a morte, feitos ao seu chefe, em presença do perigo, pelos oficiais e os marinheiros da guarnição e dos navios.” (Lima-Barbosa, 1923, pg. 59-60)
A ilha não continha manancial algum, e custava aos moradores o trabalho de irem todos os dias por água. Os viveres começaram a escacear, e os colonos se viram necessitados, para não morrerem á fome, de sustentarem-se da mandioca e outro mantiraento do paiz, a que não estavam habituados. A colônia vivia descontente. Neste comenos quiz Villegagnon obrigar a um Normando, grande lingua dos índios, a casar-se com uma gentia com quem estava em relações, segundo o uso adquirido no paiz onde havia tanto tempo residira. Tanto bastou para que esse homem se declarasse cabeça de motim contra o chefe. Este, descobrindo uma conspiração de uns vinte e seis indivíduos, mandou enforcar e estrangular o cabecilha, pôz dois em ferros; um dos quaes se afogou no mar. Aos mais perdoou, — naturalmente depois de lhes exigir juramento de fidelidade.” (Varnhagen, 1854, vol. I, pg. 231).
O intérprete pensou primeiro em veneno, mas um de seus cúmplices o demoveu disto. Ele quis, em seguida, por fogo na pólvora, que tinha sido depositada em um atelier provisório, acima do qual dormiam todos os Franceses: Mas “alguns não acharam isto bom, porque toda a mercadoria, móveis e jóias que nós tínhamos, teriam sido perdidos e ninguém ganharia nada com isto.” Os conjurados decidiram, enfim, a apunhalá-lo, ele e seu estado-maior, mas eles quiseram esperar, para a execução do crime, a partida dos navios para a França, pois eles temiam a afeição dos marinheiros por seu antigo chefe. Eles também decidiram golpeá-lo um domingo, a fim de aproveitar da segurança que oferecia o repouso deste dia.” (Gaffarel, 1878, pg. 197)
“O chefe da conspiração, o intérprete normando, foi bastante feliz conseguindo evitar a punição que merecia. Ele não estava na ilha quando a conspiração foi descoberta. Desde quando ele descobriu o deplorável desenvolvimento do seu projeto, temendo a legítima vingança de Villegaignon, ele se meteu dentro das florestas e arrastou consigo vinte e cinco de seus companheiros, aos quais ele persuade de lhe seguir e adotar os costumes Brasileiros, em vez de ceder à tirania do vice-almirante. Esta deserção em massa dos intérpretes normandos foi muito prejudicial aos nossos interesses: Ela nos privou da ajuda de homens habituados ao modo de viver e às maneiras dos Brasileiros, que compreendiam sua língua e nos serviam de intermediários. Alem do mais, estes intérpretes para explicar a sua conduta a seus compatriotas de adoção, lhes representaram Villegaignon e os colonos como dispostos a lhes sujeitar a mil trabalhos, a lhes explorar, em lhes tratar, em uma palavra, como os portugueses o faziam já. Estas calúnias caíram em um terreno já preparado, pois os Brasileiros já tinham do que se queixar contra o vice-almirante: assim elas tiveram seus frutos, afastando de nós as populações, com as quais tínhamos que ter relações [...] Mais ainda que as calúnias interessadas dos intérpretes normandos, o que nos tornou os Brasileiros hostis, foi que a doença, que sofreram os Franceses, tomou rapidamente o caráter de uma epidemia, e se abateu com uma violência extraordinária sobre a população indígena: [...] ou bem a disenteria proveniente das fadigas excessivas ou do amontoamento de tanta gente sobre um espaço tão pequeno. Alguns Brasileiros, seduzidos pelo apetite de ganho, continuaram a trabalhar no forte Coligny. A doença atacou principalmente a eles. Em alguns dias muitos deles morreram. Os outros fugiram assustados, mas eles portavam consigo os germes da doença, e mais de oitocentos de seus companheiros pereceram. Os intérpretes normandos não tiveram trabalho de lhes fazer crer que Villegagnon quis lhes punir por tê-lo abandonado, e que ele apenas foi o causador da morte de seus companheiros. Esta acusação foi tanto mais efetiva quanto foi mais absurda. Os Brasileiros furiosos quiseram se lançar contra os Franceses na ilha e massacrar os colonos. Os intérpretes tiveram que os acalmar após havê-los excitado, em lhes fazendo compreender que eles corriam para a morte certa, fulminados que eles seriam pela artilharia e armas de fogo. Os Brasileiros se renderam a estas razões, mas se prometeram de aproveitar a primeira ocasião para cair sobre os Franceses” (Gaffarel, 1878, pg. 199-201)
Villegagnon, para demonstrar sua boa vontade, criou o Conselho dos Notáveis, com 10 membros, igual ao de Genebra, no qual ele se limitava a moderar.
“De resto, nós nos livramos de uma tal preocupação [de um novo complô] pela vinda de nossos navios; porque ali eu encontrei pessoas, às quais eu não só não tive que fazer que me temam, mas aos quais eu podia confiar minha vida. Tendo tal conveniência em mão, eu escolhi dez de todo este grupo, aos quais eu entreguei o poder e autoridade para comandar. De forma que de agora em diante nada se faça sem o aviso do conselho, de tal forma que se eu ordenar algo que prejudique alguém, isto não terá nenhum efeito, se não for autorizado e ratificado pelo Conselho.” (Villegagnon, Lettre IV, 1556)
“Quanto ao governo civil, formou Villegagnon um Conselho, constituindo-o de dez pessoas das mais respeitaveis e cujo presidente era elle proprio. A este Conselho teriam que ser levadas todas as questões religiosas ou profanas, afim de serem pelo mesmo julgadas e dirimidas. (Crespin, 1564)
O comércio francês com a Baía de Guanabara, a esta altura, já se desenvolvia com regularidade. Os armadores franceses que até então hesitavam em vir comerciar na Baía de Guanabara, com medo dos portugueses, passaram a vir, confiando na proteção do Forte Coligny. Thevet relata que em meados de 1556 foi instalada uma colônia em terra firme, na região da atual praia do Flamengo, entre a foz do rio Carioca e o outeiro da Glória. Ela foi denominada de Henriville, em homenagem ao rei Henrique III de França, e foi erguida com os tijolos fabricados em uma olaria assinalada nas ilustrações da época como "briqueterie". As suas casas teriam destruídas pelo assalto português de 1560 e ali teriam viviam cerca de sessenta franceses, conforme carta de Villegagnon ao Duque de Guise. No entanto, a existência de um povoamento chamado "Henriville" não é confirmada por outras fontes: as crônicas portuguesas da época ignoram a povoação e Jean de Léry diz simplesmente que ela nunca existiu.
“A este respeito direi que não cesso de admirar a zombaria de André Thevet quando, dois annos após o seu regresso á França, para agradar ao rei Henrique II, mandou levantar a carta do rio Guanabara e do forte de Coligny, pintando ao lado, no continente, uma cidade a que chamou Ville Henri, o mesmo fazendo na sua Cosmographia. Ao deixarmos o Brasil, dezoito mezes depois de Thevet, não existia nenhum edificio, nem siquer casebres de aldeia no ponto onde elle forjou a cidade phantastica. E como Thevet se revela incerto até na denominação de tal cidade, que é Henriville na Cosmographia e Ville Henri na carta, conjecturo que tudo quanto elle disse não passa de phantasia, de modo que o leitor, sem erro, poderá escolher uma ou outra das cidades, visto que não passam ambas de pintura. Thevet, pois, escarneceu do principe, como Villegagnon escarneceu de Coligny ao dar seu nome ao forte. E para que Thevet não possa allegar o contrario, negando que o logar de sua cidade seja o da olaria (Briqueterie) no qual nossos operarios ergueram algumas choupanas, declaro que nesse sitio existe um monte a que os primeiros francezes, por alli accommodados, deram em homenagem ao rei o nome de Monte Henrique, da mesma forma que em nosso tempo a um outro denominamos Monte Corguillerai, em honra ao sobrenome do senhor Du Pont. Se entre uma cidade e um monte exite tanta differença como entre um sitio e uma igreja, certo que Thevet o ignorava.” (Léry, 1578, pg. 101-102)
“Posto que os Franceses não tinham nada em terra, for a uns casebres ao longo do Geneure [Janeiro] no lugar que eles chamavam La Briqueterie, e um monte com nome Henry, e outro Corguileri, do nome de seu chefe.” (La Popelinière, 1582, Livro III, pg. 8)
“Bom número de armadores, que até então tinham hesitado em tentar fortuna no Brasil, desde que eles souberam que, sob a proteção dos canhões do forte Coligny, eles podiam impunemente afrontar o ciúme ou a perseguição dos portugueses, se decidiram a enviar os seus navios à costa brasileira. […] A Baía de Guanabara tomou, neste momento, uma animação extraordinária. Uma pequena vila européia se eleva não longe do local ocupado hoje em dia pelo Rio de Janeiro. Ela era frequentada, sobretudo, por marinheiros vindos da Europa, que vinham lá fazer sua compra da madeira preciosa, e trocar suas mercadorias com os indígenas sob a proteção do forte. Thevet, cuja imaginação engrandece sempre a realidade, adorna esta vila com o título pomposo de cidade, e a chama, do nome do rei da França, Henryville. Certamente, Léry divertiu-se em levá-lo ao ridículo; mas, mesmo faltando uma capital regular, com suas ruas alinhadas e seus edifícios suntuosos, não deixa de estar provado, que nossos colonos se tornaram numerosos demais para morar todos na ilha dos Franceses, e que bom número entre eles se transportou ao continente, onde eles construíram cabanas em uma vila, que se teria transformado realmente em uma cidade, se nossa colônia tivesse durado mais tempo.” (Gaffarel, 1878, pg. 210-211)
Gaffarel supõe que, devido à hostilidade dos índios (causada pelos intérpretes normandos foragidos), à falta de água na ilha e ao grande número de vermes que infectavam os colonos, Villegagnon pretendeu mudar o local da colônia, enviando uma expedição de reconhecimento para Cabo Frio e outra para o Rio da Prata, mas estas não foram bem sucedidas. Para o Rio da Prata foram 18 franceses, inclusive Thevet; eles consideraram que as tribos da região não eram confiáveis, preferindo Villegagnon se manter no Rio de Janeiro. Além do mais, os tamoios, com o tempo, voltaram às boas relações com os franceses.
“Parece que em face da hostilidade dos intérpretes normandos e da desconfiança dos índios, Villegagnon pensou em transportar a colônia para outro lugar. [...] Além disto, a ilha dos Franceses não estava livre de inconvenientes. Ela não possuía água potável: estava-se obrigado a procurá-la no continente, para todos os usos domésticos, o que complicava o trabalho, e podia, em caso de ataque exterior, tornar-se uma causa de ruína. Além disto, os vermes se multiplicaram em proporções infinitas, e se tornaram um incômodo real. Não somente os homens estavam infectados por eles, mas, também, o pouco de provisões, que restava no armazém, estava comprometido. [...] Villegagnon resolveu, então, reconhecer o país e envia duas expedições de reconhecimento, a primeira para Cabo Frio e a segunda muito mais ao sul, até a região do Rio da Prata. Somente que, como nada ainda estava decidido, e que, até nova ordem, devia-se agir como se se devesse permanecer sempre sobre a ilha, ele ordenou de continuar os trabalhos, de cavar cisternas e de fazer um caça encarniçada aos animais roedores. A preucaução foi boa, pois os dois reconhecimentos não levaram a nada, e quando retornaram aqueles que foram encarregados delas, eles acharam construídas uma vasta cisterna que podia conter água para seis meses, e os ratos e outros animais daninhos tinham quase desaparecidos.” (Gaffarel, 1878, pg. 207)
Patentes as dificuldades de disciplina, crescia o descontentamento entre os colonos, muitos franceses tendo aproveitado a visita de navios mercantes, retornaram ao país. Um outro ponto de atrito foi a discordância de Villegagnon quanto à prática da antropofagia por seus aliados Tamoios. Villegagnon, após alguns meses, compreendendo a precariedade da sua posição e o ambiente de desagregação, solicitou ao rei francês Henrique II um efetivo de três a quatro mil soldados profissionais, centenas de mulheres para casarem aqui e operários especializados. No entanto, o rei da França estava impossibilitado de enviar os recursos requisitados por Villegagnon, por falta de meios à época. Entretanto, acirrando-se as lutas religiosas na França, tendo Coligny se convertido à Reforma Protestante, começou este a cogitar a França Antártica como um possível refúgio para os huguenotes. Coligny, então, solicitou, a Genebra, reduto Calvinista, que levasse um grupo de Calvinistas ao Brasil, a fim de estudar a possibilidade de para ali transferir milhares de protestantes perseguidos na França. Neste contexto, Villegagnon solicitou ajuda de Genebra. Era o único meio de salvar a colônia: usar a necessidade de segurança da igreja reformada francesa. A carta foi enviada nos navios que haviam voltado para a Europa. Sua carta não foi preservada em nenhuma das correspondências de Calvino ou nos arquivos do Cantão, mas Jean de Lery dá o seu conteúdo. A carta pedia à Igreja de Genebra que enviassem imediatamente para Villegagnon ministros da Palavra de Deus e com eles muitas pessoas bem instruídas na religião cristã a fim de reformá-lo e a seu povo e levar os selvagens ao conhecimento da sua salvação. Visto que a questão de missões já estava clara perante a Igreja de Genebra, depois de receber estas cartas e ouvir as notícias, a Igreja de Genebra em uma só voz deu graças a Deus pela extensão do Igreja em um país tão distante, tão diferente e entre uma nação inteira pagã.
Calvino estava em Frankfurt, Alemanha, neste momento, mas era informado de todas as coisas importantes que aconteciam em Genebra, sempre dando orientações. Não há dúvidas de que ele foi consultado a respeito da missão, porque os líderes levavam cartas dele para Villegagnon. Nicholas des Gallars, homem de confiança de Calvino, e depois, em 1557, pastor da congregação reformada da rua Saint-Jacques, em Paris, escreveu uma carta datada de 16 de setembro, informando a Calvino que o grupo havia partido de Genebra cheios de ardor, no dia 8 daquele mês. Jean Calvino e seus colegas alegremente escolheram para acompanhar os colonos os pastores Pierre Richier (50 anos) e Guillaume Chartier (30 anos), um jovem que ainda estudava teologia em Genebra. Os seus objetivos específicos eram implantar a fé reformada entre os franceses e evangelizar os indígenas. Com eles foram 11 recrutas para o trabalho, sendo quatro carpinteiros, um que trabalhava com couro, um ferreiro e um alfaiate. Os huguenotes que os acompanharam foram Pierre Bourdon, Matthieu Verneuil, Jean du Bordel, André Lafon, Nicolas Denis, Jean Gardien, Martin David, Nicolas Raviquet, Nicolas Carmeau, Jacques Rousseau e Jean de Léry, o cronista da viagem, que escreveria a obra Histoire d'un voyage faict en la terre du Brésil (1578). Lery era provavelmente um sapateiro, tendo aprendido esta profissão bem jovem, pois aos dezoito anos estava em Genebra, estudando teologia. Por época de sua viagem ao Brasil tinha 23 anos. Eram ao todo 14 pessoas. Os gastos correram por conta de Coligny e do próprio Villegagnon. O almirante Coligny também recebera uma carta com pedido de reforço, e então solicitou por carta que seu amigo Phillipe de Corguilleray, Senhor Du Pont, empreendesse esta viagem ao Brasil, liderando o grupo huguenote. O Senhor Du Pont morava em Bossy, perto de Genebra, e, mesmo em idade avançada, concordou em liderar a expedição. Nem mesmo os seus negócios pessoais e o amor que consagrava a seus filhos o demoveram de aceitar este encargo religioso.
“Este acontecimento tornou Villegagnon, por algum tempo, muito affeiçoado à Palavra de Deus, revelando-se elle, com effeito, assás zeloso e interessado em organizar, ali, uma Egreja, e exprimindo, a miudo, forte desejo de ter um ministro para doutrinar a sua família e catechizar a pobre gente do paiz, ignorante das coisas de Deus e das leis da civilidade e honestidade. Outrosim, freqüentes vezes lamentava a sua propria situação, em virtude de achar-se cercado de tão diminuto numero de pessoas dignas, por quem era confortado sempre em seus desgostos, o que lhe fazia pensar que a sua vida estaria muito mais segura entre gente virtuosa do que no meio de mercenários desprovidos de honra e de toda a moral. Apressou-se, pois, em appellar para os ministros da cidade de Genebra, fazendo-lhes sentir a imperiosa necessidade que tinha de evangelistas, por isso que fôra para lá com o unico fim de ouvir as leis e ordenações do Senhor. E, accrescentando que de longa data formava a respeito delles e da Egreja Reformada o mais favorável conceito, pedia-lhes, como a irmãos em crenças, não lhe negassem conselho, beneplacito e soccorro, pois deste modo participariam dos beneficios e da perduravel memoria que de tal concurso certamente adviriam. Sob promessa do melhor dos acolhimentos, tanto no decurso da viagem como no paiz, rogava-lhes que com um ou dois ministros lhe enviassem tambem gente de officios, casada ou celibataria, indifferentemente, e mesmo algumas mulheres e moças para povoarem a nova terra; porquanto, segundo as suas previsões, difficil se tornaria habitar essa região por outros meios. Ao receberem taes noticias, os pastores da Egreja de Genebra renderam graças a Deus, por abrir em paragens tão distantes uma porta à dilatação do reino de Jesus Christo. Diligentemente, pois, escolheram dois ministros para tão nobre e santa missão: Pierre Richier e Guillaume Chartier, aquelle de 50 e este de 30 annos, ambos muito versados na sã doutrina e de exemplarissima conducta; e, para com elles seguirem, foram chamados diversos operarios, dos quaes alguns eram casados. A conducção desta companhia foi confiada a Philippe de Corguilleray, cognominado du Pont, cavalheiro muito considerado e que residia muito perto da cidade de Genebra, o qual, comquanto a sua idade e estado de saude não lh’o permittissem, não vacillou, todavia, em realizar tal viagem. Nem mesmo os seus negocios pessoaes e o amor que consagrava aos seus filhos o demoveram de acceitar o encargo que o Senhor lhe impunha.” (Crespin, 1564)
Em seguida, logo que os navios ficaram a ponto de regressar, Villegagnon, sempre a fingir zelo christão, escreveu e mandou um emissario a Genebra, com pedido de ministros religiosos e mais pessoas capazes de o ajudarem na sua santa empreza. Recebidas as cartas e ouvido o emissario, a igreja de Genebra rendeu graças ao ceo pela dilatação do reino de Christo em paiz tão remoto, onde se ignorava o verdadeiro Deus. Depois, satisfazendo os pedidos de Villegagnon, o almirante Coligny solicitou por carta a Philipe Du Pont de Corguillerai, que fôra seu visinho em Chastillon-sur-Loing e passara a residir perto de Genebra, que emprehendesse a viagem chefiando os que desejassem auxiliar Villegagnon no Brasil, solicitação esta apoiada pela igreja de Genebra. Apesar de velho e dacuco, Du Pont pospoz negocios e familia ao desejo de cooperar na obra e accedeu ao pedido. Conquistado Du Pont, tratou-se de encontrar ministros da palavra de Deus entre os estudantes de theologia de Genebra, dois dos quaes, Pierre Richier, homem de cincoenta annos, e Guilherme Chartier, prometteram seguir se acaso a igreja os tivesse como aptos para a missão. Foram chamados ambos perante os ministros de Genebra e examinados sobre diversas passagens das Escripturas, obtendo autorisação para annunciarem o Evangelho na America. Faltava ainda reunir outros personagens instruidos em materia de fé, bem como artezãos praticos em varias artes, como o pedia Villegagnon, mas para não enganar ninguem Du Pont declarou o longo e fastiodoso da viagem, quasi cento e cincoenta leguas [990km] por terra e duas mil [13.200km] por mar, accrescentando que na America em vez de pão o alimento era a farinha duma raiz, e vinho não havia, e era a vida em tudo differente da do velho mundo. Deante desta perspectiva os convidados, mais amigos da theoria do que da pratica de taes cousas, e nada desejosos de mudar de clima, nem supportar as ondas do oceano, nem o calor da zona torrida, nem o frio do polo antarctivo, não quizeram embarcar em tal empreza. Todavia, depois de muitos convites e solicitações de todos os lados, se apresentaram para acompanhar a Du Pont, além de Richier e Chartier, Pierre Bordon, Matthieu Verneuil, Jean du Bordel, André Lafont, Nicolau Denis, Jean Gardien, Martin David, Nicolau Raviquet, Nicolau Carmeau, Jacques Rousseau e eu, Jean de Lery, que, tanto pela vontade de servir a Deus, como curioso de ver terras novas, me decidi a fazer parte da comitiva.” (Léry, 1578, pg. 4-8)
Eles partiram de Genebra no dia 10 de setembro de 1556, tendo um encontro com o almirante Coligny em Chatillon-Sur-Loing, que os estimulou a prosseguir na empresa. Depois de uma curta estadia em Paris, passaram a Rouen e depois a Honfleur, perto da Normandia, onde se lhes reuniram um grande grupo de huguenotes, recrutados através dos esforços do almirante Coligny. Alguns pensam que entre eles estava Jacques Le Balleur. O emissario de Villegagnon havia referido muitas coisas honrosas a respeito deste, dizendo que os operarios seriam muito bem remunerados, que as mulheres dos casados receberiam pensões e que a todos seria dado tudo o que necessário fosse à sua vida e manutenção, inclusive o direito de livremente regressarem a França, caso não se adaptassem à nova terra e não fossem recebidos, ali, segundo as promessas feitas em plena assembléia de Genebra. O comandante da expedição era o senhor de Bois-le-Comte, sobrinho de Villegagnon, que mandou aparelhar para a guerra, à custa do rei, três excelentes navios novos e bem artilhados, com víveres e outras coisas necessárias à viagem, embarcando a 19 de novembro. A frota levava cerca de 290 pessoas. Bois-le-Comte, que foi eleito vice-almirante, ia a bordo do “Petite Roberge” com cerca de 80 pessoas entre soldados e marujos. Os outros navios eram o “Grande Roberge”, no qual iam 120 pessoas; no terceiro barco, que se chamava “Roseé”, iam quase noventa pessoas, inclusive seis meninos, que foram levados para que aprendessem a língua dos nativos, e cinco moças com uma governanta para se casarem no Brasil. Estas foram as primeiras mulheres francesas enviadas ao Brasil.
“Em passando pela França com destino a Honfleur, porto de mar da Normandia, onde os navios a esperavam, espalhou-se logo a noticia da presença da comitiva e muitos enthusiastas se decidiram associar-se a ella, tendo-se, por occasião do embarque, apresentado grande numero de pessoas de Paris e da Normandia, das quaes só algumas foram admittidas, pois os navios não comportavam todas – tal o renome desta expedição largamente annunciada. Iamo-nos esquecendo de assignalar que o emissario de Villegagnon havia referido muitas coisas honrosas a respeito deste, dizendo que os operarios seriam muito bem remunerados, que as mulheres dos casados receberiam pensões e que a todos seria dado tudo o que necessario fosse à sua vida e manutenção, inclusive o direito de livremente regressarem a França, caso não se adaptassem à nova terra e não fossem recebidos, ali, segundo as promessas feitas em plena assembléa de Genebra. Chegados a Honfleur, logar de seu embarque, foram acolhidos com muita cordialidade por aquel-les que estavam encarregados da sua recepção e os quaes, como era de esperar, lhes reiteraram as mesmas promessas. No momento da partida cada qual se installou no navio que lhe fôra designado pelo chefe da navegação, pois seria impossível alojal-os todos num só, sem graves inconvenientes. (Crespin, 1564)
“Eramos quatorze e partimos de Genebra a 16 de setembro de 1556. Fomos a Chastillon, onde o senhor almirante nos encorajou a prosseguir na empreza, promettendo-nos coadjuvar pelo lado da marinha e acenando-nos com a esperança de que Deus nos concederia a graça de colhermos o fructo do nosso trabalho. D'alli fomos a Paris, onde varias pessoas, advertidas do motivo da viagem, se reuniram á nossa comitiva. De Paris seguimos para Ruão e de lá para Honfleur, porto da Normandia que nos fôra assignalado; e alli fizemos os nossos preparativos emquanto se aprestavam os navios, o que levou um mez. O senhor Bois-le-Comte, sobrinho de Villegagnon, viera a Honfleur antes de nós e mandara á custa do rei apparelhar em guerra tres excellentes navios, nos quaes embarcamos a 19 de novembro. Le-Comte, eleito nosso vice-almirante, ia a bordo da Petite Roberge com oitenta homens entre maruja e soldados. Embarquei na Grande Roberge, com mais cento e vinte homens, tendo por capitão a Espine, senhor de Santa Maria, e por mestre a um tal Jean Humbert, de Honfleur, experimentado piloto como o demonstrou no decurso da viagem. O outro barco chamava-se Rosée, do nome de quem o conduzia, e levava noventa pessoas, inclusive cinco rapazes destinados a aprender a lingua dos selvagens e cinco raparigas, as quaes foram as primeiras francezas vindas ao Brasil, onde se tornaram objecto de espanto para os selvagens. A partida realisou-se ao meio dia, ao som das salvas, trombetas e tambores que costumam saudar os navios de guerra nessas ocasiões. A uma legua [6,6km] além do Havre de Grace ancoramos na enseada de Caulx, onde é costume dos navegadores uma ultima revista aos marinheiros e soldados antes de se abrirem ao mar. No momento de largar, á tarde, quebou-se a amarra ao navio em que eu vinha e houve muita difficuldade em suspender a ancora, trabalho que nos atrazou a partida de um dia.” (Léry, 1576. pg. 8-11)
d) Ano de 1557: Chegada dos Huguenotes ao Rio de Janeiro. Conflito religioso
Como de costume, a viagem foi muito penosa, marcada, de resto, pela indisciplina a bordo. Sem poderem abastecer-se nas Ilhas Canárias, para obter água e provisões, racionados durante a viagem, necessitaram, mesmo contra a opinião dos huguenotes, abordar e pilhar dois navios mercantes ingleses (França estava em guerra com a Inglaterra e Espanha), um navio irlandês (no Cabo São Vicente, em 5/12/1556), uma caravela portuguesa e uma espanhola (25/12/1556, a caravela espanhola foi anexada à esquadra e rebocada para o Brasil e os marinheiros portugueses e espanhóis foram abanonados na nave portuguesa, sem água, víveres ou velas). Em 26/12/1556 eles abordam outro navio português, mas não o pilham. Em 29/12/1556 uma nave espanhola é parcialmente pilhada. Em 26 de fevereiro eles atingem o Brasil próximo ao monte Huassou (provavelmente entre os Rios Mucuri e Doce, ES), mas por ser região habitada por índios Temiminós, hostis aos franceses, estes não se demoram nestas paragens. No domingo 27 de fevereiro, eles passam próximo ao forte português Espírito Santo (próximo a Vitória, ES), com o qual trocam, ao longe, alguns tiros. Passam em seguida por Tapemiry (Itapemirim, ES), a região dos índios Onetacas (Goitacazes, Campos, RJ), chegandona noite de 01 de março em Maqhué (Macaé, RJ). Na quarta-feira 02 de março eles partem para cabo Frio, mas uma tempestade, joga-os, de novo, nas Ilhas de Maqhué (Ilhas Santa Ana e Papagaio), onde o navio Petite Robergé quase afunda. Em 3 de março, eles chegam em Cabo Frio, de onde partem logo para a Baía de Guanabara. No domingo 7 de março de 1557, os viajantes finalmente entraram na baía de Guanabara.
“Zarparam logo do porto de Honfleur e, enfunadas as velas, deixaram em breve as terras da Europa e aproximaram-se das ilhas Afortunadas, limitrophes da, Africa, onde – fosse pelo grande numero de pessoas ou fosse por furto praticado pelas guarnições – tiveram inicio as torturas dos passageiros pela espantosa reducção de alimento, como si, acaso, estivessem no mar ha dez mezes, occasionando este facto varios motins no decurso da viagem. A’s reclamações os marinheiros respondiam sem rebuços que eram constrangidos a proceder deste modo em consequencia da falta de viveres; e, quando os ministros lhes censuravam o mal e a injuria feita aos armadores, despojando-os de seus bens e mesmo de seus navios, o que seria horroroso pormenorizar, maltratavam-nos igualmente, calumniando-os da maneira a mais vil e replicándo-lhes que assim lhes fôra ordenado por Villegagnon, por quem elles, marinheiros, se sentiam apoiados. A’ vista disso os ministros acharam prudente remetter-se ao silencio, e os que dahi em diante ousavam reclamar particularmente eram cobertos de irrisão e ludibriados. Abster-nos-emos de falar do mal praticado contra os Inglezes, dos quaes roubaram dinheiro e mercadorias e com quem estavamos, então, de paz jurada ; nem da sua pirataria exercida contra Hespanhoes e Portuguezes, cujos navios e cargas foram tomados à força e cujas equipagens – oh! crueldade inaudita! – foram encerradas em um navio, sem provisões, sem velas, sem botes, e deixadas, assim, ao abandono, em pleno oceano, à mercê das ondas, no maior e no mais cruciante dos infortúnios [...] Nada mais encontrando para saque, prosseguiram em sua rota em direcção ao Brasil, tendo suportado na zona torrida calor intensissimo e outros incommodos. Após quatro mezes completos de permanencia no mar e extenuados por tão longa reclusão, transpuseram finalmente a barra de Coligny, na America Austral, e parte do Brasil situada como ficou atraz mencionado, encontrando lá a Villegagnon em uma ilha fortificada de ambos os lados com peças de artilharia – ilha tão deserta e desprovida de recursos que não haveria ninguem capaz de adaptal-a a um logar de habitação.” (Crespin, 1564)
“Foi no dia vinte, pois, que meu barco deixou a enseada e penetrou no oceano, limitado no horizonte pela costa da Inglaterra que iamos deixando á esquerda; em seguida tivemos doze dias de mar agitadissimo, que muito nos assustou, além do mal do enjôo com que nos torturava. Os que não tinhamos ainda experimentado tal dansa, vendo o mar tão grosso, pensavamos, a cada embate mais forte, que era o fim. [...] Assim inquietados navegamos difficilmente até que no decimo terceiro dia Deus aplacou a furia das ondas. No domingo seguinte encontramos dois navios mercantes de Inglaterra, vindos da Hespanha; nossos marinheiros os abordaram e, como havia o que pilhar, por pouco que os não saquearam. Estavamos bem artilhados e municiados; isso nos tornava arrogantes quando se nos deparavam navios mais fracos, incapazes de se defenderem. [...] É verdade que os senhores marinheiros allegam, quando fazem arriar as velas a miseros navios mercantes, que o andarem muito tempo sem tomar porto, em virtude de tempestades e calmarias, justifica a requisição dos viveres em transito, mediante pagamento. Se, porém, sem este pretexto podem deitar mão em navio mais fraco, não pergunteis se o vão impedir de sossobrar; descarregam-no de tudo que lhes appetece, e se por ventura alguem os adverte (como o faziamos) de que nenhuma ordem existe que os autorise a assim saquearem amigos e inimigos, respondem com o estribilho da guerra e que portanto desempenha seu officio quem segue os estylos. Direi ainda que os hespanhóes e portuguezes, gabando-se de serem os primeiro descobridores do Brasil e mais terras que vão do estreito de Magalhães, a 50 gráos do polo antarctico, até ao Perú e ainda aquem do equador, sustentam ser donos de taes terras e os francezes que as abordam usurpadores; e, por isso, se os encontram no mar e contam com vantagem, lhes fazem tal guerra que chegam a esfolal-os vivos. Os francezes, do seu lado, sustentam que têem parte nesses paizes novos e não cedem nem a portuguezes, nem a hespanhóes, antes se defendem valentemente e muitas vezes dão troco ás crueldades; taes inimigos não ousariam atacal-os se não se considerassem mais fortes e senhores de maior numero de navios. Voltando á nossa viagem direi que o mar continuou empolado e por sete dias esteve tão rude que vi muitas vezes os vagalhões se altearem ácima do convés e varrerem-no, o que nos levava a resar o psalmo 107 emquanto, desfallecidos, cambaleavamos como ebrios, não havendo marinheiro, por mais veterano que fosse, capaz de conservar-se de pé. [...] Depois que amainou a tempestade sobreveio vento galerno, que nos levou aos mares de Hespanha e, no quinto dia de dezembro, á altura do cabo de S. Vicente. Ahi encontramos um navio de Irlanda ao qual os nossos, sob pretexto de falta de viveres, tomaram seis ou sete pipas de vinho de Hespanha, além de figos, laranjas e mais cousas. Sete dias depois passavamos pelas ilhas Afortunadas, em numero de sete e todas habitadas por hespanhoes. [...] Ahi paramos, e vinte dos nossos metteram-se em bateis armados de falconetes, mosquetes e outras armas para ir prear numa das ilhas; mas os hespanhoes os presentiram e repulsaram. Todavia os bateis voltaram, voltearam e tanto fizeram que uma caravela de pescadores lhes cahiu nas unhas; seus tripulantes fugiram para terra e os nossos se apossaram de grande quantidade de lixa secca, e tudo quanto acharam, inclusive velas e bussolas. E não podendo fazer maior mal aos hespanhoes, metteram a pique, a golpes de machado, uma basca e um batel que estavam proximos. Durante os tres dias em que nos detivemos nestas ilhas, apanhamos, com redes e anzoes, tal quantidade de peixe que, depois de o comermos á farta, fomos obrigados a lançar fóra o resto, visto não termos agua doce em abundancia para saciar a sêde. [...] Na quarta-feira pela manhã, 16 de dezembro, o mar agitou-se de repente e as vagas encheram tão depressa a barca que sahira a prear e dicara amarrada ao nosso navio, que a perdemos; a muito custo, lançando cabos ao mar, foi-nos possivel recolher os dois homens que nella tinham ficado de guarda. Durante essa tempestade, que durou quatro dias, o nosso cozinheiro puzera pela manhã toucinho numa celha com agua para desalgar; veio uma rabanada de onda e lançou a celha ao mar, á distancia de um tiro de dardo; outra vaga, porém, vinda em sentido contrario, trouxe outra vez a celha para o convez, sem que no ir e vir se entornasse o conteudo - o que nos restituiu o jantar que havia ido por agua abaixo... No dia 18, quinta-feira, avistamos a Gran-Canaria, da qual nos appoximamos no domingo para refrescar; um vento contrario, entretanto, impediu-nos de pôr pé em terra. [...] Nesse mesmo dia appareceu-nos a sota-vento uma caravela portugueza, a qual, vendo que não podia fugir nem resistir-nos, arriou as velas e veio entregar-se ao nosso vice-almirante. Nossos chefes, que tinham entre si combinado arranjarem-se com um navio que esperavam tomar a portuguezes ou hespanhoes, apressaram-se em metter gente nelle para melhor se assegurarem na sua posse. Todavia, por consideração para com o capitão da presa, disseram-lhe que se elle pudesse apresar por alli uma terceira, lhe restituiriam a sua caravela. O capitão acceitou a proposta e pediu uma das nossas chalupas armada de moquetes e com vinte homens, á qual acabou de guarnecer com gente sua, e, como verdadeiro pirata que me pareceu, velejou á frente dos nossos navios afim de melhormente dar caça á victima sem ser descoberto. Estavamos a costear a Berberia dos mouros, á distancia de umas duas legoas. [...] Iamos velejando, com os nossos piratas á frente, quando a 25, dia de Natal, se lhes deparou uma caravela hespanhola. Deram-lhe em cima, de mosquete, ferraram-na e nol-a trouxeram presa. Os nossos capitães tomaram posse dessa bonita embarcação carregada de sal e a trouxeram para o Brasil, ás ordens de Villegagnon. Foi cumprida a promessa da restituição aos portuguezes do seu barco; mas os nossos metteram nelle tambem os hespanhoes esbulhados e com grande cueldade deixaram essa pobre gente ao léo, sem um pedaço de biscoito, nem viveres de qualquer especie; ainda mais: rasgaram-lhe as velas de modo que não poderiam approximar-se de terra, nem desembarcar. Creio eu que bem mais humano fôra apunhalal-os de vez do que deixal-os em tal estado. Com effeito, assim á mercê das ondas, se algum barco os não soccorreu, com certeza morreram de fome. Depois de praticada tão barbara proeza, com grande dor de muitos de nós, fomos impellidos por vento propicio e penetramos no mar alto. Mais duas caravelas foram apresadas no dia seguinte sem a menor resistencia. A primeira era portugueza e embora nossos marinheiros, sobretudo os que vinham na caravela hespanhola, tivessem grande empenho em saqueal-a, allegando uns tiros de falconete que a victima desfechara por ocasião do encontro, nossos capitães, depois de se entenderem com os portuguezes, deixaram-na ir sem maior damno. A outra era de um hespanhol, ao qual os nossos tomaram vinho, biscoitos e mais victualhas, inclusive uma gallinha. Foi o que mais sentiu, porque, dizia elle, ainda sob os maiores tormentos não deixava nunca essa boa gallinha de lhe dar todos os dias um ovo fresco. No domingo seguinte o homem de vigia no alto do nosso mastro grande gritou como de costume: - Vela! Vela! Eram desta vez cinco navios grandes, o que fez nossa maruja romper em canticos de triumpho; mas como iam muito longe e o vento nos não favorecia, de passo que a elles ajudava grandemente na fuga, foi-nos impossivel alcançal-os apezar da violencia feita pelos nossos marinheiros, que armaram todas as velas com grande perigo de adernar. Para que ninguem se espante do que digo aqui, disto de todos fugirem ou amainarem velas diante de nós, que eramos apenas tres navios embora bem artilhados (só o em que vinha trazia dezoito canhões de bronze e mais de trinta falconetes e mosquetes de ferro), explicarei que os nossos capitães, mestres, soldados e marujos eram na maior parte normandos, gente tão ousada no mar como a que mais o seja, e todos resolvidos nesta jornada a combater e destroçar todo o poder naval dos portuguezes, se o encontrasse. Desde então tivemos mar liso e vento tão bonançoso que nos vimos impellidos a tres ou quatro gráos aquem do equador.(Léry, 1578, pg. 11-25)
“Voltando á nossa viagem direi que a tres ou quatro gráos aquem da linha equinoxial nos faltou o vento e em vez delle tivemos chuvas e calmarias a difficultarem-nos a navegação. Devido á inconstancia dos ventos que sopravam simultaneamente, nossos tres navios, apezar de velejarem mui proximos uns dos outros, não podiam seguir rota uniforme, sendo cada qual impellido para rumo diverso, ás vezes em triangulo, um para norte, outro para leste, outro para oeste. Verdade é que isso não durava muito, pois de subito se levantavam tufões ( a que os marinheiros normandos chamam grains ) e vinham sobre nossas velas com tal violencia que maravilhava não revirarem os navios ás avessas. Além do mais, é a chuva nesta zona fetida e molesta: levanta pustulas e empolas nas carnes, e mancha e estraga a roupa. O sol é ardentissimo, e sobre o forte calor que padeciamos ha que pôr a escassez d'agua doce, só distribuida nas duas parcas refeições diarias. Eramos pois, cruelmente experimentados pela sêde, e quanto a mim posso dizer que certa vez perdi a fala por mais de uma hora e quasi perdi o folego. […] Para cumulo da nossa afflicção na zona ardente, as grandes e continuas chuvas levaram agua aos paióes de bocca, estragando-nos e mofando-nos a bolacha; já tão pouca era e tinhamos de comel-a podre, sem esperdiçar nem os vermes, que entravam por metade; faziamos de tudo migas ou bolas, e era comer para não morrer. Nossa agua doce corrompera-se tanto, e acoitava tanto bicho, que repugnava ao mais corajoso, ninguem podendo tragal-a sem tapar o nariz. […] Taes e tantas difficuldades, filhas da zona torrida, levam muitas vezes os navegantes, depois de consumidos todos os viveres, a tornarem para traz sem que transponham o equador. A nós quasi isso aconteceu; depois de tanta miseria já relatada, bordejamos durante sete semanas nas visinhanças dessa linha sem conseguir transpol-a. Afinal, graças á misericordia divina movida aos nossos rogos, sobreveio vento nordeste e passamol-a a 4 de fevereiro. […] Passada a linha singramos sem interrupção, com bom vento nordeste, até quatro gráos além della […] Ao chegarmos ao gráo 12 tivemos tormenta por tres ou quatro dias; em seguida, mar tão calmo que os barcos pareciam fixos n'agua. […] Tivemos depois favoravel vento oeste, o qual permaneceu tão constante que a 26 de fevereiro de 1557, ás 8 horas da manhã, avistamos a India Occidental, ou terra do Brasil […] Não é preciso dizer do muito que tal nos alegrou e das graças que rendemos a Deus. Aquelles cinco mezes a fluctuar no oceano sem ver porto, impunha-nos a sensação d'um exilio d'onde não havia sahir. E, pois, logo que nos firmámos em que era continente o que viamos, e não nuvens, como varias vezes aconteceu, aproámos para terra, nosso almirante á frente, e no mesmo dia ancorámos a meia legua [3,5km] do logar montanhoso chamado pelos selvagens Huuassou. Desceu á agua um escaler e, conforme o costume de quem chega a esse paiz, disparamos alguns tiros de peça para advertir os habitantes. Sem demora vimos reunirem-se na praia homens e mulheres em grande numero. Nenhum dos nossos marinheiros, já viajados, reconheceu o sitio; soubemos entretanto que os selvagens eram maracajás, nação amiga dos portuguezes e por consequencia inimiga dos francezes, aos quaes, se pudessem, espostejariam e devorariam. Não obstante a inimizade entre maracajás e francezes, muito bem dissimulada de parte a parte, nosso mestre, que lhes conhecia a lingua, metteu-se num escaler com varios companheiros e dirigiu-se á praia cheia de indios. Não se fiava nelles senão com muitas cautellas, sempre receioso de ser agarrado e moqueado; por isso não se approximou de terra tanto que incidisse no alcance de suas flechas. E assim de longe lhes acenou com bugiarias - espelhos, facas, pentes, pedindo em troca viveres. Os indios mais proximos ouviram a proposta e apressaram-se em vir ao encontro dos nossos. Dest'arte o contra-mestre obteve farinha fabricada de certa raiz, que os da terra usam em vez de pão, além de carne de javardo, fructas e mais coisas. Seis indios e uma mulher não vacillaram em embarcar no escaler para virem ver o navio e dar-nos as boas vindas. […] Antes de se separarem de nós, os homens, e sobretudo dois velhos que pareciam notaveis da freguezia ( como dizemos cá ) , affirmaram que em suas terras havia o melhor pau-brasil da America, e prometteram ajudar-nos a cortal-o e carregal-o. Eram inimigos, porém, e isso nos pareceu astucia para nos levar á terra, onde facil lhes seria desbaratar-nos e devorar-nos; e como além disso nosso destino não era aquelle sitio, não nos detivemos alli. Assim, depois que os maracajás com grandes mostras de espanto viram nossas peças e o mais do navio, por consideração para com outros francezes que acaso lhes cahissem nas unhas não os molestamos nem os retivemos; e pedindo elles regresso á praia, cuidamos de pagar os viveres que nos trouxeram. Não usam moeda e pois o pagamento foi feito com camisas, facas, anzoes, espelhos e outras veniagas proprias de traficar com indios. […] Depois de refrescarmos nessas paragens, não obstante o ruim que nos pareceram as viandas, comtudo as comemos, attenta á necessidade, e no dia seguinte, um domingo, levantamos ancora e démos á vela. Costeando no rumo que tinhamos em mira, a nove ou dez leguas [59-66km] d'alli deparou-se-nos um fortim portuguez, de nome Espirito-Santo (para os selvagens Moab). Este forte reconheceu-nos, e á caravela aprisionada que traziamos ( suppondo-a tomada aos seus) , e mandou-nos tres tiros de peça, aos quaes respondemos com quatro. Como, porém, estavamos mutuamente fóra do alcance dos respectivos canhões, não houve offensa de parte a parte. Perseguimos em nossa rota, sempre costeando, e passámos por um logar dicto Tapemiry [Itapemirim], onde ha pequenas ilhas que me pareceram habitadas por indios amigos. Pouco adiante, aos 20 gráos, é a terra dos indios parahybas, assignalada por montanhas ponteagudas com forma de chaminé. No dia primeiro de março alcançamos uma terra de pequenos baixios, isto é, de restingas salpicadas de rochedos que entram pelo mar, muito evitados dos navegantes, que passam de largo cautelosamente. Desse ponto avistamos uma terra, plana na extensão de quinze leguas [100km], occupada pelos goitacazes, indios ferocissimos que vivem de guerra aberta não só contra as outra nações mas ainda contra todos os estrangeiros d'além mar. […] Não teem nem querem trato com francezes, nem hespanhoes, nem portuguezes, nem qualquer outra gente transatlantica, e porisso ignoram em que consistem as nossas mercadorias. […] Depois que costeamos toda a terra dos goitacazes, entramos á vista da região chamada de Macahé, onde habitam outros indios. Vê-se lá uma grande rocha erguida a beira do mar, tão scintillante á luz do sol que alguns a suppõem uma especie de esmeralda; e, com effeito, tanto os francezes como os portuguezes que por alli viajam a denominam Esmeralda de Macahé. Dizem que uma infinidade de abrolhos pontudos a rodeiam, avançando duas leguas [13km] mar a dentro, o que impede a approximação poresse lado; tambem a consideram inaccessivel pelo lado do continente. Fundeamos junto de tres pequenas ilhas, dictas de Macahé, e passamos lá a noite; contavamos no dia seguinte chegar a Cabo Frio e velejamos para lá; o vento, porém, mudou e fomos obrigados a arribar ás ilhas, onde ficamos até quinta-feira - e por pouco até o dia do Juizo. Na vespera, 2 de março, o primeiro dia da quaresma, depois de o terem os marujos festejado como de costume, succedeu desencadear-se, alli pelas onze horas da noite, tão rude temporal, que nos rompeu as amarras, deixando o navio entregue ao capricho das ondas. E começou elle a ser impellido para a praia. O mestre e o piloto iam sondando o fundo á medida que o barco se approximava da areia. Quando viram que havia lodo a duas braças e meia [5,5m], perderam as esperanças, exclamando: - Estamos perdidos! Graças, todavia, á deligencia dos nossos marinheiros, outra ancora foi lançada e quiz Deus que segurasse; isto evitou o sermos levados sobre os rochedos das ilhas, com perda irremessivel do navio. Este angustioso transe durou quasi tres horas, durante as quaes de nada servira gritar - A bombordo! A estibordo! Segura leme! Mette de ló! Ala a bobina! Larga a escota! Isto são manobras para alto mar, onde as tormentas são menos de receiar que perto das costas. Pela manhã, cessado o temporal, alguns dos nosso foram a uma das ilhas em busca de agua fresca e acharam-na toda coberta de ovos e aves de varias especies, differentes das que temos, e tão mansas, por não estarem acostumadas a ver gente, que se deixavam apanhar á mão ou matar a pau, o que permittiu aos nossos homens trazerem-nas em grande numero para o navio. E apesar de ser dia de quaresma, a maruja as comeu, vencida pelo appetite aggravado em razão dos trabalhos da noite. […] Na quinta-feira em que deixamos estas ilhas o vento mostrou-se tão favoravel que no dia immediato, alli pelas quatro da tarde, alcançamos Cabo Frio, enseada e porto dos mais conhecidos entre os navegadores francezes. Depois de fundeados os navios e dados os tiros de signal, o capitão do nosso, seguido do mestre e mais alguns homens, desembarcou. Estava já reunidos na praia os nossos alliados tupinambás, os quaes nos receberam de muito boa sombra, dando logo noticias de Paycolas, que é como chamavam a Nicolau de Villegagnon. Em seguida cuidamos de pescar com as redes e anzoes que traziamos, e colhemos boa quantidade de peixes de variadas especies, todas differentes das nossas. […] Ora, estando nós a cerca de trinta milhas [48m] do ponto a que pretendiamos chegar, não havia interesse em demorar-nos em Cabo Frio.(Léry, 1578, pg. 35-60)
O desembarque no forte Coligny deu-se no dia 10 de março, uma quarta-feira. Todos se juntaram na praia, a render graças a Deus, por tê-los protegido durante a viagem. Embora decepcionado com o modesto reforço, Villegagnon acolheu afavelmente os recém-chegados. Os pastores apresentaram suas credenciais e as cartas de Jean Calvino. Villegagnon disse que sua intenção era criar aqui um refúgio para os fiéis perseguidos na França, na Espanha ou em qualquer outro país além-mar. Ainda no dia 10, reunidos todos em uma pequena sala no centro da ilha, foi realizado um culto de ação de graças, oficiado por Richier, o primeiro culto protestante ocorrido nas Américas.
“Leitor cristão, sabendo mestre Jean Calvin que eu tinha ido ao Brasil, com a intenção de lá plantar a palavra de Deus, em razão de nosso antiga amizade, me envia, tanto em seu nome, como da cidade de Genevra, alguns ministros da sua doutrina, os mais sábios que se puderam encontrar, juntamente com alguns artesãos, os quais vieram munidos de todos os livros do dito Calvin e de outros que eles sabiam que eram convenientes. Ao passar por Paris, alguns se uniram a eles, e entre eles um jacobino, nomeado Jean Cointac, homem de entendimento rápido e versátil. Quando eles chegaram, ornaram-se de um título muito bonito. Eles se nomeavam a Igreja Reformada. Por meio da qual foram por mim recebidos o mais humanamente que foi possível, cuidando que eles me seriam úteis ao meu empreendimento; tendo se postos a fazer seu ofício, eu descobri que eles haviam ursupado um título por outro […]” (Villegagnon, 1560, Lettre VII)
“Porisso, na tarde desse mesmo dia, desfraldamos as velas com tanta vantagem que no domingo, sete de março, deixando o alto mar á esquerda, penetramos no braço de mar, ou rio de agua salgada, chamada rio de Janeiro pelos portuguezes em vista de o terem descoberto no primeiro dia de janeiro. Conforme já disse no começo, encontramos Villegagnon residindo numa pequena ilha alli situada. Saudamol-o á distancia de um quarto de legua [1,5km] e fomos correspondidos; em seguida lançamos ancora. Depois que nossos navios ancoraram, cada um de nós arrumou nos escaleres a sua bagagem e fomos desembarcar no forte de Coligny. E, porque nos viamos livres dos perigos que tantas vezes nos cercaram no mar, a primeira coisa que fizemos foi, todos juntos, rendermos graças a Deus. Em seguida nos dirigimos ao encontro de Villegagnon, que nos esperava em logar conveniente e a todos nos abraçou com semblante risonho e muito boa sombra. O senhor Du Pont, apoiado por Richier e Chartier, declarou a causa principal que nos movera áquella viagem, e como passaramos o mar com tantos perigos para virmos ter com elle e alli erigirmos nossa igreja reformada, concorde com a palavra de Deus. Villegagnon respondeu que, quanto a elle, de ha muito e de coração desejava tal coisa, e pois nos recebia de mui boa vontade, com votos para que a nova igreja adquirisse fama de ser a mais bem reformada de todas. […] Quero fazer aqui um refugio para os fieis perseguidos em França, Hespanha ou qualquer outro paiz, afim de que, sem temor de reis e potentados, possam servir a Deus com pureza, conforme sua vontade. Conclusa a oração, mandou reunir toda a gente em uma pequena sala, sita no meio da ilha; o ministro Pierre Richier invocou a Deus, cantou o psalmo quinto e […] fez a primeira predica da America no forte de Coligny. […] Por fim, acabadas as preces solennes, conformes ao ritual da igreja reformada de França, e marcado para ellas um dia da semana, todos se dispersaram.” (Léry, 1578, pg. 60-64)
“Chegados ao anhelado porto de Coligny, desembarcàram a 7 de março de 1557, tendo sido recebidos por Villegagnon e os demais com grandes demonstrações de regosijo, pelo concurso efficaz que lhes iam prestar. Foram dadas salvas, accesas fogueiras e não foram poupadas outras coisas de uso em momentos festivos. Os ministros apresentaram as suas credenciaes assignadas por J. Calvin e que, outrosim, davam testemunho a respeito dos outros da companhia. Villegagnon, após ter lido as cartas, regosijou-se e ficou sobremodo satisfeito com saber que tanta gente honesta e virtuosa tomára a suá empreza em alta consideraçào e estima. Declarou lhes então abertamente o que o induzira a abandonar os prazeres e delicias da França para viver de privações em um paiz onde, nos annos precedentes, estivera tão mal acompanhado, circumstancia que o levára a supplicar o favor e a coadjuvação dos pastores de Genebra. E como tal concurso não lhe fôra recusado, como era patente de tão grande numero de pessoas enviadas, sentia-se por isso mesmo ainda mais obrigado para com os de Genebra, de quem esperava a continuação de seu auxilio, dada a boa vontade que haviam manifestado desde o principio, o que agradecia com muito affecto. Aos ministros e seus companheiros pedio estabelecessem o regulamento e a disciplina da Egreja, segundo a fórma da de Genebra, à qual elle promettera, em plena assembléa, submetter-se e bem assim toda a sua companhia.” (Crespin, 1564)
Após o culto, os huguenotes tiveram sua primeira refeição brasileira; logo após o jantar, Villegagnon pôs os protestantes a trabalhar na construção do forte, durante muitos dias. Eles tiveram que dormir em redes, à maneira indígena.
“Os recem-chegados ficaram e jantaram esse dia na sala da predica; a refeição constou de farinha de raiz e peixe moqueado, isto é, assado á moda dos selvagens; tivemos tambem raizes assadas no borralho, e por bebida, como na ilhota não houvesse fontes, uma agua de cisterna, ou antes do exgotto que recolhia a agua das chuvas e nol-a apresentava esverdinhenta, suja como a de um charco de rãs. Apezar disso inda a achamos boa, em comparação da que beberamos em viagem. Como sobremesa, propria para nos refazer dos trabalhos do mar, mandaram-nos carregar pedras e terra para as obras do forte. Foi este o tratamento que nos deu Nicolau de Villegagnon desde o primeiro dia da nossa chegada. Além disso, á noite, quando chegou a hora de cuidar dos aposentos, o senhor Du Pont e os dois ministros foram alojados em uma camara igual á do meio da ilha, e nós outros num casebre coberto de palha que um selvagem escravo de Villegagnon construira a seu modo, á borda do mar. Nelle amarramos nossos lençóes, ao systema da America, para dormirmos em suspenso no ar. Assim, logo de chegada e sem necessidade nenhuma, e sem nenhuma attenção ao nosso estado de debilidade, nem ao calor que faz neste paiz, nem á parcimonia da alimentação composta de duas medidas de farinha de raiz ( que comiamos ou secca ou em papa feita com a agua suja da cisterna ) , obrigou-nos a carregar terra e pedras para o seu fortim, desde a madrugada até a noite, tratamento um pouco mais rude do que era de esperar do pae que nos annunciara que seria. Apesr disso, tanto pelo desejo que tinhamos de ver concluidas as obras do refugio que elle dizia pretender crear para os perseguidos, como ainda porque o nosso mestre, Pierre Richier, ministro mais velho, affirmava que tinhamos achado em Villegagnon um novo S. Paulo ( e realmente nunca ouvi ninguem pregar a reforma christã melhor que elle ) , não houve entre nós quem com alegria não trabalhasse ácima das proprias forças naquelles serviços a que não estavamos affeitos. Posso hoje affirmar que Villegagnon injustamente se queixa, pois que tirou de nós o maximo esforço enquanto serviu á religião reformada.” (Léry, 1578, pg. 64-66)
“Os officiaes de profissões diversas applicaram-se desde logo, com o maximo enthusiasmo, ás obras da fortificação da ilha, trabalhando mesmo como serventes, circumstancia a que não ligaram a menor importancia tal a confiança que depositavam nas promessas de Villegagnon.” (Crespin, 1564)
Villegagnon e os ministros de Genebra concordaram que seriam realizadas preces públicas feitas todas as noites depois do trabalho, por um dos ministros, havendo rodízio após cada semana, e que eles pregariam duas vezes no domingo e nos outros dias da semana durante uma hora; Villegagnon ordenou também, expressamente, que os sacramentos fossem administrados de acordo com a palavra de Deus e que, no mais, fosse a disciplina aplicada contra os pecadores. Já no dia 21 de março, no domingo, foi realizada a primeira ceia de rito reformado, e todos os que dela participassem deveriam dar pública confissão de fé, abjurando perante todos o papismo. Mas, logo depois disto, começaram os debates a respeito da presença real de Cristo na eucaristia. O próprio Villegagnon foi o primeiro a tomá-la, depois de confessar sua fé reformada perante toda a congregação.
“Este Jacobino [Jean Cointac] quis seguir uma doutrina à parte, e ele se pôs a defender e publicar a confissão de Augusto, e sem dissimilar, impugnar a de Calvin. Daí nasceu uma discórdia tão grande, que só foi possível remediá-la, reenviando um dos ministro de Genebra. E, em verdade, nos três meses que nossos navios aqui permaneceram, eu fiquei tão saturado de todos eles, que se não fosse a dificuldade de víveres, eu os teria reenviado. Não encontrando aí ordem, […] eu me pus a querer bem entender uma e outra religião e a conferir nos antigos livros dos homens da Igreja, de trezentos anos depois de Jesus Cristo, que é o tempo cotado por Melanchton, nos seus lugares comuns, que a Igreja não estava corrompida. Eu me tornei um discípulo tão diligente de Calvin, que, em poucos dias, nenhum dos ministros, que eram consumados em sua doutrina, podia disputar comigo nesta ciência. Estando eles de acordo comigo acerca da inteligência da doutrina, eu me pus a considerá-la e impugná-la com Pierre Richer, Du Pont e outros, pela autoridade dos livros antigos. Mas eles me negaram, mesmo não podendo me responder isto. E a definição desta querela foi no seu dizer que eu pequei contra o santo espírito, que era uma grande pena que eu não tenha tomado o bom caminho, pois que eu estava para trazer um grande fruto para a sua Igreja, se eu tivesse tomado o bom partido em vez do mau. E se puseram a odiar mais completamente este Jacobino, dizendo que ele era o ministro de Satã, suscitado para perturbar e impedir o advento do reino de Deus. Tendo perdido a esperança de os vencer através dos livros da Igreja, eu lhes pedi conta de sua doutrina. Richet me colocou alguns artigos, que eu impugnei lhe mostrando que nenhuma de suas proposições é defensável, que ela está cheia de blasfêmias e execrações, levando os observadores a todas mais insignes heresias, que foram feitas desde Jesus Cristo, e, não podendo me satisfazer, reenviaram-me a Calvin e outros que nesta ciência são mais experientes.” (Villegagnon, 1560, Lettre VII)
“Logo na nossa chegada Villegagnon estabeleceu que, além das preces feitas todas as noites após á labuta diaria, os ministros prégariam duas vezes aos domingos, e nos dias de trabalho durante uma hora; ordenou tambem que os sacramentos fossem administrados conforme a palavra pura de Deus, e que no mais fosse a disciplina ecclesiastica applicada contra os peccadores. De accordo com isto, a 21 de março, domingo em que pela primeira vez celebravamos a santa ceia no forte Coligny, com a devida antecedencia os ministros prepararam todos os que deviam commungar, e Jean Cointa, que viera comnosco e ora se appellidava senhor Heitor, doutor da Sorbonna, não sendo tido em boa conta, foi convidado a fazer confissão publica da sua fé antes de commungar, o que fez, abjurando perante todos o papismo. Quando terminou o sermão, Villegagnon, apparentando zelo, ergueu-se e allegou que os capitães, mestres, marujos e outras pessoas alli presentes inda não tinham professado a religião reformada, e, portanto, deviam sahir para não assistirem ao mysterio da administração do pão e do vinho. Em seguida ajoelhou-se num coxim de velludo ( que um pagem ordinariamente tinha comsigo atraz delle ) e, afim de dedicar o seu fortim a Deus, pronunciou em voz alta duas orações, […] Finda estas preces, Nicolau de Villegagnon apresentou-se á mesa do Senhor e recebeu de joelhos a communhão.” (Léry, 1578, pg. 60-68)
“Reputaram os ministros excellente esta organização [o Concelho dos 10] e exhortaram a companhia a permanecer sempre modesta e serviçal, sem esquecer o facto que alguns delles tinham abandonado as suas mulheres, os seus filhos, os seus haveres, que todos deixaram a patria natal para gozar dos beneficios da prégação do Evangelho; e accrescentaram que, si Deus lhes concedesse a graça de se estabelecerem definitivamente nesse logar, prefiririam antes supportar todos os dissabores e soffrimentos do que esmorecer e recuar do seu posto. Villegagnon fez sentir aos ministros que, no concernente à Egreja, queria fosse ella conforme a disciplina e ordem da de Genebra, à cuja ampliação vinha dedicando a sua vida e os seus bens, e que não desejava regressar mais à França. Em ouvindo estas asserções, todos se possuiram de forte animo e encorajados para o cumprimento dos seus deveres, maximé os pastores para o exercicio do seu ministerio em que se revezariam todas as semanas, pois teriam que prégar uma vez por dia e duas aos domingos.” (Crespin, 1564)
Villegagnon escreveu a Calvino uma carta em 31 de março de 1557, na qual expôs as suas dificuldades. Em 1º de abril, o navio La Rosée retorna à França, com ele retorna Nicolas Carmeau, levando uma carta de Villegagnon para Calvino. Dez índios Temiminós, de nove a dez anos, tomados na guerra pelos Tamoios, e vendidos como escravos a Villegagnon, foram embarcados no mesmo navio para a França, depois de ter o ministro Richier, ao fim de uma prédica, imposto as mãos sobre eles e de ter rogado a Deus que lhes fizesse a graça de serem os primeiros destes nativos chamados à salvação. Ao chegar em França os rapazes foram apresentados ao rei Henrique II, e distribuídos entre vários nobres. Um deles chegou a ser batizado, por ordem do Senhor de Passy, e o próprio Lery o reconheceu na residência deste, ao retornar para sua pátria.
“Carmeau levou para França dez selvagenzinhos, de nove a dez annos, comprados por Nicolau de Villegagnon aos tupinambás, que os tinham aprisionado em guerra; Pierre Richier, ao fim de uma predica, impoz as mãos sobre elles, e todos rogamos a Deus que lhes fizesse a graça de serem os primeiros deste pobre povo chamados á salvação; em França foram apresentados a Henrique II e depois dados de presente a varios magnatas, cabendo um ao senhor de Passy, que o fez baptisar e em cuja casa o revi na minha volta.” (Léry, 1578, pg. 79-80)
Em 3 de abril, dois intérpretes normandos de Villegagnon desposaram no momento da prédica, segundo as leis da igreja reformada, duas das jovens que tinham sido trazidas da França. Baseando-se outra vez na tradição, Villegagnon procurou refutar publicamente Richier, durante a celebração do casamento. Em 17 de maio, Jean de Cointa, o pivô da discórdia sobre a eucaristia, ele mesmo desposou uma das jovens, parente de um tal Laroquete, de Rouen, que havia ido para o Brasil com os huguenotes e falecera pouco antes do casamento.
“A tres de abril dois mancebos, criados por Nicolau de Villegagnon, desposaram, na occasião da predica, duas das raparigas que commigo vieram de França. Mencionao o facto não só porque foram os primeiros casamentos feitos ao modo christão na America, como por causa da admiração dos selvagens que vieram assistir á cerimonia - admiração, menos por esta, do que por verem pela primeira vez mulheres vestidas. A 17 de maio João Conta desposou uma outra, parenta de um tal La Roquette, de Ruão. La Roquette falleceu pouco depois, deixando-a herdeira dos seus bens, compostos de facas, pentes, espelhos, anzóes e mais bugiarias proprias para o trafico com os selvagens, o que muito conveio a Cointa. As outras raparigas logo depois tambem se casaram com dois interpretes normandos.” (Léry, 1578, pg. 80-81)
“Entrementes, e para ractificar a alliança de perfeita amizade com Villegagnon, pedio e obteve Cointac em casamento a uma joven, natural de Rouen, de quem se enamorára, e a qual herdára alguns bens de um tio que fallecera no Brasil, mas teve que sujeitar-se à condição de que não a deixaria nunca passar privações. Richier foi o celebrante deste casamento na Egreja.” (Crespin, 1564)
Na celebração da ceia anterior ao Pentecostes de 1557, Jean de Cointa começou a levantar dúvidas se era lícito ou não colocar água no vinho na cerimônia de consagração. Este homem, ao que se diz, veio ao Brasil com a promessa de ser ordenado bispo da igreja, feita pelo próprio Villegagnon, mas tendo sido reprovado pelos pastores genebrinos, começou a fomentar a discórdia. Jean de Cointa argumentava citando São Cipriano, São Clemente e os concílios ecumênicos, mas era refutado por Pierre Richier, que para isso usava apenas as Escrituras, que contradiziam estas opiniões. Isto então gerou violentos debates sobre a natureza da presença de Cristo na eucaristia. Em junho, durante o Pentecostes, Villegagnon, junto com Jean de Cointa, deu ordens de misturar água ao vinho, e seguir o rito católico. Quando foi relembrado do compromisso firmado anteriormente com os pastores genebrinos, de esperar uma resposta de Genebra quanto à controvérsia, ele publicamente denunciou a teologia reformada como herética. Lery informa-nos de que Villegagnon recebeu cartas do Cardeal de Lorena e outros, aconselhando-o a parar de sustentar a heresia calvinista, de um navio que nesta época aportou em Cabo Frio. Para evitar que fosse prolongado ainda mais o debate, ficou decidido que Guilhaume Chartier iria a Genebra aconselhar-se com Calvino, tendo saído da Guanabara em 4 de junho de 1557 em um dos navios que, carregado de pau-brasil e outras mercadorias, partiu daqui. A carta de Villegagnon a Calvino, de que era portador nunca foi encontrada. O próprio vice-almirante estava disposto a aceitar a arbitragem do reformador, mas enquanto não chegasse a resposta, Richier ficava impedido de administrar os sacramentos ou de aludir em sermões aos assuntos que deram causa a controvérsia.
[Villegagnon] Embora houvesse, assim como Jean Cointa, abjurado publicamente o papismo, tinham, tanto um como outro, mais desejos de discutir e contender do que de aprender e aproveitar, e porisso não tardaram a promover disputas relativas á doutrina principalmente quanto á ceia. Ambos regeitavam a transubstanciação da igreja de Roma como grosseira e absurda; e tambem regeitavam a consubstanciação, consentindo que os ministros ensinassem e provassem com a palavra de Deus que o pão e o vinho não se convertem realmente em carne e sangue do Senhor, o qual, porisso, não se encerra em taes especies materiaes, mas está no céo donde se communica espiritualmente com os que recebem os signaes da fé. Ora, Nicolau de Villegagnon e Jean Cointa diziam esta palavras: - "Este é o meu corpo, este é o meu sangue", o que não pode significar senão que alli se conteem o corpo e o sangue de Christo. Perguntareis agora: como se entendiam elles, visto que regeitavam a trans e a consubstanciação? Não os vi responder; quando lhes mostravamos passagens da Biblia que provavam ser figuradas essas expressões, elles, sem refutar, permaneciam obstinados, e desse modo queriam, espiritual e materialmente, comer a carne de Christo á maneira dos goitacazes.” (Léry, 1578, pg. 76-77)
“Ora succedeu que um dos membros da comitiva dos ministros - e eis a causa das perturbações que se seguem, de nome Jean Cointac, academico da Sorbonne, de certa illustração, impellído pelo desejo insensato de passar por mais sabio que aquelles, pretendia a Superintendencia do Episcopado, allegando que o logar lhe fôra promettido em França. Foi, porém, embargado na sua estulta aspiração e perdeu a estima de toda a companhia. Dahi o odio mortal que votava aos ministros, a quem procurava amesquinhar e ridicularizar em todas as controversias e prégações, que epilogava rigorosamente para dar-se ares de entendìdo. Elle tinha, com effeito, certa apparencia de virtude, era eloquente e persuasivo, quer discorrendo em francez quer em latim. Além disto, adaptava-se ao paladar de cada um, motivo por que Villegagnon o ouvia com particular interesse, prestando attenção ás muitas questões frivolas e nescias que trazia a publico, com o intuito de parecer superior e mais idoneo do que os pastores legitimamente eleitos por suffragio dos irmãos, consoante a fórma da Egreja Primitiva. Chegado o dia da celebração da Santa Ceia, pois o Conselho resolvera que esta se realizasse uma vez por mez, Cointac, após haver perguntado que lithurgia se pretendia observar, e onde se achavam as vestes sacerdotaes e os vasos sagrados, affirmou, questionando, que, neste sacramento, era conveniente e indispensavel, além de outras coisas, o uso de pão sem fermento e de vinho misturado com agua, porque assim fôra praticado por Justino Martyr, lrineu e Tertuliano. Os ministros, porém, mostraram a inanidade do argumento e declararam, de modo peremptorio, que nas Escripturas não havia apoio para semelhante innovação e que o dever do crente é manter-se rigorosamente adstricto ao que Jesus Christo fez e ensinou e ao que os seus discipulos nos deixaram por escripto. Em agindo de maneira diversa, será rebelde e jámais bom filho. De resto, lembraram a promessa que lhes fôra feita em França e reiterada em Coligny - a de que viveriam segundo as leis da Reforma existente no logar de onde partiram. Sem embargo, Villegagnon juntou-se a Cointac, declarando que os antigos eram mais autorizados que os theologos modernos; e exigio energicamente que tal mistura se fizesse, porquanto Clemente, que convivera com os apostolos, a effectuára. Ponderou-lhes, ainda, que a sua vontade não podia ser contráriada, por isso que elle era o chefe da companhia. Os pastores e a maioria da assembléa não concordavam que esta pratica fosse obrigatória e entenderam que não deviam mesmo admittil-a para evitar que tal superstição occasionasse, no futuro, sérias perturbações à Egreja, tanto mais quanto Villegagnon e Cointac haviam asseverado que o pão, depois de pronunciadas as palavras de consagração pelo ministro, era santo e que, consequentemente, qualquer parte que do mesmo sobejasse devia ser preciosamente conservada como reliquia sagrada. Verificou-se isto antes da Santa Ceia e momentaneamente os animos se acalmaram. Ambos os partidos fingiram estar de accordo, afim de que a celebração da Eucharistia não fosse relegada para outra occasião. Ora Villegagnon e Cointac, à vista da opposição dos ministros sobre este ponto, e sabendo que não podiam constrangel-os a confessarem que era necessario e dependente do sacramento a addição de agua ao vinho, ordenaram secretamente ao dispenseiro que fizesse tal mistura numa proporção rázoavel. Os prégadores haviam, em seus ultimos sermões, exhortado a que todos se examinassem a si mesmos antes de aproximar-se da Mesa da Communhão, no que foram attendidos. Coíntac, porém, assumira uma attítude tão estranha que nem parecera um Reformado, e houvesse mesmo referido a alguns que ella dar-lhe-ia certo beneficio em França, um dos ministros pedio-lhe fizesse, em publico, a sua profissão de fé, afim de que se dissipasse a má impressão do seu proceder, ao que annuio immediatamente, ficando todos sobremodo satisfeitos, maximé porque nesse mesmo dia Villegagnon confirmou a sua fé perante toda a congregação. Entretanto, a autoridade dos ministros e o facto de haverem estes se dirigido a elle sómente irritaram de novo a Cointac, o qual guardou em seu coração um profundo resentimento. Participaram, pois, da Santa Ceia, Villegagnon, Cointac e os que pareciam dignos de ser a ella admittidos, fazendo todos os mais vivos protestos de que esqueceriam as quizilias havidas. Dias depois queixou-se Cointac particularmente a Villegagnon da humiliação por que o ministro o fizera passar em plena Egreja. E, despertando as questões que estavam já como adormecidas, concertaram ambos um meio de calumniar a instituição desta, comparando os antigos com os modernos, marcando-lhes as differenciações e formando um ritual cujos preceitos deveriam ser observados à risca. Não hesitaram, até, em declarar que a Egreja de Genebra era mal governada e dirigida por herejes, isto porque entendiam que ella, pelos seus ministros, os havia censurado. Não aceitavam todos os pontos do Papado, em que viam muitos erros. Dos Allemães queriam conservar o que se lhes afigurasse bom, accrescentando e tirando à doutrina segundo lhes ditava a sua fantasia. Era do seu novo estatuto que o Baptismo se fizesse tambem com sal, oleo e saliva; que, ficando o pão da Santa Ceia consagrado pelas palavras sacramentaes proferidas pelo ministro, não se devia ïnquirir si o commungante exercia ou não a fé christã ; que era necessario levar as sobras deste pão aos doentes e aos que as solicitassem ; emfim, artigos outros que seria enfadonho descrever. A imposição determinou graves discordias, que augmentavam dia a dia. Este mau começo foi assás favorecido por alguns que lhe não previam as futuras consequencias, pois advertiram a Villegagnon que em França havia rumores de que os Lutheranos estavam fazéndo a travessia em flotilhas e que, portanto, era bem possivel conseguissem persuadir o rei a causar-lhe muitos desgostos, taes como: tomar-lhe os navios, confiscar-lhe os bens e impedir que alguem lhe prestasse soccorro.” (Crespin, 1564)
 “Todavia Nicolau de Villegagnon, sempre com rosto alegre e pretexto de bem instruir-se, mandou á França o ministro Chartier em um dos seus navios, depois de carregal-o com pau-brasil e outras mercadorias ( isto a 4 de junho ) , afim de que trouxesse sobre a contenda da ceia as opiniões dos doutores e principalmente a de Jean Calvino, a cujo parecer queria submetter-se. Costumava elle dizer que Calvino era um dos mais doutos homens apparecidos depois dos apostolos, e no seu entender o doutor que melhor e mais puramente expoz as santas Escrituras. Porisso, para mostrar que o acatava, lhe respondeu ás cartas que trouxemos, dando conta do estado geral das coisas, e com seu proprio punho e tinta de pau-brasil disse no final: "Accrescentarei o conselho, que me destes nas cartas, esforçando-me com toda a vontade por não desviar-me delle em coisa alguma. Pois de facto estou bem persuadido de que não póde haver outro mais recto, santo e perfeito. Portanto, mandei ler vossas cartas em reunião do nosso conselho e depois registral-as, afim de que, se nos desviarmos do bom caminho, sejamos pela leitura dellas advertidos e apartados de extravio". Um Nicolau Carmeau, que fôra portador de cartas a Calvino e partira em abril no Rosée, ao despedir-se de nós contou que Nicolau de Villegagnon o autorisara a dizer verbalmente a Calvino que para melhor lhe perpetuar os conselhos ia mandar graval-os em cobre. Tambem o autorizou a trazer de França homens, mulheres e creanças, promettendo pagar todas as despezas que lá se fizessem com o arranjo dessa gente.” (Léry, 1578, pg. 78-79)
“Villegagnon reflectio demoradamente sobre isto e, parecendo-lhe que a coisa poderia vir a consummar-se, resolveu por-se ao abrigo de tal eventualidade. Passados alguns dias realizaram-se dois casamentos, havendo comparecido à cerimonia a maioria da officialidade e dos marujos. Era a semana de Richier e o thema sobre que ia discorrer nesse dia era o baptismo de João. O orador entrou francamente no assumpto e, com a maior energia, insistio em asseverar que aquelles que não trepidaram em corromper este sacramento com a introducção de sal, oleo e saliva eram imprudentes e falsarios. A prédica escandalizára immenso a Villegagnon, o qual violentamente encolerizado contradictou ao ministro perante a congregação, sustentando que os que haviam feito taes accrescimos eram melhores que Richier e seus companheiros e que elle, Villegagnon, não estava disposto a abrogar o que se observava ha mais de mil annos para acceitar uma nova cerimonia calvinista. Disse ainda outros insultos e revelou propositos malignos. Resolveu não mais assistir aos sermões e ás reuniões de oração e, até, de abster-se de comer com os ministros. Procurou Richier explicar-se para rebater as calumnias que lhe eram assacadas por Villegagnon e Cointac, porém não conseguio que o escutassem. Então os mais influentes, em extremo desgostosos com estas discordias, entenderam-se com ambas as partes, ponderando-lhes muitas coisas, e persuadiram-nas a se harmonizarem, o que Villegagnon e Cointac prometteram fazer, comtanto que se coordenassem os pontos em litigio, os quaes deveriam ser submettidos ás Egrejas da França e da Allemanha, para que ellas decidissem a respeito. E, no sentido de chegar-se a um resultado mais seguro, escolheram o mais joven dos ministros, isto é; a Chartier, para ser o portador da consulta; mas a verdade é que isto não passava de um ardil de Villegagnon e Cointac para se desembaraçarem deste prégador, como o almirante o confessou mais tarde. Quanto a Richier, este ficaria e teria liberdade para prégar, desde que se abstivesse de falar sobre os sacramentos e os demais artigos em questão. Posto que iniquas e muito prejudiciaes, a congregaçào, todavia, acceitou estas condições por amor à paz e porque esperava fossem inviolavelmente respeitadas as decisões procedentes da França e da Suissa. Porém Villegagnon e Cointac tinham já o proposito de não acceitar coisa alguma que fosse resolvida por estas Egrejas e o de submetter-se unicamente à Sorbonne de Paris. Si Villegagnon quizesse logo impedir a prégação do Evangelho, como fez mais tarde, estas contendas não lhe causariam estorvo, por isso que ainda se achavam ancorados no porto os navios que conduziram a comitiva. Reconheceu, entretanto, que, si a recambiasse para a França, em cumprimento à sua promessa, importaria esse acto não só grande deshonra, mas tambem grave inconveniente, porque ver-se-ia quasi sòsinho para enfrentar os Portuguezes e os selvagens. Com o intuito de encobrir o seu mau designio e de não perder a boa reputação que a sua correspondencia lhe conquistára em França, Villegagnon a todos affirmou que outra coisa não desejava sinão a paz e a união da Egreja e bem assim que assumia o compromisso de esperar a resolução dos pontos controvertidos.” (Crespin, 1564)
 “Guiado, entretanto, por um espirito contradictorio não poude contentar-se com a simplicidade que a Escriptura pede aos verdadeiros christãos, no relativo aos sacramentos. Assim é que, chegando o dia de pentecostes, em que pela segunda vez celebramos a ceia ( infringindo o que elle mesmo havia estabelecido, isto é, que todas as invenções humanas fossem regeitadas), allegou terem S. Cypriano e S. Clemente escripto que na celebração da ceia cumpria pór agua e vinho, pretendendo obstinadamente que isso se fizesse e que cressemos que o pão consagrado aproveitava á alma e ao corpo. Sustentava ainda que cumpria pôr sal e oleo na agua de baptismo, e ainda que um ministro não podia contrahir segundas nupcias, baseado na passagem de S. Paulo a Timotheo, quando diz que o bispo seja marido de uma só mulher. Queria, em summa, que tudo só dependesse do seu conselho, aliás sem fundamento na palavra divina, e tudo levava a capricho. Para mostrar a força da sua argumentação apresentarei uma das muitas sentenças das Escripturas allegadas para prova das suas proposições. Ouvi-o dizer certa vez a um dos sequazes: - Não viste no evangelho dizer o leproso a Jesus: - Senhor, se quizeres podes limpar-me; ao que Jesus respondeu: - Quero, fica limpo - e o leproso sarou? Pois bem, quando Jesus diz: - Este é o meu corpo, cumpre crer que elle esteja ali, apezar do que a gente de Genebra fala. Interprete dessa ordem lembra aquelle que nos debates de um concilio allegou que, como está escripto que Deus creou o homem á sua imagem, assim convem ter imagens. Por aqui podemos julgar da theologia de Nicolau de Villegagnon, que tanto se jacta, depois de sua apostasia, de fechar a bocca a Jean Calvino e a quantos não lhe queiram acceitar a doutrina. Poderia apresentar outras proposições ridiculas como esta, que delle ouvi, relativas aos sacramentos. Mas como depois do seu regresso á França Pierre Richier ( Petrus Richelius ) o pintou com todas as côres , e tambem outros o almofaçaram a contento, temo enfadar os leitores insistindo nisto. Por aquelle tempo Jean Cointa desejoso de revelar sua sapiencia, começou a dar lições publicas; mas tendo começado pelo evangelho de S. João, que é materia sublime, discorria sobre o thema sem nenhum proposito; todavia era nesse paiz o unico sustentaculo do Nicolau de Villegagnon na impugnação da verdadeira doutrina. - Como, pois, dirão, se calava o franciscano André Thevet, que na sua Cosmographia tanto se queixa de que os ministros mandados por Calvino, invejosos dos seus bens e cargos, o impediam de ganhar as almas transviadas dos selvagens? Era, então, mais afeiçoado aos barbaros do que á defesa da igreja romana, de que se dá como fortissima columna? A resposta a este embuste de Thevet é que elle já estava de regresso á França antes da nossa chegada, e os leitores notarão que me não refiro a elle neste discurso sobre as nossas disputas com Villegagnon e Cointa no forte Coligny, porque lá nunca nos encontramos. Thevet não esteve lá em nosso tempo; portanto, existiam duas mil leguas [13200km] de permeio entre elle e nós, intervallo sufficiente para impedir que os selvagens, por nossa causa, cahissem sobre elle e o matassem ( como ousou escrever ) , não necessitando allegar outro exemplo do seu zelo além do que diz que teria tido na conversão do gentio se os ministros o não embaraçassem. Voltando atraz direi que após a ceia de pentecostes Nicolau de Villegagnon declarou abertamente haver mudado de opinião sobre Calvino, e, sem esperar a resposta da consulta que lhe mandara fazer por intermedio de Chartier, declarou-o heretico transviado da fé. E passou a mostrar-nos má vontade, restringindo as predicas a meia hora, do fim de maio em diante, e poucas vezes a ellas assistindo. Em conclusão direi que a dissimulação de Nicolau de Villegagnon se nos patenteou tão clara que logo vimos como que lenha se aquecia. Tal mudança dizia-se que fôra motivada por cartas recebidas do cardeal de Lorena e outros personagens, por intermedio dum barco que por essa epoca aportara a Cabo Frio, a trinta leguas [200km] da ilha, cartas que o censuravam acremente por ter abandonado a religião catholica. Receioso da arguição, mudara de pensar subitamente. Todavia, depois do meu regresso á França, ouvi dizer que Nicolau de Villegagnon antes de deixar este paiz, para melhor servir-se do nome e autoridade de Coligny, e ainda para mais facilmente abusar da igreja de Genebra, e em especial de Calvino, se aconselhara com o cardeal de Lorena e se mascarara com a religião. Como quer que seja, posso assegurar que por occasião da sua rebeldia, qual se tivesse um carrasco na consciencia, se tornou tão torvo que a cada momento jurava por Santiago ( seu juramento dilecto ) romper a cabeça, braços e pernas ao primeiro que o importunasse, o que a todos afastava da sua presença.” (Léry, 1578, pg. 82-88)
“Appropinquou-se o momento da partida dos navios, num dos quaes seguiam Chartier e outros companheiros, como portadores dos artigos em questão e a resposta aos quaes deveria ser enviada seis mezes depois da sua chegada à França. Quando Villegagnon e Cointac viram que estes não podiam mais regressar, aos que com elles ficavam em terra declararam-lhes então terminantemente que não acceitariam nenhuma resolução que não procedesse da Sorbonne ; e, contra o parecer de Cointac, addicionou, ainda, Villegagnon outros artigos, a saber: a transubstanciação, a invocação dos Santos, as orações pelos mortos, o purgatorio e o sacrificio da Missa. Desde esta data Cointac começou a suspeitar de Villegagnon, por faltar ás suas promessas tantas vezes reiteradas. [...] O trabalho dos pobres operarios era augmentado na razão directa da fome que experimentavam. Alguns delles animaram-se a reclamar contra este estado de coisas, mas foram repellidos tão grosseiramente e com tantas ameaças que se não atreveram dahi em diante a formular nenhuma queixa. Limitaram-se apenas a retirar-se para du Pont e Richier, sob cujo patrocinio haviam ido para a nova terra. Por seu turno Richier e du Pont, vendo-se completamente ludibriados pelo almirante, lastimavam a sua propria condição. Este desdenhava os sermões de Richier e, caprichoso, exigia que pregasse ora sobre um assumpto ora sobre outro, ao que Richier sempre se recusava. Assim, Villegagnon absteve-se de comparecer aos serviços divinos, no que foi seguido por alguns da companhia, pois uma grande parte entendia que o que se passára era tão pernicioso e mau que a causa da Religião estava, ali, irremediavelmente perdida.” (Crespin, 1564)
A bondade, a austeridade e a humildade da comunidade protestante provocaram numerosas conversões entre os presidiários de Rouen e de Paris. Os huguenotes, levados a uma situação limite, em nenhum momento tomaram uma atitude violenta contra Villegagnon. O próprio Léry foi preso, mas, em meio à sua revolta, foi instado por Du Pont a não tomar uma atitude violenta que desonrasse a igreja reformada. Le Thoret, um calvinista, que era o comandante da fortaleza, após entrar em discussão com La-Faucille, recebedor de mercadorias vindo de Paris, por causa do pagamento a certos indígenas por escravos para Villegagnon, contradisse aquele em público. Tendo sido encaminhados para o Conselho os 2 envolvidos na querela, aquele decidiu pela punição de ambos (havia uma lei do Conselho que determinava que quem desmentisse a outrem que lhe fosse igual ou superior na escala social, devia fazer reparação de honra, de joelho em terra e de boné na mão, perdendo, ainda, por tres meses, o emprego que tivesse), mas Villegagnon decidiu a aplicar a pena apenas a Thoret. Este, devido à humilhação, posteriormente fugiu nadando para um navio bretão ancorado ao largo, e seguiu para a França. Villegagnon também declarou nulo o conselho, passando a comandar sozinho a fortaleza. Certa vez Jean Gardien e Jean de Léry foram ao continente sem a autorização prévia de Villegagnon, o que ele proibia a qualquer colono fazer, e este quis prendê-los mas estes recusaram e ameaçaram resistir, sendo Villegagnon obrigado a recuar por temor de uma revolta de todos os protestantes.
“Depois do seu repudio o fizemos sciente, por intermedio do senhor Du Pont, de que, visto haver renunciado ao evangelho, não eramos mais seus subditos, nem queriamos permanecer a seu serviço, e menos ainda carregar barro e pedra para seu fortim; isso o levou a tentar matar-nos de fome, prohibindo que nos dessem mais de duas medidas de farinha por dia. Em vez de prejudicar-nos tal disposição nos valeu, porque em troca de uma foice obtinhamos dos selvagens mais farinha do que nos daria elle em seis mezes, alem de que sua recusa em alimentar-nos nos punha fóra da sua sujeição. Entretanto, se elle se sentisse mais forte, e não visse parte da sua gente do nosso lado, não duvido que tentasse domar-nos pela força. Certa vez em que um Jean Gardien e eu [Jean de Léry] chegamos de terra firme, onde passaramos entre os selvagens quinze dias, fingiu ignorar que nos houvera dado ordem e, accusando-nos de transgressão, ordenou que nos puzessem grilhões aos pés, como fazia aos escravos. Du Pont, nosso director, em vez de sustentar-nos nesta emergencia, e impedil-o de commetter tal arbitrariedade, veio pedir-nos que por um dia ou dois nos submettessemos, deixando que assim passasse a colera de Villegagnon. Nós, porém, nos oppuzemos formalmente, allegando que não só não haviamos infringido as suas ordenanças, como em nada dependiamos de quem rompera a promessa de manter-nos no exercicio da religião reformada. Diante disso Nicolau de Villegagnon abrandou e desistiu do intento; formavamos um bloco de quinze ou dezeseis companheiros unidos pela amizade, e offender a um seria offender a todos. Elle sabia que os principaes da sua gente eram da nossa religião, e andavam mal satisfeitos com a sua attidude, e se o não acommettiam para lançal-o ao mar, afim de que o comessem os peixes, era devido ao respeito que o senhor almirante e a autoridade do rei lhes impunham. Achamos prudente, todavia, portar-nos com moderação, desde que elle não ousava nos impedir a predica publica, nem a celebração da ceia, que faziamos á noite e sem sua sciencia.” (Léry, 1578, pg. 89-91)
“Villegagnon nomeára commandante do forte a Thoret, homem de vivaz intelligencia e que havia seguido a carreira das armas em Piemonte, o qual durante algum tempo foi muito estimado por aquelle. Quando, porém, o almirante se certificou que Thoret não lhe dava a sua solidariedade nas questões de ordem religiosa, converteu a sua sympathia em desamor, occasionando-lhe muitos desgostos. Mas passemos ao facto: Tendo-se apresentado na ilha diversos selvagens para receberem o pagamento de alguns escravos que haviam vendido a Villegagnon, este encaminhou-os ao recebedor de mercadorias vindo de Paris, La-Faucille, com quem, entretanto, não puderam entender-se, pelo que procuraram de novo o almirante, obtemperando-lhe que desejavam retirar-se e que, por conseguinte, ordenasse lhes fosse realizado o embolso a que tinham direito. Villegagnon encarregou então a Thoret de regularizar o negocio. No desempenho da sua missão, Thoret observou a La-Faucille que elle agia mal, compromettendo-se por coisa de somenos importancia. La-Faucille não recebeu de bom humor o reparo de Thoret e ambos se encolerizaram, sendo que este, provocado pelas respostas offensivas daquelle, teve que desmentil-o em plena face. Ora o Conselho havia estabelecido uma lei segundo a qual ninguem podia desmentir a outrem que lhe fosse igual ou superior na escala social, sob pena do infractor ter que fazer reparação de honra, de joelho em terra e de bonet na mão, perdendo, ainda, por tres mezes, o emprego que tivesse. Villegagnon e Cointac, testemunhas presenciaes do desmentido, instigaram La-Faucille a exigir satisfação de honra segundo a lei, embora este se inclinasse antes a reconciliar-se, como, de facto, era a sua disposição. Elles mesmos lhe redigiram a queixa e, no dia do Conselho, chamaram a Thoret, o qual muito estranhou a malevola interferencia de Villegagnon num caso que, ao contrario de esforçar-se por desnaturar ao ponto de parecer que era a um tempo juiz e parte, deveria elle ser o primeiro a solucionar particularmente, visto que occorrera por questões de seus serviços. Perante o Conselho confessou Thoret haver, com efeito, desmentido a La-Faucille e cujo acto ainda mantinha, tanto mais quanto fôra elle o provocado, e isto em demasia. Requeria, pois, se interpretasse a letra e o espirito da lei sem quaesquer paixões, porquanto estava prompto a submetter-se a ella. O Conselho entendia que ambos eram delinquentes e que se deviam nomear dois arbitros para decidirem a questão. Seu parecer era que a lei, neste particular, deveria ter outra amplitude, visto como, si offensor e offendido eram culpados, seria logico que as penas da mesma fossem applicadas a um e a outro. Villegagnon e Cointac recusaram o seu apoio ao alvitre suggerido é insistiram em reclamar que se cumprisse a lei, applicando-se as suas penalidades a Thoret que confessára a injuria. Villegagnon, presidente do Conselho, lavrou, em seguida, a sentença condemnatoria de Thoret, contra o voto da maioria dos que o compunham. Valoroso e habilissimo no manejo das armas, Thoret relutou muito em se conformar com a sentença, que reputava iniqua e procedente de seus inimigos. Cedendo, entretanto, ás supplicas de Richier e du Pont, que o exhortavam a supportar com paciencia o mal que os impios lhe faziam, e para não occasionar perturbações à Egreja, submetteu-se à sentença e cumprio as suas penalidades. Destituido Thoret do commando da fortaleza, Villegagnon e Cointac zombavam dos Genebrinos, qualificando-os de pusillanimes; e lisongeavam-se de haver obrigado Thoret a fazer publica confissão de delicto, coisa por elles, seus inimigos, considerada um estigma por demais infamante. Tão frequentes zombarias de tal modo irritaram e desgostaram Thoret que este praticou a temeridade de atravessar secretamente um braço de mar de duas leguas [13km] sobre tres pedaços de madeira ligados entre si à guiza de balsa, para embarcar em um navio breton, ancorado num porto a trinta leguas [200km] de distancia, e o commandante do qual o acolheu com muita sympathia.” (Crespin, 1564)
Desde a controvérsia da ceia, em junho de 1557, Villegagnon se tornara amargo e violento. Os colonos podiam conhecer o humor do almirante pelas cores berrantes de suas vestes. Tanto Léry como Crespin relatam suas crueldades com os habitantes da fortaleza. Cerca de 30 ou 40 homens e mulheres da tribo Temiminó, vendidos aos franceses como escravos, foram tratados com extrema crueldade. Um deles, de nome Mingaut, foi amarrado a uma peça de artilharia, e o próprio almirante derramou toucinho derretido nas nádegas do pobre índio. Por isto, muitos deles fugiram para as florestas do continente, mesmo com o risco de serem capturados e devorados pelos Tamoios; eles acabaram se aliando aos intérpretes normandos. Um francês de nome Laroche, tentou urdir outro complô contra o Almirante, mas foi imediatamente preso e espancado quase até a morte, sendo poupado apenas por sua habilidade de marceneiro. Vários de seus comparsas fugiram para o continente, indo viver com os intérpretes normandos. Os mordomos de Villegagnon, ambos reformados, foram expulsos do Forte.
“E a proposito narrarei a maldade que usou com um francez, Laroche, que conservava preso em grilhões, e ao qual mandou dar tanta pancada no ventre que quasi o poz sem folego. Emquanto isto se fazia, exclamava: - Corpo de Santiago, frascario, faze outra! E teria deixado esse pobre homem estendido por terra, quebrantado e semi-morto, se não precisasse do seu trabalho de marceneiro. Outros francezes que elle retinha presos pela mesma culpa de Laroche ( terem conspirado para o lançar ao mar em vista dos máos tratos que lhe eram inflingidos antes da nossa chegada ) , vendo-se mais judiados do que se estivessem nas galés, fugiram da ilha, preferindo viver entre os selvagens, que os tratavam mais humanamente do que Villegagnon. Trinta ou quarenta maracajás, entre homens e mulheres, que nossos alliados tupinambás haviam apresado e vendido a Villegagnon, eram alli tratados inda mais cruelmente. Certa vez o vi, por um motivo que nem reprehensão merecia, mandar atar um delles, de nome Mingaut, a uma peça de artilharia e fazer derramar-lhe nas nadegas gordura a ferver. Isto levava a pobre gente a exclamar na sua lingua: - Se soubessemos que Paicolás nos iria tratar assim, teriamos deixado que nossos inimigos nos comessem. Já disse atráz como elle ordenara no relativo á simplicidade do vestuario. Entretanto Villegagnon não só tinha copioso guarda roupa de seda e lã ( e antes o deixaria apodrecer do que vestir delle a sua gente, parte da qual andava semi-nua ) , como ainda camelões de todas as côres. Mandou fazer seis trajes, um para cada dia da semana, a saber: casaca e calções vermelhos, amarellos, pardos, brancos, azues e verdes. Pela côr das suas veste nós conheciamos do humor com que amanhecia. Quando vinha de comprido casaco de camelão amarello, bandado de velludo preto, desvanecia-se todo - e no fortim o comparavam a um menino travesso. Si conhecessem este seu formoso casaco os que depois do seu regresso o mandaram pintar, nú como selvagem, em cima do fundo de grande marmita, não duvidamos que por joias e ornatos tambem lh'o dariam, como fizeram com a cruz e a flauta pendentes do pescoço.” (Léry, 1578, pg. 88-89)
“Dirigindo-se ao seu mordomo, que o acompanhava desde o embarque em Honfleur e que o servia fielmente em todas as conjuncturas, interrogou-o sobre a sua attitude e disposições no momento, Explicou-se este sufficientemente e de modo o mais respeitoso lhe supplicou licença para se retirar com os outros para a França, assim por saber que os seus serviços deixaram de ser-lhe agradaveis, como em razão de não existir mais na nova terra siquer um resto de Egreja. Villegagnon discutio longamente o assumpto e ameaçou de mandar açoitar o mordomo e de prendel-o com grilhões. Por fim, cançado dos seus reiterados pedidos, tirou-lhe as roupas que lhe havia dado e expulsou-o brutalmente da fortaleza, sem tomar na mínima consideração os seus tres annos de serviços abnegados. Oito dias depois o substituto do mordomo, porque censurasse aos que blasphemavam e empregasse o melhor e mais ingente de seus esforços em moralizar aquelles sobre quem exercia autoridade, embora evitando os castigos de pauladas e algemas, foi accusado de ser um ministro, o que lhe valeu muitas injurias e maus tratos, a perda da maior parte dos seus haveres e a sua expulsão violenta da ilha. Este procurou tambem a companhia de Richier e du Pont, à qual se unio.” (Crespin, 1564)
Villegagnon assalariara diversos artesãos por dois anos, no transcorrer de cujo prazo alguns morreram extenuados pelo trabalho e outros pela extrema escassez de alimento. Eles não tinham descanço e eram obrigados a trabalhos pesadíssimos. Sua alimentação consistia apenas de farinha, que lhes era distribuída em proporção insuficiente, uma quarta parte da necessária, e água de má qualidade. Um artesão morreu de fome, mesmo implorando por comida a Villegagnon.
“Villegagnon assalariára diversos artezãos por dois annos, no transcorrer de cujo praso alguns morreram extenuados pelo trabalho e outros pela extrema escassez de alimento. Os de constituição mais robusta puderam resistir a tudo isto, mas, emquanto esperavam a terminação daquelle praso, um dia parecia-lhes um anno. Não tinham descanço e eram obrigados a trabalhos pesadissimos. Sua alimentação consistia apenas de farinha, que lhes era distribuída em proporção insufficiente – uma quarta parte da necessaria. E mais veneno do que agua era a que bebiam, por isso que procedia de uma cisterna suja e infecta. Um delles, não podendo continuar a passar desta maneira, pedio a Villegagnon que o deixasse ir viver entre os selvagens, o que lhe foi permittido sob condição de renunciar aos seus salarios, devendo o acto ser legalizado perante o notario, ao que o operario se submetteu, pois desejava obter a sua liberdade. Permaneceu elle entre os indígenas algum tempo, os quais o alimentavam a troco de peças do vestuario. Quando, porém, nada mais lhe restava que a camisa, não lhe forneceram mais alimento e expulsaram-n’o. Ficou, pois, o pobre homem reduzido a extrema penuria, comendo herva e quaesquer fructas, sem inquirir si lhe eram ou não prejudiciaes à saude. Acossado pela miseria, implorou por diversas vezes a Villegagnon que pelo amor de Deus se compadecesse delle. O almirante, porém, jámais attendeu ás suas instantes rogativas. Certa manhã, sob uma arvore, foi o infeliz encontrado morto à fome...” (Crespin, 1564)
Proibiu Richier de pregar e reunir os huguenotes em oração, a menos que o ministro ratificasse uma nova fórmula das preces, pois, segundo ele, as antigas eram errôneas. Após isto o Senhor Du Pont fez ver ao Almirante que, se este não seguia a fé reformada, estes estavam desobrigados de seguí-lo. Villegagnon deixa de enviar alimentos aos protestantes, que param, então, de trabalhar no forte e passam a adquiri víveres com os Tamoios.
“Si as circumstancias o favorecessem, Villegagnon prosseguiria nas crueldades que desejava executar e a que esta dera inicio; porquanto a paciencia e a modestia dos pobres fieis augmentavam de tal maneira sua audacia que não pensava sinão em subverter e destruir a ordem ecclesiastica e civil que elle proprio estabelecera e confirmára com tamanho interesse. Declarou nullo o Conselho, passando elle a resolver tudo segundo os desejos e caprichos do seu coração; e mais: prohibio absolutamente a Richier de prégar e de reunir os crentes para oração, à menos que o ministro se dispuzesse a rectificar a formula das preces, as quaes, segundo o almirante, eram erroneas. Evidentemente, o seu fim era constranger os fieis, por medidas extremas, a acceitarem uma nova religião que o seu cerebro architectára. A desolação da Egreja era indescriptivel, maximé porque estes males sobrevinham num momento em que os fieis não podiam regressar para a França. Frequentes vezes solicitaram a Villegagnon que lhes permittisse reunirem-se publicamente emquanto aguardavám a chegada dos navios, allegando que em sã consciencia não podiam retirar-se sem diffundirem entre os selvagens a luz do Evangelho. Jámais, porém, foram nisto attendidos. Villegagnon recusou-lhes, outrosim, as passagens, dizendo lhes que eram tão miseraveis e abjectos que as proprias ondas se negariam a transportal-os e que, por conseguinte, elles occasionariam a perda infalível do navio em que partissem.” (Crespin, 1564)
Após vários padecimentos e humilhações, em outubro (após 8 meses na ilha de Villegagnon) os huguenotes deixaram a ilha, indo refugiar-se em terra firme, no lugar chamado Briqueterie (lá havia algumas casas construídas pelos Franceses para pescar e realizar outras atividades), tendo permanecido ali por cerca de dois meses. Quando os huguenotes lá chegaram em outubro, Jean de Cointa já estava estabelecido lá. Ele havia sido expulso por Villegagnon, e passava o dia amaldiçoando o almirante. Para os huguenotes, foi uma oportunidade de evangelizar os índios, que os trataram com muita amabilidade. Inclusive os senhores de La Chapelle e de Boissi, que tinham chegado com Villegagnon, foram posteriormente expulsos, por não renegarem à fé reformada. Na pequena vila, os franceses viveram sem nenhuma comodidade, inclusive sem vinho para suas cerimônias, comendo e bebendo com os índios (sua alimentação consistia de raízes, frutas e peixes) que se mostraram mais humanos que os franceses da ilha, Villegagnon em particular.
“Este conflito durou 10 meses, até que chegou um navio no qual eles se embarcaram para retornar. Du Pont achou o país muito belo e cômodo e por isto ele teve grande lástima e desprazer pela recusa que eu fiz do Evangelho de Genebra. Por meio dele, ele se pôs a seduzir os meus homens, e os mais próximos de mim lhes diziam que ele retornava para França para trazer tanta gente, que, pela força, ele pudesse plantar a religião que eu recusei. E, para confirmar aqueles dos meus homens que ele havia ganhado, fez reconhecer uma ilhota a três léguas [20km] de mim, onde ele designava de se retirar; ele estava, então, morando em terra firme, na casa dos meus jardins, para mais comodamente conseguir seus víveres. O Jacobino [Jean de Cointa] também lá estava, o qual me advertiu deste empreendimento, me mandando que todos os meus homens lhe dessem a palavra de me abandonar, e se retirassem com ele no seu retorno. Desta forma fiz entender a Du Pont, o que eu tinha ouvido acerca disto, a saber, que se ele retornasse, jamais faria Guerra a um homem de sua companhia. Que ele deveria se contentar com o que se passou entre nós. Ele foi advertido que eu queria escrever para França para impedir seu retorno e que ele queria mandar me assegurar que jamais pensou naquilo que me disseram. Mas na hora de sua partida, quando eu já tinha distribuído minhas cartas, ele veio encontrar meus homens e dizer a cada um, primeiro em particular, e depois em geral, que eles perseverassem na fé e no Evangelho que lhes foi anunciado, que eles não se deixassem seduzir pelas minhas palavras, após a partida dos filhos de Deus, que eu expulsava, e que eles tivessem certeza que ele retornaria em dez meses, em tão boa companhia, que eu estaria muito feliz em estar enclausurado sozinho em minha ilha. Isto me foi relatado alguns dias depois, quando eu trabalhei para reduzir meus homens à sua primitive fé e religião […]” (Villegagnon, 1560, Lettre VII)
[…] estamdo no dito Rio e contradezia hos lutheranos [protestantes de Genebra] e suas openioes e os perseguia os quaes lutheranos erão todos os que estauão na Fortaleza [Forte Coligny] asy os que vyerão de framça como de genebra e elle comfesamte [Jean Cointa] veyo per mamdado do almyrante de framça per os governar e dar ordem de como avyão de viuer e fazer certas prematicas diso e se tornar pera framça / e por elle comfesamte se aleuantar per algumas vezes em fauor dos catolicos contra os pregadores seus  que pregauão a secta lutherana / elles se amotinarão  algumas vezes contra elle comfesamte / e por tres dos sobre ditos lutheranos terem conjurado amtre sy de se aleuantarem contra elle a primeira vez que elle os contradisese e lhe fosse a mão semdo elle emformado diso dise ao monseor de villa ganhão [messier Villegagnon] capitão mor da sua Fortaleza que elle pela descenção que vya amtre aquela gente e por não quererem Receber delle comfesamte a Repremsam nem a ordem que lhe querya dar da polecya e governmça da Repubrica pera que elle comfesamte fo a emvyado per o almirante se queria hir morar a terra firme e deyxalos como de feyto o fez posto que lhe elle dise que lhe pesaua diso querelo deyxar em tal tempo e que o almyrante lhe avya de pesar diso / e que emtemdese elle comfesamte nas cousas da Repubrica e que se nom emtremetese nas cousas da Relegião e as deyxase porque pera jso forão emviados os ministros de ginebra que hy estauão e que sem embargo diso se foy elle comfesamte dahy pera terra firme duas legoas dahy e fez humas casynhas pera sy e pera a sua gente pera estar ahy ate vir embarcação pera se hir pera framça e esteue ahy com sua gente que erão doze ou treze pesoas seys ou sete mezes […]” (Processo de João de Bolés, 1564, pg. 273)
“Por occasião da ultima ceia que neste paiz celebramos, aconteceu exgottar-se o vinho trazido de França, e não havendo meio de obter outro, surgiu o caso de saber se na falta de vinho poderiamos celebral-a com outros licores. Achavam uns que Christo, na instituição da ceia, dissera: - Não beberei mais do fructo da vinha, etc, e pois na ausencia do vinho melhor seria abster-nos delle do que sobstituil-o. Outros, ao contrario, diziam que quando Christo instituiu a ceia estava na Judéa, e porisso falava da bebida alli usual; se noutro paiz estivera, onde outra fosse a bebida, está claro que se referiria á bebida alli consagrada pelo uso. Embora muitos se inclinassem a este parecer, ficou indecisa a materia, sem que a divergencia affectasse a nossa união e concordia - e assim andassem hoje em tudo os que professam a religião evangelica! Para concluir o que me cabe dizer de Nicolau de Villegagnon notarei que elle, procurando occasião de desfazer-se de nós, a quem dia a dia mais detestava, declarou que não toleraria nossa presença no fortim e ordenou em fins de outubro que nos retirassemos da ilha. Embora tivessemos meios de o expulsar dalli, preferimos obedecer-lhe, não só para tirar-lhe motivos de queixa contra nós, como para não lançar macula sobre a nossa doutrina illudindo a expectativa de França sobre os que della sahiram para viver além mar na observancia da reforma. E assim deixamos o fortim que ajudaramos a construir, depois de oito mezes de estadia, e nos passamos para o continente, onde permanecemos dois mezes á espera de que partisse um navio do Havre que alli estava a carregar de pau-brasil e com cujo mestre contratamos nosso transporte. Ficamos na praia, ao lado esquerdo deste rio de Guanabara, no sitio que os francezes chamam Briqueterie, distante meia legua [3,3km] do forte. Emquanto estivemos na ilha para alli vinhamos frequentemente, de modo que os selvagens nos receberam mais humanamente do que o patricio que gratuitamente não nos poude supporter. Vinham repetidas vezes visitar-nos, trazendo-nos viveres e o mais de que careciamos.” (Léry, 1578, pg. 91-97)
“Nicolau de Villegagnon, rebellando-se contra a religião reformada, e arrogando-se autoridade sobre nós, procurou domar-nos, e como o não conseguisse nos coagiu a sahir d'alli. Tal proceder fez-nos deixar a ilha pelo continente, onde fomos nos estabelecer ao lado esquerdo de quem entra no rio de Guanabara, a meia legoa [3,3km] do forte de Coligny, no sitio chamado Olaria [Briqueterie]. Dois mezes nos abrigamos alli em casebre construidos pelos francezes para estação de suas pescarias. Os senhores de La Chapelle e de Boissy, que haviam permanecido com Villegagnon, breve tambem se viram incompatibilizados e vieram ter comnosco, adherindo ao ajuste de seiscentas libras tornezas, além de viveres do paiz, preço por quanto tratamos com um navio o nosso transporte á França. Villegagnon, constituindo-se vice-rei da America, arrogava-se tal autoridade que nenhum maritimo francez por alli estanciando ousava fazer algo sem seu consentimento.” (Léry, 1578, pg. 378)
 “Du Pont, Richier e os seus companheiros estavam já no continente, a meia legua [3,3km] de distancia do forte de Coligny, numa aldeia construida mezes antes por alguns pobres Francezes que Villegagnon expulsára da ilha como bocas inuteis e entre os quaes se contava o proprio Cointac! Este apercebera-se do mal occasionado pela sua, desenfreada ambição, quando se vio entregue ao abandono e exilado como pessoa de nenhum valor entre os selvagens, e isto por Villegagnon, de quem esperava ser cumulado de distincções e recompensas. Por isso, nesta nova phase, amaldiçoava, com grandes imprecações, o dia e a hora em que havia conhecido o almirante. Du Pont, Richier e os demais alimentavam-se, ali, de raízes, fructas e legumes que os selvagens lhes traziam a troco das suas roupas, pois aquelles não tinham mercadoria alguma nem os meios de adquiril-a, até a partida do navio.” (Crespin, 1564)
e) Ano de 1558: Partida dos huguenotes do Rio de Janeiro. Confissão da Guanabara.
Em fins de 1557 aportou na Guanabara um pequeno e velho barco, o “Le Jacques”, que empreendera a viagem patrocinado por vários líderes reformados franceses, com o propósito de explorar a terra e escolher um lugar adequado à localização de setecentas a oitocentas pessoas que deveriam vir, ainda nesse ano, em grandes urnas de Flandres, para colonizar o país. O casco do navio já estava meio carcomido, e foi carregado de pau-brasil, pimenta, algodão, macacos, papagaios e outros produtos da terra. Como o navio não pertencia à companhia de Villegagnon, este não teve como impedir o embarque dos huguenotes. O capitão concordou em transportá-los, mas estes teriam que pagar a passagem (o senhor du Pont prometeu fazê-lo quando chegassem à França) e levar cada um dois alqueires de farinha para sua alimentação. Mesmo não se opondo ao embarque, Villegagnon enviou instruções secretas para serem entregues ao primeiro juiz em França, dizendo para que se executassem os huguenotes como traidores e hereges. Esta mensagem estava numa urna à prova d’água, mas no fim da viagem ela caiu nas mãos de um juiz huguenote, e mais tarde foi usada contra o seu autor. Villegagnon havia, desde 8 de setembro de 1557, enviado um seu subalterno, de nome Aubery, para registrar secretamente as declarações “heréticas” (protestantes) de Richet, para acusar de heréticos os protestantes quando eles chegassem na França. Em 27 de dezembro Villegagnon manda La-Faucille tomar por escrito declarações de Richet sobre pontos controversos da religião para provar que eles são protestantes.
Ao nosso navio, ancorado no porto a carrregar, mandou elle licença de seu proprio punho para que pudessemos embarcar, e ainda escreveu ao mestre que nenhuma difficuldade oppuzesse á nossa ida, pois, dizia dolosamente, assim como se alegrara com a nossa vinda, pensando encontrar em nós o que buscara, assim tambem se alegrava com a nossa volta, visto não haver accordo entre nós e elle. Sob este especioso pretexto nos occultava uma traição, visto como déra ao mestre uma caixinha envolta em encerado (defeza contra o mar), com varias cartas a personalidades de cá, incluindo nella um processo formado contra nós á nossa revelia, e uma ordem expressa ao primeiro juiz de França ao qual fosse entregue para que nos prendesse e nos fizesse queimar como hereticos. De sorte que em paga dos serviços que lhe prestaramos sellava elle a nossa licença com esta deslealdade, que graças á providencia divina, só serviu para a confusão do traidor, como ao deante se verá. Ora, depois que o Jacques carregou o pau-brasil, pimentão, algodão, bugios, saguins, papagaios e outras coisas da terra, raras na Europa, que os passageiros levavam, partimos a 4 de janeiro de 1558. Antes de encetar a narrativa da viagem devo ainda dizer que foi Villegagnon o causador do nosso desatre naquelle paiz. Fariban de Rouen, capitão desse navio, tinha emprehendido a viagem a instancias de varios adeptos da religião reformada, com o proposito de explorar a terra e escolher sitio adequado á localisação de setecentas ou oitocentas pessoas, que viriam em grandes urcas da Flandres. Mas a rebeldia de Villegagnon suffocou em germem esse projecto. Creio, pois, firmemente, que não fôra o proceder de Villegagnon, estavam lá hoje dez mil francezes, elemento que impediria o forte de tombar nas mãos dos portuguezes e permittiria conservar-se em nossa posse extensa parte do Brasil, com razão merecedora do nome de França Antarctica. Voltando á viagem direi que o Jacques era um barco de pequena capacidade, tendo ás ordens do seu mestre, Martin Boudouin, do Havre, apenas vinte e cinco tripulantes. Como eramos quinze passageiros, o total de pessoas a bordo attingia o numero de quarenta e cinco.” (Léry, 1578, pg. 378-381)
 “Neste comenos, chegára do Havre um navio francez, que não pertencia a Villegagnon nem aos seus alliados. O commandante revelou-se muito favoravel a du Pont e Richier e entre elles ficou ajustado o preço de cem escudos pela passagem de dezeseis pessoas e por cuja importancia se obrigava du Pont. Restava, entretanto, obter as licenças, sem o que o embarque não se poderia effectuar. Villegagnon, sabendo que o commandante concedera as passagens, ficou sobremodo indignado e, em represália, quiz impedil-o de carregar o seu navio e de traficar com os selvagens. Estes, porém, haviam já promettido ao commandante e aos officiaes que lhes forneceriam tudo o que requisitassem. Negou, ainda, as licenças pedidas por du Pont e Richier, allegando que elles se comprometteram a fazer-Lhe companhia até a chegada dos seus navios. Mas responderam-lhe que essa razão estava prejudicada, visto que elle violára as primeiras promessas; prohibindo-os, contra a sua própria fé, de prégarem e de se reunirem em commum para oração, o que importava prival-os do maior bem que podiam desejar. E accrescentaram que, como dias antes manifestasse propositos sinistros, ameaçando-os de exterminal-os, resolveram então adoptar o expediente mais satisfatório ao almirante e a todos retirarem-se para a França pelo navio que acabára de chegar. De resto, disseram-lhe que era coisa bem estranha que ha pouco quizesse expulsal-os e que, entretanto, agora os pretendesse reter. Concluiram, pois, fazendo-lhe sentir que queriam voltar para a França com licença ou sem ella, porque assim era necessario; e, empregando palavras rudes e incisivas, declararam-lhe que, visto haver-se elle apartado da fé, não mais o consideravam suzerano e, sim, apostata, tyranno e inimigo da Republica. Em os ouvindo falar tão audaciosamente, Villegagnon não só lhes concedeu as licenças na forma em que as desejavam, mas intimou-os, até, a deixarem a ilha o mais depressa possível. Quando se retiravam, não houve mala ou embrulho que Villegagnon não revistasse, com o intuito de apanhal-os em flagrante delicto de furto. As ferramentas dos operarios e os livros de Richier e du Pont, tudo arrebatou sob o fundamento de que fôra adquirido com o seu dinheiro, segundo uma das leis que o Conselho em tempo estabelecera. A bagagem, entretanto, não poude ser transportada toda de uma vez, motivo por que dois operarios tiveram que aguardar segunda viagem do barco, no ponto de embarque, ao lado das que lhes pertenciam. Um delles era torneiro e o outro marceneiro. Em poder daquelle encontrou Villegagnon pequenos objectos de ébano torneados, os quaes o pobre homem fizera nos seus momentos de lazer, quando não trabalhava para o almirante, afim de poder arranjar algum dinheiro em França por occasião do seu regresso, pois tinha filhos a sustentar. Villegagnon, que não podia mais conter a sua ira, chamou de ladrão ao torneiro e por duas ou tres vezes levantou contra elle o punho para o maltratar. Surprehendido, todavia, por um de seus familiares, conteve-se e limitou a sua vingança a quebrar com os pés taes artigos, ao mesmo tempo que blasphemava o nome de Deus. Acalmada a colera, Villegagnon cahio em si, reconhecendo o grande mal praticado contra o operario e que o facto daria à posteridade um testemunho da sua crueldade, além de evidenciar à companhia que, si elle se imaginasse o mais forte, teria decerto passado todos ao fio da espada. No presupposto de que a lembrança desta sua iniquidade se apagaria caso indemnizasse com alguma coisa o damno do torneiro, assim ordenou que se fizesse. Os gentis homens e grande numero dos amigos e servos de Villegagnon muito se entristeceram com a superveniencia destes acontecimentos, considerando que haviam sido por elle cathechizados e instruidos, que com elle resistiram ás primeiras contrariedades, que, emfim, eram testemunhas dos desgostos, rebelliões e lutas que occorreram desde o começo e de cujos males o Senhor a todos livrára. Mas o almirante, vendo-os muito affeiçoados a Richier, procurou dissuadil-os de seguirem a heresia dos modernos, que, consoante dizia, repugnava, in totum, ás tradicções dos primeiros padres da Egreja, os quaes haviam deixado um systema absolutamente conforme aos preceitos dos Apostolos. Assim, por meios suasorios, intentava attrahil-os aos deveres religiosos. Como, porém, este recurso não désse resultado positivo, ameaçou a diversos, maltratou a alguns e a outros forçou-os a irem descobrir terras longinquas. Em resumo, não houve meio de que não lançasse mão para os obrigar a mudar de convicções, esperando obter pela prepotencia o que não lográra alcançar pela persuasão. [...] Por outro lado, Villegagnon trabalhava no sentido de impedir que o commandante os embarcasse, não trepidando de, com este objectivo, accusar tanto a officiaes como a alguns marinheiros de crimes enormes. Resultou dahi uma sublevação de uns contra os outros: queriam os officiaes manter a sua promessa, porque o seu cumprimento dar-lhes-ia não pequeno resultado pecuniario; contrarios a ella eram os marinheiros, visto não terem parte alguma nesse beneficio. Entretanto, vendo frustrado o seu plano, e reconhecendo que em vão se esforçava por mudar as convicções religiosas que implantára em seus subalternos, Villegagnon buscava ensejo de praticar um acto violento, afim de intimidal-os e movel-os a deixarem a pertinacia das suas opiniões. [...] Entretanto, Richier, du Pont e os seus companheiros estavam no continente em circumstancias muito criticas, quer pela falta de comestíveis, quer pela sua longa estadia no mesmo, a que a demora da partida do navio os obrigava; e a situação era, ainda aggravada pela exigencia feita pelos marinheiros, em virtude da qual cada um teria que arranjar uma provisão de dois alqueires de farinha, sob pena de não consentirem no seu embarque. Mas era tão intenso o seu desejo de libertação do jugo despotico do almirante, que de boa, vontade alienaram parte das suas roupas para attender à imposição dos marujos. Emquanto isto se passava, alguns subalternos de Villegagnon, que de quando em vez iam ao continente, começaram a fomentar intrigas: a Richier e du Pont diziam que o almirante lamentava não haver sacrificado todos os dezesseis e que, si lhe cahissem nas mãos outra vez, não escapariam à sua vingança; a Villegagnon referiam que du Pont e Richier se recriminavam a si mesmos pela sua pusillanimidade em terem supportado tantos aggravos de um tyranno pestillento, a quem não se devia deixar que reinasse por mais tempo, accrescentando, ainda, que estes huguenottes promettiam voltar bem acompanhados e equipados para o expulsarem e aos seus cumplices.” (Crespin, 1564)
 “Aproximando-se o dia da partida de Richier e du Pont, previo Villegagnon que elles podiam causar-lhe grandes prejuízos e annullar-lhe, em França, a boa fama que adquirira uns annos precedentes. Assim, e para obviar a este maleficio, deliberou catalogar certos pontos sobre os quaes prégára Richier e respondel-os ao sabor dos Papistas, pois sentia-se desamparado pelos Reformados. E, afim de não trabalhar em falso, instruio reservadamente um de seus amigos, o qual nestas questões se collocára ao seu lado constrangido por sérias ameaças; e encarregou-o de saber de Richier a sua opinião sobre os Sacramentos e outros artigos. O emissario do almirante, no desempenho da sua missão, procurou o ministro, a quem se revelou muito interessado em instruir-se relativamente a alguns pontos doutrinarios, de que não possuía conhecimentos bastante solidas. Richier, longe de suspeitar das intenções malevolas do inquiridor, acreditou na sua sinceridade e expoz-lhe verbalmente tudo o que pensava sobre as questões propostas. O consulente reduzio a escripto todas as respostas e, sem as mostrar ao ministro, passou-as ás mãos do almirante, que as seleccionou a seu belprazer. Soubesse Richier que o tyranno é que mandára solicitar-lhe tal parecer, e tel-o-ia escripto de proprio punho, com mais ordem e profundeza de doutrina do que o que Villegagnon publicou depois em seu livro. Ora o almirante, temendo, outrosim, que muitos dos seus subalternos o abandonassem por causa dos maus tratos, resolveu afastar dezoito de entre elles, enviando-os num navio ao rio da Prata, a 500 leguas do Polo Antarctico, e dando-lhes um pagem para os servir. Nomeára, porém, commandante a um de seus servos mais fieis, e mestre a um marinheiro que retivera da ultima viagem, homem, aliás, muito immoral e sem nenhum temor de Deus. Duplo era o fim desta, expedição: separar uns dos outros, como já referimos, e procurar minas de ouro ou prata para serem offerecidas ao rei Henrique.” (Crespin, 1564)
A 4 de janeiro de 1558 levantou âncora, para a travessia do Atlântico. O navio, após ter navegado 170 a 180km, começou a fazer água de todos os lados, estando na iminência de naufragar fosse por ser já muito velho, fosse devido ao excesso de carga. O comandante avisou que a viagem iria ser difícil e não haveria alimento para todos, pois a água destruiu parte dos alimentos. Feitos os reparos de emergência, discutiram se convinha prosseguirem viagem ou ficarem os passageiros de qualquer modo na Guanabara. A maioria dos huguenotes resolveu prosseguir viagem, mas frente à réplica do mestre do navio a respeito da insegurança da viagem, Léry e mais cinco companheiros já estavam decididos a voltar à terra dos selvagens, distante apenas 60 ou 65km, já considerando a possibilidade do naufrágio, já a da fome. Na hora da saída, um dos huguenotes estendeu os braços em amizade para Lery e fê-lo ficar a bordo. Desta forma, o historiador da expedição foi salvo de sofrer destino semelhante que seus irmãos que retornaram: Pierre Bourdon, Jean du Bordel, Matthieu Verneuil, André La Fon e Jacques le Balleur. Os outros retornaram à França, passando por grandes tempestades. Os passageiros e a tripulação foram reduzidos a comedores de couro (dos cintos, sapatos, etc.) e restos. Em 24 de maio de 1558, eles finalmente avistaram a Bretanha. Aportaram em Audierne (pequena cidade a 37km a oeste de Quimper), mais mortos do que vivos, onde compraram víveres e, finalmente, em 26 de maio entraram no porto de Blavet (isto é, Port Louis na desembocadura do Rio Blavet, perto de Lorient), na Bretanha. Todos chegaram sãos e salvos. Após se despedirem dos marinheiros bretões, os huguenotes foram para Nantes, onde foram recebidos com muitas gentilezas e foram tratados por médicos habilitados.
“E, pois, a 4 de janeiro levantamos ancora, mettendo-nos sob a protecção de Deus nesse immenso e impetuoso oceano occidental. […] No começo da viagem tinhamos de dobrar os grandes baixios que avançam trinta legoas [20km] pelo mar e muito atemorizam os navegantes; o vento, porém, nos não ajudava como convinha e estivemos a ponto de arribar. Todavia, depois de andar vogando uns oito dias, atirado de um ponto a outro pelo máu vento, sem em nada adeantar a marcha, o barco fez agua. Quasi á meia noite os marinheiros de quarto a viram irromper á popa, e com quanto luctassem com ella, fazendo mais de quatro mil zonchaduras (os que frequentam o oceano entendem este termo) não puderam exgottal-a, nem estancal-a. Cançados de dar á bomba, o contra-mestre desceu ás escotilhas e verificou que a agua abria de varios pontos com violencia, havendo tanta nos porões que o barco já não governava e lentamente afundava. Ninguem pergunte se o factonos apavorou, quando fomos despertados e notificados do perigo, pois tão evidente era elle que, certos de naufragio e sem esperanças de salvação, logo fizemos conta de perdidos. Quiz Deus, não obstante, que alguns passageiros, e eu com elles, resolutos em defender a vida, nos tomassemos de tal animo, que com duas bombas sustentamos o barco até meio-dia, ou sejam doze horas. A agua entrava com tanta abundancia que as bombas, sem parar um minuto, não sonseguiam detel-a, e corria rubra como sangue por cima do pau-brasil. Todos os nossos esforços convergiam para regressar á terra, a qual ás onze horas por fim avistamos. Entrementes o carpinteiro de bordo luctava contra as fendas abaixo do convez, tapando-as com toucinho, chumbo, pannos e outras coisas; conseguiu obstruir as mais perigosas e isso muito nos alliviou no trabalho das bombas. Mas dizia elle que estava muito velho o navio, carcomido e inapto para a viagem, sendo de parecer que retomassemos ao ponto de partida, onde o reparariamos ou tomariamos outro. O mestre, pouco assizado, objectou que caso regressasse seria abandonado dos marinheiros, preferindo, pois, arriscar a viagem; disse mais que se o senhor Dupont e os outros passageiros quizessem regressar ao Brasil lhes daria um escaler. E declarou ainda que, alem do perigo da navegação, iriamos tel-a muito demorada e mal provida de viveres, opinião que me levou a acceitar a offerta do bote, conjunctamente com mais cinco passageiros. Mettemo-nos no bote com as nossas roupas, alguma farinha e agua. No momento da despedida, entretanto, um meu companheiro muito meu amigo, penalizado da separação, extendeu os braços para o bote e disse-me: - Peço-te que fiques comnosco, porque apesar da incerteza em que estamos de aportar em França, ha mais esperanças de nos salvarmos dos lados do Perú, ou nalguma ilha, do que do poder de Villegagnon. O tempo não permittia longos discursos, e tomando uma decisão rapida deixei parte da minha bagagem no bote e subi de novo ao navio, convencido do perigo que esse companheiro previra. Os outros cinco despediram-se lacrimosos e tornaram ás terras do Brasil; chamavam-se elles Pierre Bourdon, Jean du Bordel, Matthieu Verneuil, André Lafon e Jacques Leballeur. Foram infelizes, pois aos tres primeiros Villegagnon mandou matar, como contarei no fim. O nosso navio, depois de tapadas as fendas, abriu de novo as velas, e lá fomos, como dentro dum sepulcro, mais certos da morte do que da vida. Com muita difficuldade passamos os baixios, e soffremos continuas tormentas durante todo o mez de janeiro, durante o qual o velho barco não cessou de fazer agua. Se não estivessemos sempre a tocar as bombas teriamos perecido cem vezes. Depois de muitos tormentos avistamos uma ilha deshabitada, redonda qual uma torre, que teria, no meu entender, meia legoa [3,3km] de circuito. […] A' direita lobrigamos, as duas legoas [13km], rochedos em forma de sinos, e muito receiamos que os houvesse á flor dagua e nelles fossemos dar. Pelo fim de fevereiro alcançamos o gráo 3 da linha equinoxial, tendo gasto sete semanas para fazer um terço do caminho regular, e como os viveres fossem poucos nos reunimos em conselho para resolver se arribariamos ao cabo de São Roque, onde, no dizer de alguns, não havia conseguir refresco dos selvagens que o habitavam. A maioria foi de parecer que não nos detivessemos e que para poupar os viveres matassemos parte dos bugios e papagaios que traziamos, o que foi feito. […] Proseguimos em nossa viagem e com difficuldade nos approximamos do equador; dias depois o piloto, […] nos assegurou estar o navio justamente em cima da linha e no dia equinoxial, a saber, 11 de março; […] o vento sudoeste nos tirou desses grandes calores em que nos assavamos como no purgatorio, permittindo ao navio avançar. […] Dias depois o carpinteiro, querendo alliviar-nos do trabalho das bombas, procurou remendar os buracos do porão, e ao cuidar de um, poerto da quilha, despegou-se uma peça de madeira, ahi de um pé quadrado, irrompendo do rombo um golfão de mar. Os marujos, que ajudavam o carpinteiro, subiram ao convez gritando, sem explicar o que acontecera: - Estamos perdidos! Deante disso o capitão, o mestre e o piloto trataram de pôr ao mar o escaler, e mandaram lançar á agua os toldos que nos abrigavam, alem de grande quantidade de pau-brasil e outras mercadorias no valor de mil francos, deliberados a largarem o navio e salvarem-se no bote. Saltaram para elle de roldão numerosos tripulantes, o que fez o piloto tomar de um cutello e ameaçar romper os braços aos precipitados. Vendo-nos assim á mercê das ondas, lembramo-nos do anterior naufragio de que Deus nos livrara, e puzemo-nos ás bombas com tal furor que conseguimos impedir a subida das aguas. Nem todos procediam assim. A mór parte dos marinheiros, desatinados, entretinham-se em beber á farta, sem se importarem com coisa alguma. […] O nosso carpinteiro, rapaz animoso, não abandonara o porão, como os seus ajudantes; metteu no rombo o seu capote de marujo e, a pés ambos, o comprimiu alli, conseguindo quebrar o impulso da agua, tão forte que por varias vezes o desalojou. E gritou quanto poude aos de cima, para que lhe levassem redes de algodão e outras coisas proprias para deter o jorro d'agua, de modo a permitir-lhe concertar a peça. Foi ouvido, afinal; tudo remediou e graças a elle conseguimos salvar-nos. Depois disto tivemos muita inconstancia de ventos; o navio ora rumava para leste, ora para oeste (nosso caminho era a sul); o piloto, pouco seguro no officio, não soube mais conservar o rumo e deixou-nos navegar incertos até sob o tropico de Cancer. Nessas paragens andamos por espaço de quinze dias sobre hervas fluctuantes, espessas e tão copiosas que se as não romperamos a machado alli ficariamos detidos eternamente. […] Antes de sahirmos do mar de hervas assestamos varias peças de artilharia que o barco levava, e preparamos as alcanzias e mais armas, receiosos de encontrar alli piratas. Essa precaução nos foi funesta. Quando o nosso artilheiro seccava a polvora numa panella de barro, deixou-a aquecer demais e inflammar-se. A explosão correu de uma extremidade á outra do navio, inutilizando velas e maçame- e por pouco não incendiou o breu e o unto que revestem o madeiramento, assando-nos a todos em pleno mar. Um grumete e dois marujos soffreram taes queimaduras que um delles veio a morrer dias depois. Quando a mim, se não tivesse rapidamente acudido o rosto com o meu boné de bordo, tel-o-ia em misero estado; mesmo assim chammusquei-me nos cabellos e orelhas.” (Léry, 1578, pg. 381-399)
 “Ora aconteceu logo depois que, livres das labaredas, cahimos nas brasas, como se costuma dizer. Estavamos ainda a quinhentas legoas de França quando a nossa ração de agua, bolacha e mais viveres, já escassa, foi reduzida á metade. O retardamento da viagem não provinha só do máu tempo encontrado; o piloto dirigiu tão mal a derrota que quando affirmou estarmos proximos do cabo Finisterra inda nos encontravamos á altura dos Açores, isto é, a trezentas legoas [2000km] de Hespanha. Esse erro deu causa a que em fins de abril estivessemos tão no fim das provisões, que já varriamos o paiol, cubiculo caiado e gessado onde se guardavam as bolachas, recolhendo mais vermes e excrementos de rato do que farello de pão. Não obstante, repartiamos irmãmente essa immundicie e a reduziamos a uma papa negra, amarga como fuligem. Os que ainda possuiam monos e papagaios, que vinham ensinando a falar, comeram-nos sem piedade. Em começos de maio os viveres exgottaram-se de todo e dois marujos morreram da hydrophobia da fome, sendo sepultados no mar, conforme as usanças maritimas. Fome e tormenta. Durante tres semanas, dia e noite, não somente fomos obrigados a ferrar todas as velas e amarrar o leme como ainda, por não poder dirigil-o, deixar o barco ao sabor das ondas e do vento, o que nos impedia, para maior detrimento nosso, de apanhar um só peixe. […] Estavamos tão emmagrecidos e fracos que apenas nos podiamos suster em pé; entretanto a necessidade ia suggerindo a cada um meios de encher o estomago. Este lembrou-se de coser n'agua os escudos de couro de tapirussú que traziamos, imaginando que amolleciam e podiam ser comidos. Falhou a receita. Outro se lembrou de assar o couro nas brasas e depois raspar com faca a parte tostada; os que assim comeram suas rodelas declararam a pitança parecida com os torresmos do toucinho. E foram desse modo comidos todos os escudos, cada qual dando mais apreço a um pedaço desse rijo couro secco do que o usurario o dá a bolsas cheias de escudos metallicos. […] tambem entre nós alguns chegaram a comer as gravatas de marroquim e as solas dos sapatos. Os pagens e grumetes deram cabo de todas as velas de sebo e chavelhos das lanternas, que puderam apanhar. Não obstante tamanha penuria, eramos forçados, com supremo esforço, a estar sempre ás bombas; do contrario beberiamos mais do que tinhamos para comer. […] Para cumulo de males fomos ahi batidos pelo vento nordeste, o qual nos enregelou sem allivio durante uma quinzena. A doze de maio o nosso artilheiro, que antes eu vira comer as tripas crúas dum papagaio, morreu de inanição e foi, como os precedentes, sepultado no mar; sua falta, no officio, nos era indifferente, pois se nos assaltassem os piratas render-nos-iamos gostosos, em troca d'algo para comer. Em tão longa viagem apenas avistamos um navio do qual não pudemos nos approximar por falta de forças para erguer as velas. Por fim acabaram-se as rodelas e tudo mais que era de couro a bordo, e sem illusão julgamos chegado o nosso fim neste mundo. Mas a necessidade, inventora de tudo, lembrou-nos a caça ás ratazanas, esfaimadas como nós, que andavam ás tontas procurando o que roer. Tão perseguidas foram por meio das mais engenhosas ratoeiras, e tão espreitadas por olhos mais vigilantes que os do gato, ainda mesmo á noite ao clarão da lua, que só lá uma ou outra conseguiu escapar com vida. Quando um de nós apanhava uma ratazana figurava-se mais rico do que com um boi em terra. Vi vender-se um rato por quatro escudos, e ao nosso barbeiro, que apanhara dois, houve quem lhe offerecesse em troca vestil-o em terra dos pés á cabeça, o que elle recusou, preferindo a vida a roupas. Cosiamos os ratos na agua do mar com tripas e tudo, e o guizado nos saia ao melhor lombo de carneiro. Lembro-me que o contra-mestre, ao coser um rato, cortou-lhe e deitou fóra as patas; pois logo appareceu quem as apanhasse e fosse comel-as assadas, confessando não ter provado nunca asa de perdiz mais saborosa. […] E não era só isso; durante as tres semanas de fome tambem não tivemos noticia de vinho ou agua doce; só nos restava um pequeno tonel de cistre, tão poupado e regrado que se apparecesse entre nós um monarcha não teria mais que a nossa ração diaria: um copinho. A sede nos vexava inda mais que a fome, e por isso quando chovia, apanhavamos as gottas em lençóes, bem como recolhiamos o enxurro que lavava o convez, sujo como a agua das sargetas. […] Mas, exgottados o couro de bordo e os ratos, chegamos ao extremo de só ter á mão pau-brasil, madeira dura e secca; mesmo assim muitos companheiros, urgidos pela miseria, a mascavam na falta de outra coisa. O senhor Du Pont, nosso guia, mastigando um pedaço dessa madeira, disse-me, com um suspiro: - Ah, Lery, meu amigo, tenho disto em França uma partida no valor de quatro mil francos, e permittisse Deus que a pudesse trocar por um pão grosseiro e uma pouca de vinho! Quanto ao mestre Pierre Richier, agora ministro da palavra divina na Rochella, dirá elle que por fraqueza esteve estendido a fio no seu beliche, sem poder sequer levantar a cabeça, quando fervorosamente invocava a Deus. […] A quinze e dezeseis de maio perdemos, inanidos, mais dois companheiros. Não obstante a extrema miseria eu tinha podido conservar até alli, occulto cuidadosamente, um lindo papagaio muito falador, que trazia de presente ao senhor almirante: mas o receio de que o descobrissem e m 'o furtasse, fe-me dar-lhe o mesmo destino dos outros. Sustentou-nos esse papagaio, a mim e varios amigos, durante tres ou quatro dias. Não escondo, porém, que senti um pezar immenso avistando terra cinco dias depois: estas aves resistem muito tempo sem beber, de modo que bastariam tres nozes ao meu papagaio para alimental-o por mais esse tempo. Foi isso a 24 de maio de 1558. Tivemos aos olhos as terras baixas da Bretanha, quando, já cahidos pelo convez, quasi não podiamos mover os braços ou as pernas. Muitas vezes nos tinha enganado o piloto, mostrando por terra nuvens que logo se desvaneciam, e porisso ao gritar da gavea o vigia: - Terra! Terra! julgamos ser puro gracejo - mas o vento era propicio e breve pudemos verificar que não se illudira. […] Concluida a prece, ouvimos o mestre dizer em voz alta, que se durasse mais um dia aquella situação estava elle deliberado, não a lançar sortes, como em tal miseria praticam os commandantes dos barcos, mas sem aviso matar a um de nós para alimentação dos outros. Isso não me causou a mim nenhum susto, porque, embora não houvesse a bordo nenhum individuo gordo, mais magro que eu não podia haver ninguem - e pois não seria escolhido. Como os nossos marinheiros tinham deliberado descarregar e vender o seu pau-brasil na Rochella, o mestre, com o senhor Du Pont e mais algumas pessoas, dixaram o navio e se foram num escaler ao sitio mais proximo. Hodierne, em busca de viveres. A dois dos meus companheiros, que iam nesse bote, dei dinheiro para que me trouxessem refrescos; elles, entretanto, mal se pilharam em terra, abandonaram tudo quanto tinham a bordo e desappareceram de modo que nunca mais os vi. Entrementes nos abordou um batel de pescadores, aos quaes pedimos viveres. Julgaram elles que fosse brincadeira e fizeram menção de safar-se. Nós, porém, fomos mais ligeiros e arrojamo-nos ao batel com impeto de salteadores. Nada lhes tiramos conta a vontade, e pouco achamos alem de alguns pedaços de pão negro; mas não obstante a penuria extrema que demonstravamos um delles me levou dois reales por uma isca de pão que em terra não valeria um liard. Logo voltou o escaler com pão, vinho e mais coisas - e nada disso mofou, como podeis imaginar. Ainda pensavamos em chegar até á Rochella, tendo para isso navegado já umas tres legoas [20km], quando fomos advertidos por outro barco de que havia piratas na costa. Considerando, então, que seria tentar a Deus o arriscar-nos a azares novos depois de tantos trabalhos padecidos, retornamos e nesse mesmo dia, 26 de maio, penetramos na linda enseada de Blavet. Encontramos numerosos navios de guerra vindos de varios paizes, que entravam com as salvas da artilharia e mais fanfarrices de costume, commemorativas das suas victorias. Entre elles havia um de Saint-Malo, que capturara um galeão hespanhol vindo do Perú com mercadorias avaliadas em sessenta mil ducados. A noticia correra e fizera affluir ao porto muitos negociantes de Paris, Lião e outras cidades, desejosos de adquirir d'aquellas mercancias. Alguns homens se achavam proximos do nosso navio e nos viram saltar em terra, tontos de debilidade; condoidos, deram-nos os braços, nos ajudaram a nos suster em pé, e nos aconselharam a não comermos em demasia, começando por caldos de gallinha, leite de cabra e outras coisas proprias a nos irem alargando aos poucos as tripas contrahidas. Com effeito, os que assim procederam deram-se bem, mas os marinheiros que se lançaram com furor ás comidas, dos vinte escapos da fome dez, creio eu, estouraram subitamente, victimas de empanzinação. Dos quinze do nosso grupo, entretanto, nenhum se perdeu, nem no mar nem em terra. Mas com que triste aspecto nos apresentamos em França! Só haviamos salvo a pelle e os ossos, de modo que davamos idéa de cadaveres desenterrados. Apenas respiramos o ar da terra, fomos possuidos de tal engulho pelos alimentos que, quanto a mim, ao simples cheiro do vinho que em casa me offereceram, cahi de costas sobre um bahú, fazendo pensar aos circumstantes que alli expiraria de fraqueza. Puzeram-me num leito, a mim que havia dezenove mezes não me deitava á franceza, e aconteceu o contrario da crença commum: quem está affeito á cama dura não supporta a macia. Dormi tão profundamente que só despertei no dia seguinte ao nascer do sol. Depois de tres ou quatro dias em Blavet fomos para Hanebon, pequena cidade a duas legoas [13km] d'alli, onde, durante uma quinzena, nos tratamos de accordo com os medicos. Por melhor regimem que guardassemos, meu corpo inchou da cintura para baixo, e meus companheiros incharam da cabeça aos pés. Alem disso nos sobreveio um fluxo de ventre e um desmancho de estomago que nos impediam de conservar algo dentro do nosso organismo, salvo o succo da hedera terrestris e caldo de arroz bem cosido, misturado com gemma d'ovo. Isso nos davam ás colheradas, e foi remedio que aos poucos nos fortificou. Eis contada a nossa viagem, não pequena, pois navegaramos quasi setenta e tres gráos, ou sejam duas mil legoas [13000km] francezas na direcção norte e sul. […] Nicolau de Villegagnon, como já disse, mandara numa caixa á justiça de França um processo que nos devia conduzir á fogueira. Essa caixa foi entregue a um juiz, por felicidade nossa affeiçóado á religião reformada e do conhecimento do senhor Du Pont. Aberta a caixa, apparece junto a cartas dirigidas a varias personalidades o tal processo; mas os juizes, em vez de encamparem os odios de Villegagnon, nos obsequiaram com boa mesa, alem de fornecerem ao senhor Du Pont e aos outros o dinheiro de que necessitavam. […] D'alli os nossos marinheiro tomaram o rumo da Normandia, e nós deixamos esses bretões de lingua menos intelligivel que a dos selvagens americanos par irmos a Nantes, trinta e duas legoas [210lm] além. Não fomos na posta, nem tinhamos ainda forças para dirigir e supportar o trote dos nossos cavallos, sendo mister que nos levassem pelas redeas, a passo. Sentiamos a necessidade de renovar os corpos consumidos pela fome, e ora appeteciamos coisas phantasticas, como succede com as mulheres prenhes, ora aborreciamos outras; certos companheiros, durante um mez, nem o cheiro do vinho podiam sentir. Para cumulo de miserias, ao chegarmos em Nantes os sentidos se nos transformaram e passamos uns oito dias com as ouças tão duras e a vista tão turva que nos demos por cégos e surdos. Excellentes doutores, todavia, bem como outras notaveis personalidades que continuamente nos visitavam, foram para nós de tão benigno soccorro que, quanto a mim, ao cabo de um mez já tinha a vista e o ouvido quasi perfeitos. O estomago ficou-me para sempre debilitado, mormente havendo eu, quatro annos depois, padecido nova fome do cerco de Sancerre. De Nantes partimos cada qual para onde lhe aprouve.” (Léry, 1578, pg. 399-421)
 “Concluído o carregamento do navio, o commandante embarcou du Pont, Richier e os demais fieis, ao todo dezesseis pessoas, e, levantando ferros, a nau fez-se ao largo e deixou Coligny, com grande pezar para Villegagnon e tambem para alguns marinheiros que se haviam esforçado por impedir-lhes o embarque e que iam causar-lhes muitos desgostos durante a viagem, de modo a que a recordação da mesma jámais se apagasse da memoria dos passageiros. Estes marujos eram apenas serventes e não participavam dos lucros da nau e, por conseguinte, oppunham-se ao embarque dos passageiros, tendo em vista os poucos mantimentos existentes a bordo. Demais, dizia-se que Villegagnon subornára cinco dos mais viciados, promettendo-lhes grandes vantagens, afim de entregarem du Pont e Richier à Justiça quando chegassem à França, o que ficou depois provado ser exacto. O navio, após ter navegado 25 ou 26 leguas [165-170km], começou a fazer agua de todos os lados, fosse por ser já muito velho, fosse por estar carregadissimo. Todos a bordo receavam perecer. A tripulação trabalhava dia e noite para esgotar toda a agua e perdia a esperança de conseguil-o. Commandante, officiaes e passageiros achavam-se tão amedrontados que preferiam estar ainda no porto de Coligny. Na popa havia um barco, de que os marinheiros pensaram logo apossar-se afim de fugirem para terra durante a noite; mas o commandante e os officiaes, tendo-lhes a tempo descoberto o plano, tomaram as precisas precauções, de modo a frustrar esse perverso designio. Sobreveio ainda outro mal não inferior: a agua penetrára na despensa dos biscoitos, inutilizando a maior parte destes, o que desalentou ainda mais a tripulação. Os passageiros, na sua maioria, vendo o desanimo dos marinheiros, pediram ao commandante que lhes désse o barco para alcançarem a terra, ao que se recusou peremptoriamente, por isso que seria grande o seu prejuízo si elles desembarcassem. Entrementes, communicaram ao commandante que era possível dar sahida a toda a agua e suggeriram-lhe a conveniencia de mandar embora alguns passageiros para darem logar aos outros. Richier e du Pont dispunham-se já a entrar no barco, quando a isso foram obstados pelo commandante, que os encorajou, affirmando-lhes que tudo iria melhor do que se esperava. Accrescentou, porém, que de boa vontade daria o barco a quaesquer outros passageiros que quizessem voltar para terra, visto serem insufficientes as provisões de boca existentes no navio. Cinco dos passageiros, entretanto, acceitaram o offerecimento do commandante contra o desejo dos seus companheiros, que previam que Villegagnon decerto os maltrataria. Não pensavam deste modo os cinco, mas, ao contrario, esperavam ser bem acolhidos, por isso que jamais offenderam o almirante, a quem sempre serviram com muita dedicação. Despedindo-se, pezarosos, dos seus companheiros e amigos, e recommendando-se à protecção Divina, tanto os que seguiam como os que voltavam, entraram os cinco huguenotes no barco e, retrocedendo, navegaram com rumo a Coligny, onde tres delles, como passaremos a narrar, perderam a vida pela defensa do Evangelho de Jesus Christo.” (Crespin, 1564)
O martírio dos huguenotes deve ser entendido no contexto da dramática mudança operada no caráter de Villegagnon. Os cinco huguenotes que se fizeram ao mar só depois notaram que seu escaler não tinha mastro. Eles improvisaram um, junto com uma vela, por meio de remos, camisas e cintos, e se puseram ao largo, dirigindo-se para a costa. Após muitas intempéries, cinco dias depois aportaram em uma praia dominada por alta montanha. No dia seguinte procuraram em terra agua potável e alguns frutos; nada, porém, ali encontraram. Dirigiram-se, pois, a outro lugar, rio dos Vasos, a 15km de distancia dali, onde acharam água e se demoraram quatro dias para refazer as suas forças. Vieram ao seu encontro diversos indígenas, que lhes venderam alimentos. Apesar de serem bem tratados pelos índios do lugar, eles, em virtude da enfermidade de um dos huguenotes, se dirigiram de volta para o Forte de Coligny. Navegaram em 3 dias os 200km que os separavam do Rio de Janeiro e se dirigiram direto para a Briqueterie, e ao desembarcar foram muito bem tratados por Villegagnon, que estava lá cuidando de negócios particulares.
“Ao fim de vinte dias, chegou um barco com cinco homens, dos quais eu conhecia três monges renegados, os quais vieram descer na vila dos meus homens, de onde eles [os outros huguenotes que retornaram para França] tinham partido. Eles lá me encontraram e eu lhes perguntei o que eles tinham ido lá fazer, tendo em vista a afronta que me tinha feito Du Pont quando de sua partida, e se eles tinham vindo cooromper meus homens, para estimular perturbações entre mim e eles e impedir que eles retornassem à sua primeira religião? E, também, se eles sabiam o que eu tinha feito dizer a Du Pont, após isto, e que se eles quisessem abjurar de sua religião para reter a nossa, seriam bem vindos, pois eu não estava disposto a suportar duas religiões na minha companhia. Eles me solicitaram um lugar para se retirar e assistir às suas cerimônias, o que eu recusei, sabendo o que eles podiam fazer tomando pé e fundamento, e, também, que eu aprovasse a sua religião, pois eu via a sua esperança do retorno de Du Pont. Em suma, eu os proibi de dogmatisar, ou falar de suas doutrinas a meus homens, ou de perturbar a afeição que meus homens me deviam portar, sob pena de suas vidas.” (Villegagnon, 1560, Lettre VII)
“Só me resta agora dizer da sorte dos companheiros que não tiveram animo de arrostar a travessia no Jacques e voltaram ás terras do Brasil. Por pessoas fidedignas que de lá vieram quatro mezes depois, e encontraram o senhor Du Pont em Paris, soubemos que tres delles, Bourdon, Bordel e Verneuil, fora, mandados afogar por Villegagnon; essas pessoas entregaram a Du Pont, e este a mim, tanto a confissão de fé feita por elles, como o processo que contra elles instaurou Villegagnon. Vi que emquanto resistiamos ás ondas e perigos do mar, esses fieis servos de Christo supportavam tormentos e morte cruel; lembrei-me que cheguei a estar no escaler que os regressou á terra, e rendendo graças a Deus por esta minha salvação individual, julguei-me mais que nenhum outro obrigado a registrar a confissão desses tres infelizes companheiros no catalogo dos que em nosso tempo afrontaram a morte em testemunho dos Evangelhos. Nesse mesmo anno de 58 entreguei os documentos a Jean Crespin, impressor, o qual, com a narração das difficuldades que padeceram para aportar ás terras do Brasil depois que se separaram de nós, a inseriu no livro dos martyres. Foi, pois, Villegagnon quem primeiro derramou o sangue dos filhos de Deus nesse paiz recem descoberto, e merece a denominação de Cain da America, com inteira justiça lembrada por alguem.” (Léry, 1578, pg. 421-423)
 “Os cinco huguenotes, ao deixarem o navio, podiam estar a 18 ou 20 leguas [120-130km] da costa, mais ou menos. As despedidas foram sentidissimas de parte a parte e a separação tanto mais dura quanto os perigos eram quasi iguaes de ambos os lados. Ora, os retrocedentes eram bisonhos em materia de navegação, que desconheciam quasi por completo, pois não haviam emprehendido outra viagem sinão a da França para o Brasil. Apenas sabiam dar a conveniente direcção ao barco para entrar em Coligny ou em qualquer outro porto. Demais, o barco não tinha mastros, nem velas, nem outras coisas indispensaveis; porquanto, ao descerem do navio, todos estavam ali tão occupados em estancar a agua que lhes não deram o necessario, nem os huguenotes por sua vez se lembraram de reclamal-o, tal a sua consternação nesse momento. Para solucionarem o problema, à guisa de mastro ergueram um remo, de dois arcos formaram a gavea, das suas camisas improvisaram uma vela e, juntando os cintos de todos, fizeram com elles a escôta, as bolinas, todos os cordames, emfim, da embarcação. Durante quatro dias remaram em mar bonançoso. A’ tarde do quinto, porém, quando pensavam avisinhar-se de terra, grossas nuvens, de subito, adensaram a atmosphera, sopraram ventos rijos, as vagas tornaram-se furiosas e temíveis, cahia chuva abundante e trovejava medonhamente. Perderam, então, o rumo e bem assim se viram impotentes para governar o barco, que vogava ao capricho das ondas bravias, e, nesta conjunctura, os navegantes nem se atreviam a içar a vela. A’ noite a borrasca augmentou ainda mais e passariam por estreitos e entre rochedos perigosissimos, logares onde o mais habil piloto ter se-ia visto seriamente embaraçado. Por fim, o mar em furia jogou-os a uma praia dominada por alta montanha. No dia seguinte procuraram em terra agua potave1 e alguns fructos; nada, porém, ali encontraram. Dirigiram-se, pois, a outro logar, a quatro leguas [26,5km] de distancia, onde acharam agua e se demoraram quatro dias para refazer as suas forças. Vieram ao seu encontro diversos indígenas, que muito se alegraram com a presença dos cinco desafortunados, a quem, mediante roupas, porque muito gostavam das dos Francezes, venderam assás caro raízes e farinha, pois viam que se achavam desprovidos de mantimentos. Queriam mesmo que se estabelecessem no logar, ao que os navegantes deixaram de acquiescer, assim pela importunice dos selvagens, como pela tristeza que lhes ia na alma pela falta do convívio dos seus companheiros. Decidiram-se, pois, a sahir d’ali e a buscar, em Coligny, a companhia dos Francezes, porque sentiam-se melhor entre christãos e pessoas da mesma língua. Dos retrocedentes alguns estavam enfermos, e eram estes que mais interessados se revelavam na partida, porque não podiam recobrar a fraude entre os selvagens isentos de sentimentos christáos. Os sãos não concordavam muito com esta opinião, por preverem que o almirante decerto os maltrataria, pela sua má vontade contra a Religião Reformada. Isto collocou-os em dificuldades durante alguns dias. Os doentes, entretanto, persuadiram aos seus companheiros de um modo tão affectuoso que, sem mais detença, todos deixaram este logar e navegaram rumo de Coligny, distante d’ali – rio dos Vasos – aproximadamente 30 leguas [200km]. Os selvagens tentaram oppor-se à sua partida, a qual os desgostou immenso. Em virtude dos fortes ventos e grandes marés peculiares a essas paragens, gastaram os huguenotes tres dias para vencer as trinta leguas. Entrados no porto de Coligny, não sem grandes difficuldades e enormes perigos, e mesmo sem terem certeza absoluta si esse era ou não o porto, pois densa era a cerração, entregaram-se a ventilar esta mesma duvida. Desfez-se o nevoeiro e, então, avistaram o forte de Coligny e, no continente, a aldeia dos Francezes existente a pouca distancia da fortaleza. Desembarcaram logo e encontraram na aldeia a Villegagnon, que fôra lá a negocios particulares. Apresentaram-se a elle e referiram-lhe as causas determinantes da sua volta e qual o perigo em que haviam deixado a nau que os levára. Exortaram-lhe, pois, que os recebesse de novo no numero dos seus servidores, tanto mais que, em voltando para os seus serviços, faziam-n’o porque as suas consciencias não os accusavam de o terem jámais offendido. Accrescentaram, ainda, que prefeririam viver com os Francezes do que entre os Portuguezes ou de voltar para os naturaes do paiz que, no rio dos Vasos, lhes haviam dispensado bom e honesto tratamento; e mais: que, si, por causa da religião, os quizesse rejeitar ou maltratar, deveria recordar-se que os mais sabios não tinham ainda decidido os pontos originarios das discussões havidas e que elle proprio não fôra nunca de um só parecer sobre taes artigos nos annos precedentes. Permittíram se, além disto, ponderar-lhe que não eram Hespanhóes, nem Flamengos, nem Portuguezes; tampouco eram Turcos, atheistas ou epicuristas; sim, porém; christãos baptisados em nome de Jesus Christo; naturais da França, como bem o sabia. Não eram desertores da sua patria, nem esta às expulsára por qualquer infamia ou acto deshonroso. Mas alguns delles haviam deixado mulheres e filhos para o servir nessa terra longinqua, onde tinham cumprido o seu dever, tanto quanto lh’o permittiram as suas forças. Finalmente, procuraram o favor do almirante, lembrando lhe que os infelizes atirados a qualquer porto estrangeiro pelas tempestades, os despojados dos seus haveres pela violencia das guerras e calamidades outras, são sempre recebidos com os carinhos dispensados a companheiros ; e taes eram elles, pois nesse numero deveriam ser arrolados, porque, além da perda de todos os seus haveres, o mar puzera-os em miserrimo estado. Sem embargo – concluíram – offereciam a elle, Villegagnon, os seus serviços e supplicavam-lhe que lhes permittisse viver como seus servos, até que o Senhor Jesus lhes deparasse o meio de regressarem para a França. Depois de os haver escutado, Villegagnon respondeu-lhes com doçura e honestidade, dizendo que rendia graças a Deus porque os salvára dentre os outros e porque os conduzira em alto mar até o excellente porto de Coligny, a elles que não sabiam governar a embarcação. E, após ter-se informado de tudo o que occorrera e sobre a sorte do navio, consolou-os e permittio-lhes que vivessem com as mesmas prerogativas e liberdades dos demais Francezes.” (Crespin, 1564)
Mas em pouco tempo ele se virou contra eles. Primeiro tomou o escaler que lhes pertencia, e depois de doze dias começou a achar que eles eram espiões dos huguenotes que se haviam retirado com o “Le Jacques”. Sendo o representante de Henrique II na ilha, era seu dever provar a fé dos huguenotes, e vendo nisto a oportunidade de se livrar deles formulou um questionário com vários pontos controversos, enviando-o aos huguenotes e dando-lhes o prazo de 12 horas para respondê-lo. Os franceses que estavam com eles em La Briqueterie tentaram dissuadí-los a responder o desafio do almirante, mas estes não fugiram ao desafio. Eles escolheram Jean du Bordel para redigir a confissão, por ser o mais letrado e conhecer o latim. Esta foi a Confissão de Fé da Guanabara ou Confissão Fluminense de 1561. Bordel após redigí-la, submeteu-a a seus companheiros, que a assinaram. Não está claro se Jacques Le Balleur teve envolvimento na redação da Confissão, já que a data exata de sua fuga não é conhecida. Ela contém dezessete artigos, refletindo a doutrina calvinista. A Confissão de Fé da Guanabara foi redigida depois de 4 de Janeiro e antes de 9 de Fevereiro; a data exata costuma ser referida como sendo 17 de Janeiro de 1558. O almirante declarou heréticos vários artigos e decidiu pela morte dos reformados. A Confissão de Fé e o processo instaurado por Villegagnon contra Jean du Bordel, Matthieu Verneuil e Pierre Bourdon foram entregues ao Senhor Du Pont, cerca de quatro meses depois de sua chegada à França, por pessoas de confiança que tinham ficado no Rio. Estes foram testemunhas oculares do martírio dos huguenotes no Forte Coligny. Depois Du Pont entregou a Confissão de Fé e os processos a Lery, que se sentiu no dever de que este relato constasse no livro dos que foram martirizados na defesa do Evangelho. Em 1558 ele entregou os manuscritos a Jean Crespin, que a inseriu no seu livro.
“Temendo que se passassem para os Portuguezes ou Brasileiros, usou de persuasiva linguagem, asseverando-lhes que com prazer ouvira as causas da sua volta, de que se maravilhava tanto mais por serem verdadeiras, e que mesmo no caso que fossem inimigos, tel-os-ia recebido em attenção ao que lhes sobreviera e assegurar-lhes-ia a hospitalidade. Observou-lhes, outrosim, que, comquanto elles e os seus companheiros se houvessem retirado descontentes e quasi como inimigos, e, portanto, lhe assistisse o direito de hostilizal-os por cahirem em suas mãos, estava prompto a esquecer as injurias passadas e a pagar o mal com o bem, entregando a Deus a Vingança, contra os seus desaffectos. Outorgava-lhes, pois, todas as regalias partilhadas pelos demais Francezes, com a condição, porém, de não revelarem nunca propositos religiosos, sob pena de morte, e de se conduzirem tão prudentemente que lhe não déssem ensejo de maltratal-os. Villegagnon apoderou-se do barco que, de direito, pertencia aos cinco. E, embora os visse embaraçados para adquirirem mantimentos, jámais lhes restituio siquer um prego. Esperançados, todavia, permaneceram em terra, onde começaram a recuperar as energias perdidas, dispersando lhes os compatriotas, servos de Villegagnon, boa acolhida e fornecendo-lhes roupas, viveres e outras coisas, segundo as suas posses. Mas esta quietitude durou apenas doze dias, porque no cerebro do almirante, a partir do momento em que os interrogára, turbilhonavam as mais tetricas conjecturas sobre os informes ministrados pelos retrocedentes, quanto ao navio em que haviam partido os huguenotes. Radicou-se-lhe a convicção de que tudo o que os cinco narraram era falso e adrede preparado. Via fraude nas palavras dos cinco e acreditou que ella era obra de du Pont e Richier, visto haverem-se retirado do Brasil contra a propria vontade, pois esperavam estabelecer-se definitivamente nessa terra, para gozarem do seu bom clima e como logar de seu futuro descanso. E taes fantasias persuadiram-n’o a crer que os cinco não eram sinão espiões, os quaes iam entender-se com os Francezes que não acompanhavam a sua devoção, para em certa e determinada noite, numa acção conjuncta: os de terra, os' do navio de du Pont e Richier, que elle suppunha escondido à distancia de tres ou quatro leguas, com o reforço dos que elle enviára ao rio da Prata – tomarem de assalto a fortaleza, destruindo-a mesmo e aos que fossem do seu partido. De tal modo esta opinião dominava o espírito de Villegagnon que a suppoz verdadeira e nella occupava todo o seu pensamento. Desconfiava de seus servidores mais antigos e fieis, irando-se ora contra um, ora contra outro. Pela mínima coisa injuriava-os e ameaçava-os com pauladas, grilhões e outros castigos barbaros. Tão desarrazoado era o seu proceder que todos prefeririam que a terra se abrisse e os tragasse, do que supportar um tyranno tal como Villegagnon. Occupando se, de dia, em maltratar a sua gente, as noites eram-lhe tambem horríveis. Qual sanguinário e os destituidos do Espírito Divino, ás vezes sonhava que o decapitavam e que Richier e du Pont, com grande numero de pessoas, o sitiavam sem lhe propor qualquer acommodação. Em seu falso presupposto de que os cinco Calvinistas eram traidores e espiões, entendeu que era imprescindível assassinàl-os para manter a sua grandeza. Estudou muitos meios para fugir à queixa e recriminações dos homens, a quem desejava convencer que aquelles incorreram em traição. Entretanto, considerando que isto não se podia provar por simples conjecturas ou verosimilhanças, e que, por conseguinte, si lançasse mão de tal recurso, não haveria como evitar a nota de infamia, mesmo pelos indifferentes em religião, lembrou-se elle que os cinco eram da opinião de Luthero e Calvino e que, como logar-tenente do rei em Coligny, poderia, em face das ordens emanadas de Francisco [I] e Henrique II, exigír-lhes a razão da sua fé, confessada em publico, em que sabia estarem maravilhosamente firmes e que nunca a renegariam embora lhes custasse a vida. Achára, portanto, o meio de eliminal-os, e até com grande honra para elle, segundo pensava; porque sabia que a maioria da Côrte teria grande prazer no sacrificio dos Reformados. Isto, porém, é um testemunho inilludivel de que Villegagnon, ao contrario do que declarára tantas vezes perante o mundo, jámais teve em seu coração o mínimo temor de Deus e muito menos o desejo de ampliar o reino de Jesus Christo. Com intuito de pôr em execução o seu maligno projecto, formulou um questionario sobre materia de fé e enviou o aos cinco Calvinistas, assignando-lhes o prazo de doze horas para que o respondessem por escripto. Os artigos respectivos conhecer-se-ão pela Confissão de Fé mais adiante exarada. Os Francezes do continente procuraram dissuadil-os de darem as razões da sua fé ao tyranno, que outra coisa não buscava sinão tirar-lhes a vida, e aconselhavam-n’os a se retirarem para os indígenas, d’ali afastados trinta ou quarenta léguas [200-265km], ou então a se entregarem à mercê dos Portuguezes, por quem seriam incomparavelmente mais bem tratados do que pelo despota e cruel Villegagnon. Não acceitaram, porém, estes conselhos. Jesus Christo encheu-os de forte animo e simplesmente admiravel era a confiança que revelavam. Podendo escapar ás garras de Villegagnon, que não podia tolher-lhes a fuga, preferiram, entretanto, manter-se firmes no seu dever, por comprehenderem que era chegada a hora em que importava offerecerem uma prova do precioso conhecimento que o Senhor lhes dera das coisas espirituaes. Depois de impetrado o auxilio do Espírito de Jesus Christo para serem abundantemente inspirados, começaram, da melhor boa vontade, a elaborar a resposta ás questões de Villegagnon. Estes envolviam os pontos mais difficeis das Santas Escripturas e mesmo um grande theologo, com todas as obras necessarias à mão, ver-se-ia embaraçado para, de modo amplo, os responder em um mez. Entretanto, os cinco fieis apenas dispunham de um exemplar das Sagradas Letras para se recordarem das passagens mais apropriadas, e não eram theologos mas apenas leigos, alguns dos quaes se achavam doentes e outros conturbados pela previsão do que lhes ia acontecer. Para redigir a resposta, elegeram Jean du Bordel, não só porque era o mais velho de entre elles, como em razão de ser o mais letrado e de possuir conhecimentos da língua latina. Aliás, era o que mais se distinguia pelos seus dons e attractivos peculiares. Frequentemente, quando via os seus companheiros um tanto esmorecidos, procurava despertal-os, infundindo-lhes coragem e emprazando-os a se manterem sempre fieis ao Divino Mestre, em quem depositavam toda a confiança. Jean du Bordel, concluida a redacção da resposta aos artigos do almirante, procedeu repetidas vezes à sua leitura perante os seus companheiros, interrogando-os a proposito de cada ponto. Todos acharam catholica a Confissão e fundada na Palavra da Verdade, declarando-se, mesmo, dispostos a morrer, caso fosse esta a vontade de Deus. Cada um a assignou de seu proprio punho, para significar que a recebiam como propria. [...] Em seguida foi esta Confissão enviada ao almirante, que ponderou todos os seus termos a seu modo, guiado sempre por um intento perverso. Declarou hereticos e pestíferos varios artigos, notadamente os relativos aos sacramentos e aos votos, que lhe causaram grande horror. Não tinha pejo em referir que se não devia permittir vivessem por mais tempo os seus signatarios, afim de não serem os outros da companhia attingidos pelo seu veneno. Tendo, pois, resolvido em definitivo tirar-lhes a vida, procurou ingenuamente dissimular o seu sinistro proposito, pois receava que alguem os prevenisse da traição contra elles preparada. Não comunicou mesmo coisa alguma a quem quer que fosse e manteve o sigillo, até a sexta-feira trágica – 9 de fevereiro de 1558.” (Crespin, 1564)
Na quinta-feira 8 de fevereiro eles foram conduzidos ao forte – Pierre Bourdon ficou em terra por estar enfermo. Ao se apresentarem ao almirante, reafirmando o desejo de se manterem fiéis à confissão, receberam todo o ódio de Villegagnon. Os huguenotes foram acorrentados nos pés e presos e o terror tomou conta dos moradores da ilha. Na manhã seguinte, 9 de fevereiro de 1558, sexta-feira, Villegagnon tentou levar os huguenotes a abjurar a confissão, mas eles se mantiveram firmes. Após esbofetear violentamente du Bordel, ordenou ao carrasco que algemasse as mãos do homem e o conduzisse a uma rocha para lançá-lo ao mar. Este, após estimular os outros companheiros, cantou um Salmo, confessou seus pecados, foi estrangulado e lançado ao mar. Matthieu Verneuil também foi conduzido à rocha, e após reafirmar o desejo de não se retratar, sofreu igual morte. André La Fon foi considerado inofensivo por Villegagnon, que não mandou matá-lo, e o manteve a seu serviço, pois ele era o único alfaiate na ilha.
“Três dias depois [do retorno dos 5 huguenotes], eu fui advertido, por um dos meus, que eles diziam que meu Jesus Cristo era um saltimbanco, que ele gozava de flexibilidade, pois estava em tantos lugares a um mesmo tempo, e que ele se fazia invisível, e que se devia obedecer mais a Deus que aos homens, e que, erradamente e contra Deus, eu os proibia de me anunciar os Evangelhos, persuadindo aos meus homens de se retirar, com certos intérpretes banidos [na conspiração do ano anterior], a um lugar para onde deveria chegar Du Pont, quando do seu retorno. E, também, que se eu lhes quisesse fazer mal, neste entretanto, que eles se defendessem e excitassem os selvagens contra mim. Tendo ouvido isto, eu os fiz chamar para minha ilha, e, feito o processo dos três monges, eu os fiz afogar; eu conservei os outros dois que não me pareceram tão perigosos.” (Villegagnon, 1560, Lettre VII)
“Informado de que na vespera deste dia [9 de fevereiro], pela manhã, o seu barco iria ao continente para transportar mantimentos, ordenou aos tripulantes que lhe trouxessem Jean du Bordel e os seus companheiros, todos domiciliados na aldeia dos Francezes. Ao receberem a intimação, e presentindo que iam ser julgados pela sua Confissão de Fé, ficaram em extremo atemorizados e trementes. Os Francezes, chorando, dissuadiam-n’os, com grande instancia, de se encaminharem ao matadouro. Mas Jean du Bordel, homem virtuoso e possuidor de uma confiança maravilhosa, rogou aos Francezes que descontinuassem de intimidar os seus companheiros, a quem exhortou e animou não só a comparecerem perante o tyranno, mas a se resignarem a, morrer, si tal fosse a vontade divina. [...] Esta breve allocução encheu de inenarravel consolo os seus companheiros, e todos, com muito zelo e grande vehemencia, oravam ao Senhor, pedindo-lhe os assistisse com o seu Santo Espírito, para que este os inspirasse a externarem perante os homens o conhecimento precioso que lhes havia dado do seu Evangelho. Depois, como o barco os estivesse esperando, transportaram-se nelle para a ilha de Coligny os Calvinistas Jean du Bordel, Matthieu Verneuil e André La Fon, tendo ficado enfermo, no continente, Pierre Bourdon, por cuja causa não poude então embarcar. Chegados à ilha, Villegagnon fel-os comparecer à sua presença. Apontando para a Confissão de Fé que segurava em uma das mãos, perguntou-lhes si fôra escripta e assignada por elles e si estavam promptos a sustental-a. Todos lhe responderam na affirmativa e cada um reconheceu a sua propria assignatura, pois reputavam christã a Confissão, visto haver sido extrahida das Santas Escripturas e porque era concordante com os ensinos dos apostolos e martyres da Egreja Primitiva. E por isso mesmo estavam firmemente resolvidos a mantel-a, com a graça de Deus, em todos os seus pontos, ainda mesmo que o Senhor permittisse que o seu testemunho lhes custasse a vida. Não se recusavam, entretanto, a submeter-se aos que tivessem mais luzes do que elles da Palavra de Deus. Diante desta declaração, demonstrou o almirante, pela subita mudança da sua physionomia, a grandeza do seu odio irreprimível, e ameaçou-os de morte immediata, caso se obstinassem em sustentar a sua opinião infeliz e damnosa, como a qualificava. A seguir ordenou ao carrasco que lhes prendesse as pernas com grilhões e que em cada cadeia dos mesmos collocasse um peso de 50 a 60 libras [23-27kg]. (Villegagnon dispunha de muitos instrumentos de tortura com os quaes castigava os selvagens, em vez de procurar attrahir estes ás doces influencias da Religião Christã). E não satisfeito com os haver agrilhoado, mandou ainda encerral-os numa prisão estreita e escura, com sentinellas à vista convenientemente armadas. Entretanto, os condemnados consolavam-se e regosijavam-se em suas cadeias, orando e cantando, com extraordinario fervor, psalmos e louvores a Deus. Os da ilha ficaram muito consternados com este acto e todos se possuíram de grande temor. Sem embargo, alguns delles, aproveitando os momentos em que o almirante repouzava ou se occupava em outros assumptos, visitavam os prisioneiros, fornecendo-lhes alimento, consolando-os e dando-lhes esperança. Não havia, porém, no forte uma pessoa de certa preponderancia e autoridade que pudesse demonstrar a Villegagnon a enormidade da sua injustiça e tyrannia. Assim, os condenados não podiam contar, na fortaleza, com o auxilio de quem quer que fosse. Além disto, Villegagnon prohibira, sob pena de morte, a sahida, naquelle dia, de qualquer embarcação, para que os do continente ignorassem o que ali se passava. Visivelmente excitado, o almirante dequando em vez passeava em torno da fortaleza, indo repetidas vezes verificar si as portas das prisões estavam bem fechadas e si as fechaduras não haviam sido forçadas. Apoderou-se das armas que os soldados e os artezãos tinham em seus quartos para a defesa do fortim. Era o receio de que o povo se sublevasse contra elle. Tudo assim disposto, começou Villegagnon a reflectir sobre o genero de morte a applicar aos sentenciados: decidio, por fim, estrangulal-os e, afogal-os no mar, pois o seu carrasco não possuía o conveniente preparo para os eliminar por outro meio. Firme nesta resolução, não descançou durante a noite, mas, de hora em hora, mandava examinar, as prisões. Entrementes, Jean du Bordel continuava a exhortar os seus companheiros, concitando-os a louvarem a Deus pelo privilegio que lhes concedia de serem achados dignos de soffrer pelo seu Santo Nome num paiz barbaro e estrangeiro; e dava-lhes, outrosim, a esperança de que Villegagnon não seria tão louco e deshumano que os executasse, mas sómente, decerto, se limitaria a escravizal-os por toda a vida. Os companheiros, porém, não acariciavam tal esperança, porque conheciam sobejamente o natural de Villegagnon, tanto mais que ha muito procurava elle o ensejo que então se lhe deparára. Na manhã do dia seguinte (sexta-feira), bem armado e acompanhado de um pagem, desceu Villegagnon a uma pequena sala, onde fez comparecer, em cadeias, a Jean du Bordel, a quem exigio explicasse – e provasse com as palavras de Santo Agostinho – o artigo sobre os sacramentos, na parte em que asseverava que o pão e o vinho eram signaes do corpo e sangue de Jesus Christo. Ia Jean du Bordel citar a passagem para confirmar a asserção, sinão quando o almirante, num accesso de colera, o desmente, vibrando-lhe ao mesmo tempo, em pleno rosto, tremenda bofetada, em consequencia da qual o sangue jorrou, abundante, do nariz e da boca do paciente. E, em lhe batendo, pronunciou estas palavras: "Mentes, impudico! Santo Agostinho jámais o entendeu assim, e hoje, antes que eu prove qualquer alimento, dar-te-ei o fructo da tua obstinação!" Du Bordel, deste modo ultrajado, preferio remeter-se ao silencio. E como, pelas faces, lhe rorejassem, com o sangue, tambem algumas lagrimas, tal a violencia da aggressão, o almirante, zombando, chamou-o de homem effeminado e tão sensível que chorava por um simples piparote. De novo Villegagnon lhe perguntou si continuava a manter o que escrevera e assignára. Du Bordel respondeu-lhe affirmativamente e que de parecer não mudaria ate que o convencessem, pela autoridade das Escripturas, que laborava em erro. Diante da sua irreductivel firmeza, ordenou Villegagnon ao carrasco que algemasse os braços e as mãos do paciente e que o conduzisse à rocha que elle, almirante, havia já designado e acima da qual, nas preamares, as aguas se elevam tres pés [90cm]. De armas na mão, Villegagnon e seu pagem acompanharam-n’o até o rochedo. Mas Jean du Bordel, ao passar junto da prisão em que estavam os seus companheiros, gritou-lhes em alta voz que tivessem coragem, pois iam ser logo libertados desta vida miseravel. E, caminhando para a morte, entoava psalmos e louvores a Deus, o que causava grande espanto a Villegagnon e ao carrasco. Quando já sobre o recife, foi-lhe apenas permittido que, antes de partir deste mundo, se dirigisse a Deus em oração, pois o almirante apressava o carrasco; e, assim, de joelhos, fez Jean du Bordel confissão de seus peccados a Deus, a quem impetrou graça e perdão em nome de Jesus Christo, em cujas mãos entregava o seu espírito. Depois, posto em camisa, entregou-se à mercê do carrasco, pedindo-lhe, entretanto, não o deixasse desfallecer. O almirante, vendo que a execução se prolongava muito, ameaçou ao carrasco de mandar açoital-o, caso não a concluísse logo. Então, num movimento brusco, o algoz atirou ao mar o paciente que invocava o auxilio de Jesus Christo, até que, asfixiado, e de modo tão violento e cruel, rendeu o espírito ao Creador. Executado Jean du Bordel, o carrasco conduzio ao rochedo Matthieu Verneuil, que estava assombrado com a morte do seu companheiro. Comtudo, permaneceu firme e confiante. Já no logar da execução, o almirante, que não tinha contra Verneuil o mesmo profundo odio que votava a Jean du Bordel, interrogou-o sobre si queria arruinar-se e perder-se. Elle, porém, repellio o nobremente. Entretanto, isto não impedio que, ao despir-se sobre o recife, se arreceiasse da morte e pedisse as razões por que o executavam: "Senhor Villegagnon", disse elle, "acaso havemos nós praticado algum roubo ou ultrajado o menor de vossos servos? acaso havemos nós conspirado contra a vossa vida ou procurado a vossa deshonra? Si assim é, trazei aqui os nossos acusadores." "Não, desbriado!" respondeu Villegagnon, "tu e os teus companheiros não experimentaes a morte por nenhuma destas coisas, mas, sim, porque, sendo umas pestes perigosissimas, e estando separados da Egreja, importa sejaes cortados como ramos podres, afìm de não corromperdes o resto da minha companhia." Mas Verneuil retorquio-lhe: "Ora, visto que vos acobertaes com o manto da Religião, dizei-me: Não é verdade que ha oito mezes passados fizestes ampla e publica confissão desses mesmos pontos doutrinarios pelos quaes nos daes a morte?" Em seguida orou: [...] E, voltando-se para Villegagnon, pedio-lhe não o fizesse morrer mas o tornasse por seu escravo. Villegagnon, confundido, não sabia o que responder ás petições lancinantes do pobre paciente, sinão que o considerava menos do que ás immundicias do caminho e que, por isso mesmo, nenhum serviço tinha em que pudesse aproveital-o. Sem embargo, si Verneuil quizesse retractar-se da sua Confissão de Fé e declarar que estava, em erro, promettia-lhe pensar no assumpto. Verneuil, então, vendo que a esperança que se lhe dava, além de problematica, lhe era prejudicial à salvação da alma, declarou, de modo resoluto e altissonante, que preferia antes morrer para viver eternamente com o Senhor, do que conservar a vida do corpo por mais algum tempo e morrer espiritualmente para sempre com Satanaz. Após orar de novo sobre o rochedo e de recomendar a sua alma a Deus, entregou-se ao carrasco e, gritando: "Senhor Jesus, tem piedade de mim", rendeu o espírito. [...] O terceiro huguenote, André La Fon, alfaiate, foi conduzido pelo carrasco ao mesmo logar de supplicio. Pelo caminho pedia que, si a alguem tivesse offendido, lhe perdoassem, visto ser do agrado de Deus que elle morresse por causa da confissão do seu Santo Nome. Ora Villegagnon quizera poupar a este em virtude dos serviços profissionaes que lhe podia prestar, visto que entre a sua gente não havia nenhum alfaiate; comtudo, não podia deixar ele castigal-o, para que se não dissesse que era de uma parcialidade iníqua. Murmurava-se que elle ordenára a um de seus pagens revelasse a La Fon o seu intento. Esse pagem e um outro advertiram ao paciente que, si quizesse salvar a vida, deveria dizer a Villegagnon que elle, alfaiate, não era muito versado nas Escripturas para responder a todas as questões que lhe fossem propostas. La Fon, porém, não deu ouvidos a estes conselhos, entendendo que o perdão dos homens não era o que lhe importava e, sim, o de Deus. Os pagens fizeram retardar a chegada do carrasco e, neste comenos, foram procurar Villegagnon, que se achava perto, supplicando-lhe poupasse o alfaiate; porquanto, após alguma reflexão, não se revelava obstinado nas suas idéas e poderia com o tempo abandonal-as por completo, mesmo porque não tinha estudos. Demais, allegavam que o alfaiate ser-lhe-ia muito util e substituiria outro que lhe acarretasse grandes despesas. A princípio o almirante indeferio rudemente este pedido, asseverando que La Fon estava muito dominado pela opinião dos seus companheiros, o que sobremodo o desgostava. Entretanto, como o reconhecia homem pacifico, perdoal-o-ia caso confessasse o seu erro; do contrario, seria morto. Neste sentido, ordenou fosse o paciente inquirido antes de ser estrangulado pelo carrasco. Entenderam-se, pois, estes dois pagens com o alfaiate, a quem rogaram e concitaram a retractar-se ou a prometter reconhecer o seu erro, ou, pelo menos, a protestar que não desejava ser ferrenho na sua opinião; porque, de outro modo, accrescentaram elles, não haveria possibilidade de salvar-se. Finalmente, La Fon deixou-se persuadir por estes conselhos e, para escapar à morte, condescendeu em declarar que não desejava ser pertinaz e obstinado em suas idéas calvinistas e, emphaticamente, se compromettia a retractar-se, quando lhe provassem os seus erros pela Palavra de Deus. Villegagnon; entendendo que o paciente se revelava disposto a abjurar o que antes abraçára com tanta confiança, ordenou ao carrasco que lhe tirasse as algemas e o deixasse ir em paz, ficando-lhe, porém, por prisão a fortaleza, onde permaneceu captivo e como alfaiate do almirante e de toda a sua gente. Tudo isto se passou antes: das nove horas da manhã desse dia, para que a maioria das pessoas existentes na ilha não fosse avisada de taes execuções. Mas, quando se espalhou a noticia de tamanha crueldade e barrbaria, todos mui justamente se recrimínavam a sí mesmos, por motivo de não ter havido alguem entre elles que oppuzesse embargos à effusão do sangue innocente. Entretanto, como ali não houvesse pessoa alguma capaz desta attitude, deixaram-se todos ficar nas suas casernas, sem ousarem externar uma palavra do que pensavam. E, assim, poude Villegagnon praticar, sem a mínima difficuldade e conforme melhor lhe aprouve, tão hedionda crueza.” (Crespin, 1564)
Após estas execuções, Villegagnon atravessou o braço de mar e foi à terra firme, na casa onde Bourdon se abrigava, doente e sem condições de andar, trazendo-o carregado para o forte. Como este não queria renegar a confissão de fé, foi estrangulado pelo carrasco, e seu corpo atirado no mar. Jacques Le Balleur havia fugido para junto dos Portugueses em São Vicente. Levado preso para a Bahia, ficou encarcerado por oito anos, sendo então conduzido ao Rio de Janeiro, onde foi enforcado. Ele e seus companheiros ficaram conhecidos como os mártires calvinistas do Brasil. A sua história é relatada no capítulo "Tragédia na Guanabara", de autoria ainda não desvendada, mas supostamente escrito por Jean de Léry. Outras teses indicam o nome do pastor Pierre Richier e o do próprio Jean Crespin, editor de livros, que publicou este relato no livro História dos Mártires, de sua autoria. Isto praticamente marcou o fim da colônia francesa, pois quando os pastores calvinistas regressaram à França no início de 1558, Villegagnon dispunha apenas de oitenta homens, entre franceses e escoceses.
Não estava, porém, concluído todo o sacrifício sanguinolento sobre o rochoso cadafalso de Coligny: restava ainda executar o quarto huguenote, Pierre Bourdon, torneiro; a quem o almirante votava um odio profundo. Aquelle ficára no continente muito enfermo e não pudera por isso embarcar com os seus companheiros. Para completar a execução, o almirante dirigia-se a terra num bote em que o acompanhavam alguns marinheiros, pois receava que o torneiro, na sua ausencia, houvesse conquistado sympathias entre os seus servos, que bem poderiam oppor-lhe resistência. Penetrou elle em casa de Bourdon seguido do subalterno que commandava os outros marujos, os quaes não sahiram do barco. Ali exigio que lhe trouxessem o doente, que estava semi-morto. A primeira saudação que lhe dirigio foi ordenar-lhe que se levantasse para embarcar no bote immediatamente. E, como Bourdon lhe fizesse ver por palavras e pelo seu estado que se considerava inutil, no momento, para qualquer trabalho, respondeu-lhe o almirante que era para o tratar que o conduzia. Constatando, porém, que elle não podia ter-se de pé, e menos ainda caminhar, fel-o transportar até a chalupa. Quando o carregavam, perguntou o doente si lhe destinavam alguma occupação. Mas ninguem lhe respondeu uma só palavra. Durante a viagem interrogou-o Villegagnon sobre si queria manter a Confissão de Fé que assignára; e o torneiro retorquio-lhe que pensaria nisso. Não obstante, sem o menor aviso, tão logo chegaram à fortaleza, o carrasco, segundo a ordem prévia que recebera do almirante, algemou o torneiro, levando-o ao mesmo logar de suplicio e recommendando-lhe que pensasse na alma. Então, o condemnado, olhos fitos no céo e braços cruzados, não se entristeceu, presentindo que naquelle mesmo logar os seus companheiros haviam alcançado victoria sobre a morte. Depois, em alta voz, recomendou o seu espírito ao Creador, dizendo: [...] Após esta prece, voltou-se para Villegagnon e inquirio-o sobre o motivo da sua morte. Foi-lhe respondido que a razão era a assignatura que lançára numa Confissão heretica e escandalosa. Queria o paciente saber o ponto doutrinario pelo qual fôra elle considerado hereje, visto que não havia sido examinado a respeito do mesmo. Suas observações, porém, não tiveram effeito algum, porque não era mais tempo de discussão e, sim, de pensar em si proprio, como dizia ao torneiro o almirante, ordenando em seguida: ao carrasco que se désse pressa em fazer a execução. Pierre Bourdon, vendo que as leis divinas e humanas, que todas as prescripções civis e christãs estavam como sepultadas, submetteu-se resolutamente ao algoz, que, depois de o haver suffocado e estrangulado, lançou ao mar o seu corpo, tal como fizera aos outros dois fieis. E, assim, este martyr expirou no Senhor. Estava, finalmente, consummada a tragedia sangrenta e tenebrosa. ViIlegaignon experimentou, nesse momento, um grande allivio em seu espírito, quer por ter executado o que ha longo tempo premeditára, quer por haver dado aos que o cercavam uma prova do seu poder e da sua tyrannia. As dez horas desse dia – sexta-feira, 9 de fevereiro de 1558 – o almirante reunia toda a sua gente, a quem dirigia a palavra, exhortando a todos a evitarem a seita dos Lutheranos, de que deveriam fugir e à qual elle proprio adherira em tempo, mas de cujo acto se penitenciava, pois não havia perlustrado os escriptos dos Padres da Egreja Primitiva. E a quantos se obstinassem nas idéas dos Reformados ameaçou de morte ainda mais horrenda que a inflingida aos tres martyres, assegurando-lhes, de modo emphatico, que seria para com elles mais rigoroso do que o fôra para com estes. Recomendou-lhes, pois, tomassem todo o cuidado a este respeito e se mantivessem em tudo adstrictos ao que os Padres da Egreja haviam tão escrupulosamente instituído e praticado. Em signal de regosijo pela execução dos tres fieis, nesse mesmo dia mandou Villegagnon fazer aos seus servos uma larga distribuição de viveres. Mas, a partir do momento de tão monstruosa crueldade, o almirante foi de mal a peor, correndo-lhe sempre ás avéssas os seus negocios. E eis porque escreveu a alguns cortezãos, dizendo-lhes que, si não o processassem por haver, no Brasil, durante algum tempo, propagado o Calvinismo, comprometia-se, por seu turno, a eliminar pela morte (ou, na sua expressão, a fazer emmudecer) os ministros que haviam estado na sua companhia.” (Crespin, 1564)
Após as execuções, metade dos colonos desertaram o forte, indo para as florestas do continente viver junto com os intérpretes normandos, ou indo para o litoral, tentando achar um barco para retornar para a França.
“O golpe foi dado: o terror reinava na ilha e no continente. Católico e Calvinistas só tinham um desejo: subtrair-se o mais rapidamente possível à tirania do vice-almirante. Alguns dias após a execução dos três mártires, a metade dos colonos tinha desertado: ou eles tinham se lançado nas florestas do interior e lá se reuniram com os intérpretes normandos, ou eles correram ao longo da costa, na esperança de lá encontrar algum navio francês. Os outros só permaneceram no Forte Coligny porque estavam desprovidos de qualquer recurso e tremiam diante do governador.” (Gaffarel, 1878, pg. 294)
Diante das acusações dos calvinistas, na França, em fins de 1558, Villegagnon retornou para justificar-se, deixando, em seu lugar, o sobrinho, Bois-le-Compte, à testa do estabelecimento. Ele estava debaixo de suspeitas tanto dos huguenotes, que começaram a chamar-lhe de “Caim da América”, “apóstata” e “assassino”, quanto por parte dos católicos, que suspeitavam de suas inclinações reformadas. Ele levou consigo sua guarda escocesa, seus domésticos e alguns amigos particulares, totalizando duas dezenas de franceses.
“Isto feito [a execução dos huguenotes], eu contive facilmente meus homens no medo e na obediência. No entanto, alguns deles se mostraram estar não completamente conevencidos, e frequentemente me diziam que lhes seria um grande bem e repouso para consciência, saber o que Clavin poderia responder ao que eu objetei aos seus ministros contra a sua doutrina; e que isto poderia não somente ser proveitoso a eles, mas, também, em França, a tantas pessoas, que se abandonavam completamente a suas tradições. Estas coisas me induziram a redigir por escrito tudo o que foi debatido entre nós e o fazer saber à Igreja Cristã, e, para verificar estas coisas, retornar eu mesmo em França, esperando me encontrar com Calvin e lhe mostar, através dos escritos de seu ministro, o que eu apreendi, a fim de que ninguém me possa imputar de os haver distorcido, e, também, que ele me responda às dificuldades que eu achei em seus livros.” (Villegagnon, 1560, Lettre VII)
“Mallogrados os seus chimericos planos sobre a America, regressou Villegagnon à França e, para alcançar favores, publicou em latim, na cidade de Paris, diversas diatribes contra a sã doutrina, Refutaram-n’o, porém, sob o nome de P. Richier, e de maneira tão energica e víctoriosa, que Villegagnon, ao em vez de conquistar gloria, se tornou odioso a todos e foi havido por homem realmente louco.” (Crespin, 1564)
“O motivo que determinou sua partida foi exclusivamente um motivo religiosos. Villegagnon não ignorava que os católicos o viam com maus olhos por suas primeiras concessões, e que os calvinistas o acusavam abertamente de deslealdade. Seus dois protetores, Montmorency e Coligny, junto aos quais ele serviu, estavam igualmente indispostos contra ele. Villegagnon era homem de decisões próprias. Ele compreendeu que a situação exigia uma franqueza absoluta; ele compreendeu sobretudo que era necessário se declarar entre os dois partidos, e posto que ele acabava de dar um penhor sangrante de suas opiniões definitivas, ele devia acentuar mais vivamente ainda seu retorno à fe, e vir em pessoa se defender contra os calvinistas, e se desculpar junto aos católicos. La Popellinière indica com fineza os motivos de sua partida: Naquele lugar o vice-rei não ousou persistir, por medo de ser substituído e punido como herético, como diziam as cartas que ele recebia de muitos homens da corte, posto que eles também tinham ouvido dos primeiros os grandes meios que se apresentavam para lá avançar a doutrina de seus inimigos.” (Gaffarel, 1878, pg. 295)
Muito se debate sobre o que causou a mudança no comportamento de Villegagnon. Alguns acham que ele nunca se converteu ao protestantismo, sendo apenas um pouco ambíguo e tolerante com estes, por necessidade, e que estes o mal interpretaram crendo no que queriam. Outros acham que ele foi sincero em sua conversão e que depois retornou à fé católica, talvez por medo do que achariam na corte francesa. Ou, então, que ele preconizava uma “terceira via” francesa, meio caminho entre a fidelidade à Igreja de Roma e a ruptura protestante, uma solução de meio-termo francesa, que fazia concessões aos protestantes, principalmente pela necessidade que tinha a colônia da ajuda daqueles para sobreviver, mas que, quando foi pressionado pelos protestantes, e obrigado a tomar posições entre o protestantismo e o catolicismo, optou por voltar para este lado. No final, ele passou a ser odiado pelos protestantes, por suas perseguições e também a confiança dos católicos pelas suas aberturas iniciais aos protestantes e seu comportamento ambíguo para com estes.
 “Nós constataremos que inicialmente Villegagnon era católico quando ele deixou a França. Sem dúvida ele fez numerosos avanços junto ao partido protestante, e foi um dos chefes deste partido, o almirante Coligny, que apadrinhou o seu empreendimento. Mas se realmente Villegagnon estivesse decidido a partir para o Brasil por zelo pelo calvinismo, que ele teria abraçado, e arranjar um refúgio seguro aos seus novos correligionários, que necessidade ele teria de levar livros e ornamentos da Igreja Católica? Porque monges e padres o acompanhavam? Porque até o último momento, seguia ele os ofícios com regularidade e praticava todas as cerimônias religiosas do catolicismo! Enfim, e sobretudo, porque pelo menos dois terços de sua tripulação e de seus colonos pertenciam ao antigo culto? [...] Jamais ele inquietou, no exercício de sua religião, aqueles dos seus homens que pertenciam ao catolicismo. Jamais ele se separou de Thevet, de Cointa e de outros padres, nem dos livros teológicos, os quais ele fazia sua leitura habitual. Enfim, seu primeiro ato, ao chegar ao Brasil, foi pedir a Thevet receber a sua confissão e de lhe administrar a comunhão na missa solene de natal (1555). [...] Nós confessaremos aqui que nos é necessário reconhecer pelo menos singulares hesitações na sua conduta posterior; não que ele tenha feito precisamente profissão do calvinismo, mas ele se inclina muito fortemente para este lado [...] Os protestantes formavam aproximadamente um terço dos emigrados, e eles constituíam a parte inteligente e, sobretudo, moral da colônia, pois eles tinham sido, até então, recrutados sobretudo na pequena nobreza das províncias e nas classes burguesas. Todos os oficiais e principais colonos pertenciam, portanto, ao protestantismo. [...] Villegagnon e os protestantes que o rodiavam gostavam de levantar estes poderosos problemas [questões teológicas]. [...] Algumas das objeções de seus contraditores fizeram sobre o espírito do vice-almirante viva impressão. A leitura atenta da bíblia e dos pais da Igreja acaba de o perturbar. Jean Cointa, o doutor em Sorbone, sobre cujas opiniões ele amava se apoiar, assistia a maior parte do tempo a estes torneios teológicos. [...] Posto que seus conselheiros naturais, Cointa ou Thevet, ou bem lhe abandonavam, ou bem não o secundavam, ele escuta seus oficiais protestantes e forma o projeto de pedir a Calvin, seu antigo codiscípulo na Universidade de Paris, um ministro para esclarecer as suas dúvidas e levar repouso à sua consciência.” (Gaffarel, 1878, pg. 220-221)
“Em realidade, uma terceira solução [além da de se manter fiel ao catolicismo ou da de se optar pela reforma protestante preconizada por Jean Calvin] parece se desenhar, intermediária entre a fidelidade com a Igreja de Roma, e a ruptura brutal com ela. “Nem Roma nem Genebra”, para retomar o título do belo livro de Thierry Wanegffelen; tal poderia ser o slogan deste terceiro partido, ao qual, com toda evidência, pertencia Villegagnon, ao menos, na origem e antes dos acontecimentos de 1557. Este terceiro partido é aquele dos “meio-termos”, adeptos, sob a autoridade do rei da França, de uma reforma interior da Igreja, que conduziria a cortar os vínculos com Roma, sem da mesma forma, abraçar a Reforma Calvinista. Esta seria um tipo de solução galicista para a crise religiosa, o equivalente exato do que foi o anglicanismo, prometido por Henrique VIII da Inglaterra, depois perenizado por sua filha Elizabeth, depois do parêntese católico de Maria Tudor. Villegagnon, isto é incontestável, fazia parte destes meio-termos galicistas, que procuravam refundar a Igreja francesa sobre bases próprias, nacionais e monárquicas, com uma dupla fidelidade aos Evangelhos e à pessoa do rei. Um rei que é assimilado ao Cristo e cuja santidade é reafirmada com tanto mais vigor.” (Lestrigant, 2008, pg. 105)
“Isto explica que, inicialmente, Villegagnon não proibe a controvérsia, mas ao contrário ele a suscita. Logo que desembarcaram os quatorze "Genebrinos" na primavera de 1557, ele emprende a discussão teológica com os dois pastores Richer e Chartier. Rapidamente a disputa se envenena em relação à Eucaristia, os protestantes doutrinados por Calvin antes de sua partida de Genebra rejeitão tanto a transubstanciação quanto a consubstanciação luterana, tendo esta última os favores do dissidente Jean Cointa. Este assunto se termina tragicamente, no início de 1558, pela execução de três dos quatorze huguenotes, após um simulacro de processo. […] Villegagnon […] engaja a disputa com o fim de estabelecer a concórdia entre cristãos. […] E imediatamente se registra o insucesso desta via media. [..] mas também Villegagnon que, após ter sido seduzido pelo papel de árbitro, colocou-se do lado da ortodoxia católica. Sem nenhuma dúvida, para se purificar aos olhos da Corte e se livrar de todo compromisso com um partido do quale le só conhece a intransigência.” (Lestrigant, 2008, pg. 106-107)
Boi-le-Comte, no entanto, não resolveu os problemas internos e não tinha a capacidade militar de Villegagnon.
“O vice-governador tinha, em matéria administrativa, todos os preconceitos do tio: ele se conforma fielmente à sua maneira de agir; ele a exagera mesmo, apesar de todas as lições da experiência. Ao tomar possessão de seu comando, não deveria ele libertar as vítimas dos furores religiosos de Villegagnon? [...] Fiel à tradição, acreditava ser bem estimado pelo rei e seu país ao perseguir os dissidentes, e exerce a imprudência de proibir a execução público do culto reformado, e ordena a estrita aplicação das recentes ordenanças contra a heresia. Sobravam os colonos católicos: [...] ele se mostra mais duro em relação a eles e mais orgulhoso que o próprio Villegagnon, e, como suas pretensões não estavam justificadas, nem por seus talentos, nem por seus serviços, os Franceses, que já tinham uma prevenção contra ele, o detestavam mais, pois já o estimavam menos. [...] Ele redobra, ao contrário, a severidade, esperando se manter pela tirania, devido à falta de afeto por ele. [...] , mas ele os concentra nas ilhas e nos entornos da baía, sob o pretexto de os ter à mão em caso de ataque português. Estes procedimentos inadequados os indisposeram contra ele. [...] Restavam ainda os intérpretes normandos e os Brasileiros: os primeiros só esperavam um sinal para reentrar no forte; os segundos já estavam instintivamente aproximados de nós. Bois le Comte, ao invés de aproveitar estas boas disposições, fez saber aos intérpretes que os considerava inimigos mais perigosos que os próprios portugueses, e estes, feridos no seu amor próprio e patriotismo, se aprofundaram de novo nas florestas e lá levaram o ódio por seu nome. Quanto aos tupinambás, o vice-governador tinha prazer em lhes insultar, a lhes humilhar, por qualquer motivo. Ele os ataca mesmo na expressão mais sacra dos sentimentos humanos, nos seus usos domésticos e nas suas cerimônias religiosas, os quais ele escarnecia junto às pessoas de seu convívio familiar. Assim, ele os virou prontamente contra si. [...] A imediata consequência desta conduta impolítica, foi preparar a ruína da nossa colônia. A opinião pública da França foi desagradavelmente afetada pelas novas recebidas do Brasil. Os Genebrinos de tal forma falaram das crueldades de Villegagnon, que a partir de então, nenhum dos seus correligionários ficou tentado em procurar fortuna no Novo Mundo. As urcas [Navio de transporte] do Flandres, que estavam prontas para partir, permaneceram prudentemente em seus portos. Os comerciantes normandos, Bretões ou de La Rochelle suspenderam suas preparações. Coligny, irritado por ter sido enganado neste empreendimento, indignado pelos maus tratos inflingidos aos protestantes e, além disto, desviado das questões de além mar, por preocupações de natureza totalmente diferente, não pensava mais e não viria a pensar mais neste empreendimento, que ele considerava abortado. O partido católico, que sempreu acolheu a muito contra gosto a notícia desta expedição, ficou quase feliz com este insucesso. Henrique II, que se tinha interessado nesta empresa, e que a tinha mesmo sustentado contra estes últimos, tinha morrido. Seus dois sucessores, duas crianças, por acaso sabiam do Brasil? Quanto à mãe deles, a rainha regente Catharina de Médicis, ela tinha na cabeça bem outros projetos, e os Guise, que esperavam o início da guerra civil, e para isto se preparavam, não queriam se privar de uma parte de seus homens para explorar a América. Portanto, ninguém em França se interessava mais pelo Brasil.” (Gaffarel, 1878, pg. 303-304)
Numa ocasião em que franceses e tamoios iam atacar São Vicente, Jean de Cointa fugiu para a Bertioga, a alertar os Portugueses do perigo que corriam.
“Neste mesmo tempo um deles ensinava as artes liberais, grego e hebraico, e era mui versado na Sagrada Escritura, e por medo do seu Capitão que tinha diversa opinião, ou por querer semear os seus erros entre os Portugueses, uniu-se aqui com outros três companheiros idiotas, os quais como hospedes e peregrinos foram recebidos e tratados mui benignamente.” (Anchieta, 1560)
“[…] o capitão mor dos francezes [Villegagnon] se comfradar com os negros da terra e os concordar todos pera se ajuntarem e jrem todos estroyr a capitania de martjm afonso de sousa [Capitania de São Vicente] / elle comfesamte [Jean Cointa] se tornou a dita Fortaleza [Forte Coligny] e dise ao capitão e a todo o pouo que elle protestaua de nom consentir em tal e que elles não curassem de fazer liança com os negros [índios] nem lhe darem nenhuma ajuda nem fauor contra os portugueses por serem da liança del Rey de framça e tambem por o almirante lho encomendar que lhe nom fizessem nenhum agrauo aos portugueses e que depois disto por o capitão mor nom querer desistir elle comfesamte se foy a dita capitania de martim afomso com as espias dos negros fingindo que hia de Guerra contra elles e que la deu aviso ao capitão como hião sobre ells e que se posesem em cobro pomdo sua vida a Risco e por sua causa nom forão estroydos […]” (Processo de João de Bolés, 1564, pg. 273-274)

3 – Bibliografia:

NÓBREGA, Manoel da. Carta do Padre Luiz da Grã. Espírito Santo, 24 de abril de 1555.

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Antarctic France: Brazil, State of Rio de Janeiro: Municipality of Rio de Janeiro

       It was a french colony in Rio de Janeiro, at Villegagnon Island, founded in 1555 by Villegagnon, and destroied by the Portuguese in 1560. The french survivors went to live with the tamoyos indians and helped them fortify themselves in villages at Gloria Mount and Governor`s Island. The City of Rio de Janeiro was founded in 1565 by Estacio de Sa, to oust the french. In 1567 the french was definitively expulsed from Rio de Janeiro, after the conquest of the fortified indians villages by the portuguese. The french made an unsuccefull atack to Niteroi in 1568 and in 1575 they were expelled from Cabo Frio.


Mapa atual da Baía da Guanabara no satélite google. 1. Ilha de Villegagnon com Forte Coligny; 2. Uruçú-mirim (Morro da Glória); 3. Paranapucui; 4. Vila Velha (Rio de Janeiro); 5. Aldeia de São Lourenço (Niterói)
Mapa da Baia da Guanabara, Pierre Duval, 1557. Na parte de baixo. a entradada baía com as ilhas defronte, tendo depois a Ilha Le Ratier (Ilha de Laje) e o Pot de Beurre (Pão de Açúcar). Depois, a Ilha de Villegagnon com o Forte Coligny. Ao fundo, La Grande Isle (A Ilha Grande isto é Ilha do Governador)
Mapa da Baia da Guanabara, Luis Teixeira, 1578. Naparte de baixo, a entrada da baía com as ilhas defronte, tendo depois a Ilha Le Ratier (Ilha de Laje). Depois, a Ilha de Villegagnon. À sua esquerda a nova localização da cidade do Rio de Janeiro. Ao fundo, a Ilha de Paranapuã, (isto é Ilha do Governador)
Mapa da Guanabara, André Thevet, ca. 1560. Na parte de baixo, a entrada
da baía, tendo depois a Ilha Le Ratier (Ilha de Laje). Depois o ataque ao Forte
Coligny na Ilha de Villegagnon. Vê-se os navios portugueses bombardeando o
forte. Na ilha vê-se as 2 colinas fortificadas atirando contra os navios. Ao fundo,
a Isle des Margaiatz (Ilha dos Maragatos, isto é Ilha do Governador)
L'Isle Henri, Andre Thevet, 1586. Veem-se claramente as duas colinas com casas no alto e na ponta esquerda, o que parece ser a Colina das Palmeiras. Observe um canhão no alto do morro da esquerda. No centro vê-se uma morada
Gouffre de la rivière de Ganabara ou Janaire, Andre Thevet, 1586. Vê-se a baía de Guanabara, com Niterói em baixo e o Rio em cima. À direita a Isle de s Margaiatz corresponde à Ilha do Governador; à esquerda, a Isle aus françois é a Ilha de Villegagnon.
L'Isle des Margaias, André Thevet, 1586. Vê-se a Ilha do Governador e,  acima, Paquetá

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