BRASIL: RJ: RIO DE JANEIRO:
Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro -
Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro -
Holy House of Misericordy of Rio de Janeiro
1 – Localização:
Município do Rio de Janeiro. Ap 1.0. Centro.
Rua Santa Luzia, 206 (-22.907642, -43.171021)
2 – Histórico:
A irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia foi criada
em Portugal, no ano de 1498, por dona Leonor, irmã de d. Manuel, sob a
influência do frei trinitário Miguel de Contreiras. A irmandade organizava-se
em torno das chamadas 14 obras de caridade, sete espirituais e sete corporais,
inspiradas pelo Evangelho consignados segundo são Mateus, e no primeiro
Compromisso de 1516, a saber: "ensinar os ignorantes, dar bom conselho,
punir os transgressores, consolar os infelizes, perdoar as injúrias recebidas,
suportar as deficiências do próximo, orar a Deus pelos vivos e mortos, resgatar
cativos e visitar prisioneiros, tratar os doentes, vestir os nus, alimentar os
famintos, dar de beber aos sedentos, abrigar os viajantes e os pobres, sepultar
os mortos". Seu âmbito de atuação, portanto, correspondia a esferas bem
mais amplas do que o que hoje entendemos como sendo as de um hospital. Contando
com patrocínio régio, a Santa Casa espalhou-se rapidamente pelo império
português, tornando-se a irmandade leiga de maior poder e expressão no que
concerne às obras de caridade. Tornou-se uma marca da colonização portuguesa.
As Misericórdias de maior poderio em terras brasílicas foram as do Rio de
Janeiro e da Bahia, centros vitais do projeto colonizador português.
“Como se sabe, a Sancta Casa da
Misericordia do Rio de Janeiro deriva-se das Misericordias de Portugal. Da mais
antiga foi instituidor frei Miguel de Contreiras. Em 1498, lançou elle os
principaes fundamentos da grande obra de caridade, que o immortalizou e a todos
os seus benemeritos continuadores. Miguel de Contreiras era religioso trino ou
monge da ordem da Sanctissíma Trindade e Redempção de Captivos de Portugal.
Morrera em 29 de Janeiro de 1505, na edade de 74 annos.” (Fazenda, pg. 102)
Em 25 de março de 1582, chegando ao Rio de Janeiro, a Frota espanhola de
Diogo Flores Valdez (com destino ao
Estreito de Magalhães) com muitos doentes, o Padre José de Anchieta providenciou, com o auxílio da população, a construção
de uma casa de pau-a-pique onde fossem os doentes abrigados e tratados. A casa
foi provavelmente construída em terreno ao pé do Morro do Castelo doado pelo
conquistador Gonçalo Gonçalves; posteriormente, mas ainda no século XVI, o
Hospital da Misericórdia foi transferida para uma casa de pedra e cal, também
doada pelo conquistador.
“Pelos annos de 1582 se entende teve principio a Casa da Misericordia da
Cidade do Rio de Janeyro, ou poucos annos antes: porque este anno chegou àquele
porto huma Armada de Castella, que constava de dezasseis náos, em que hiaõ tres
mil Hespanhoes mandados por Filippe o II. a segurar o estreyto de Magalhaes, de
que era general Diogo Flores Baldez. Com os temporaes padeceu esta Armada
muyto, porque lhe adoeceu muyta gente, & affim chegáraõ ao Rio de Janeyro
bem necessitados de remedio, & de agasalho. Achava-se naquella ocasiaõ
naquella Cidade o Veneravel Padre Joseph de Anchieta visitando o Collegio, que
alli tem a Companhia fundado no anno de 1567. Como o Veneravel Padre Joseph de
Anchieta era varaõ Santo, levado da Caridade tomou muyto por sua conta a cura,
& o remedio de todos aquelles enfermos, dando traça como se lhes assinasse
uma casa, em que pudessem ser curados todos, & assistidos, para o que
destinou alguns Religiozos, assistindo também elle ao mais com as medicinas,
Medico, & Cirurgiaõ. Com esta occasiaõ teve principio o Hospital da Cidade
de Saõ Sebastiaõ do Rio de Janeyro. E entendendo muytos que entaõ tivera
principio a Casa da Santa Misericordia, que hoje he nobilissima. Neste tempo (
como dizemos ) os Irmaõs daquella Santa Casa novamente erecta tomàraõ por sua
conta acodir tambem ao Hospital, o que fizeraõ com grande caridade, & o
foraõ augmentando no material com tanta grandeza; & tão perfeytas
enfermarias, como hoje se vem, aonde se curaõ todos os enfermos de hum, &
outro sexo com eximia Caridade. Fica este situado dos muros adentro daquella
Cidade, & junto à Casa da Misericordia.” (Maria, vol. 10, pg. 470)
No entanto, segundo o
historiador Félix Ferreira (1899), a instituição teria sido criada em 1545 ou
1547, antes da fundação da cidade do Rio de Janeiro (1565), coincidindo com os
primeiros núcleos de povoamento das margens da Baía de Guanabara. Apesar da
controvérsias, a data de fundação do Hospital Geral da Santa Casa da
Misericórdia do Rio de Janeiro foi oficialmente fixada em 24 de março de 1582,
em sessão de Mesa e Junta realizada em 9 de março de 1967. Semelhantemente à
Santa Casa de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro foi criada
para acolher os presos, alimentar os pobres, curar os doentes, asilar os órfãos
e atender as viúvas. A Santa Casa era mantida pela Irmandade da Misericórdia, e
ao longo de sua história, recebeu poucos e descontínuos auxílios
governamentais, vivendo da caridade pública, de recursos oriundos do aluguel de
esquifes e, principalmente, de legados e doações de particulares. Nos primeiros
tempos o vigário da freguesia de São Sebastião (Igreja de São Sebastião do
Morro do Castelo), que abrangia a área da Santa Casa, tentava interferir na
eleição do Provedor daquela instituição, mas o Prelado do Rio (o Rio de Janeiro
já tinha sido elevado a Prelazia em 1575) proibiu esta prática em 1591.
“A provisão de 1 de julho de 1591 do prelado
administrador, Bartholomeu Simões Pereira, prohibio ao vigário da freguezia
existente na cidade intrometter-se nas eleições da irmandade da Misericordia,
por estar isenta de sua jurisdicção.” (Azevedo,
pg. 356)
Uma decisão real de 8
de outubro de 1605, de Felipe II (rei de
Espanha e Portugal), confere à Misericórdia do Rio todas as provisões e privilégios da de
Lisboa e Setúbal. A Misericórdia era
então uma Casa na qual se articulavam as ações de caridade guiadas pelos
preceitos cristãos e pelas relações de Antigo Regime. O conjunto arquitetônico
da Misericórdia foi sendo construído e reconstruído aos poucos, sempre
circundante à igreja, em cujo consistório os irmãos faziam suas reuniões. O passo
das construções seguia lento à medida que se angariavam recursos entre homens
ávidos por garantir a salvação de suas almas, por investir parte de seu capital
no prestígio social da instituição e de si próprios. As atividades iniciais da
irmandade giravam em torno da manutenção do hospital para enfermos, do
casamento de órfãs, da distribuição de esmolas e de "ordinárias",
estas aos sábados. Proporcionavam alívio aos doentes nas enfermarias e capelas,
num tempo em que os perigos mais graves do corpo deveriam ser enfrentados com a
cura das almas. Em 1623, devido à epidemia de varíola, houve tal mortandade no Rio que
os cemitérios existentes tornaram-se insuficientes. Devido a isto, a Irmandade
da Misericórdia pediu à Camara do Rio, e dela obteve, uma área de terreno, na
base do Morro do Castelo, para ampliar o seu pequeno cemitério. Foi este o
primeiro cemitério público regular do Rio e nesse local permaneceu até 1839,
quando foi transferido para o Cajú (Cemitério São Francisco Xavier). Entre 1620
e 1629 há a ampliação do Hospital, ganhando novas enfermarias, sendo Provedor o
Padre Mateus Costa Aborym. Em 1639, Antônio Martins da Palma e sua mulher
fizeram doação da Igreja da Candelária à Santa Casa da Misericórdia, mediante a
condição de terem, na capela-mor, sepultura para si e para os seus
descendentes. O alvará de de 22 de maio de 1642 concedeu à Santa Casa os
dízimos de frangos e ovos por 3 anos, o que depois foi estendido por mais anos.
A situação financeira da Santa Casa deteriorou-se ao ponto de, em 1647, ser
requisitado aos nobres que doassem comida para a alimentação dos doentes
internados. Entre 1651 e 1655, a Santa Casa viveu sucessivas crises
financeiras, apesar das doações de pessoas caridosas e heranças deixadas por
ricos comerciantes. Em 1651, Tomé Correia de Alvarenga, Provedor da
Misericórdia cede a Igreja da Candelária, sede da 2ª freguesia do Rio, para a
administração eclesiástica, em troca de um terreno para erigir um oratório e
conservando o direito de recolher à igreja as suas procissões e nela guardar as
tumbas e bandeiras. Em 20 de setembro de 1652, a irmandade de Nossa Senhora do
Bonsuccesso se desfez e seu juiz, Jerônimo Barbalho Bezerra, entregou todos os
bens da irmandade à Santa Casa da Misericórdia, com a condição de esta continuar
a fazer na sua igreja a festa anual de Nossa Senhora do Bonsuccesso. Entre 1671
e 1674, durante a Provedoria de Tomé Correia de Alvarenga houve outra grave
crise financeira. Todo o primeiro século de existência da Santa Casa foi
marcado por problemas financeiros. Em 1693, devido a nova epidemia de varíola,
houve grande mortandade de escravos, tendo o governador Antônio Paes Sande
acertado com a Santa Casa da Misericórdia o enterro dos escravos, mediante o
pagamento de 960 réis por cada um, pelos seus senhores. Em 1685 o valor foi
reduzido a um cruzado.
“Até os primeiros annos do século
decimo-oitavo os soldados da guarnição do Rio de Janeiro, das guarnições dos
navios de guerra e os presos erão tratados em suas moléstias na Santa Casa da
Misericórdia, que recebia por isso da fazenda real um conto de réis
annualmente: em cumprimento da carta regia de 21 de Março de 1702, cuidou-se de
crear um hospital dentro do chamado Quartel das Náos, que era na rua chamada
dos Quartéis da Armada, na fralda do morro dc S. Bento ; em 1727, ou pouco
depois, abrio-se alli o hospital, que enfim o conde de Azambuja transferio em
1768 ou 1769 para o collegio dos jesuitas.” (Macedo, pg. 225)
Em 1699, com o adoecimento de muitos
soldados da Companhia de infantaria que recém chegara de Portugal para ajudar a
defender o Porto do Rio de Janeiro (nesta época começava a receber o ouro
descoberto a pouco nas Minas Gerais) e a recusa da Santa Casa em trata-los, por
falta de dinheiro, o rei de Portugal determinou a construção de um hospital
militar, o que só foi feito muitos anos depois.
“Até então tudo se óbrava conforme com o
que se praticava; porém succedeu que a Infanteria estranhando o clima, que,
infeccionado pelo contagio das bexigas [varíola]
se mostrava mal são, começou a enfermar;
e a casa da Misericordia não podendo supprir com o curativo, pela tenuidade dós
seus rendimentos, pois não chegaváo os 200$000 com que contribuia a Real
Fazenda para as despezas delle, recusou recebe-los; e com quanta deshumanidade
e prejuizo publico perêcerão os defensores deste Estado! Accrescêrão graves difficuldades
de fazer effectivas novas expedições do Reino, para supprirem a falta dos que acabárão
sua existência, por desgraçada falta dos soccorros convenientes, motivo pelo
qual EI-Rei dirigio ao Governador a Carta Regia seguinte, determinando a
edificação de hum Hospital Militar, accrescentando mais400$000 a favor da Santa
Casa para o tratamento dos soldados.” (Lisboa, vol. 5, pg. 239)
Os soldados e marinheiros franceses
da esquadra de Duclerc que em 1710 atacaram o Rio, foram enterrados no
cemitério da Santa Casa.
“Numa das encostas do morro [Morro do Castelo],
onde fica a igreja dos jesuítas, está situado o Hospital da Misericórdia, em
cujo cemitério foram inumados numerosos franceses. A ele é atribuída uma renda
de 40.000 cruzados, vale dizer, 80.000 libras.” (Delagrange, pg. 59)
Entre 1732 e 1741, os
Provedores Manuel Corrêa Vasques e Antônio Telles de Menezes construiram um
segundo andar no hospital e, principalmente, a criação do Recolhimento das
Órfãs e a Casa dos Expostos. Entre 1737 e 1742,
o Provedor Correa Vasquez conseguiu um acordo com capitães, mestres e pilotos
de navios para o pagamento de um tributo à Santa Casa por todas as embarcações
que atracassem no Porto da cidade. Em troca, o hospital teria o encargo de
tratar todos os homens do mar e dar mortalha e sepultura aos que falecessem. A
resolução de 23 de agosto de 1760 cedeu à Santa Casa o dízimo de todos os
gêneros alimentícios com exceção do açúcar, por 6 anos, com rendimento anual de
332$500; em 1765 o contrato foi arrematado por Manol Alavares de Mira por
400$000. Até 1768, quando foi criado pelo Conde de Azambuja o Hospital Militar
no antigo Colégio dos Jesuítas, eram tratados no Hospital da Santa Casa os
soldados da guarnição da cidade, os das guarnições dos navios de guerra e os
presos doentes, para cujo tratamento contribuía a Fazenda real anualmente com
1:000$000. Grande parte dos recursos da irmandade no período continuaram
a ter sua origem na angústia dos homens e mulheres que, tementes por suas
almas, investiam parte do patrimônio angariado durante a vida no cuidado com
sua partida para o dia do Julgamento. Por conta disso, rezavam-se numerosas
missas na igreja da Misericórdia, em favor de homens e mulheres, parentes e compadres,
irmãos da Misericórdia e almas do purgatório. O Vice-rei Marquês de Lavradio (1769-1778), executou
como seu primeiro ato como Provedor, abolir o racismo na Irmandade retirando o
capítulo que só permitia na confraria “quem provasse não ter sangue de mouro,
judeu, mulato e cristão novo”. Comprou um terreno e executou a ampliação do
cemitério da Misericórdia e diminuiu os déficits da instituição. Em 1772 foi
instalada a primeira Academia Científica do país no Hospital Geral. Ela
deu origem a Sociedade de Medicina do Brasil, transformada seis anos depois em
Academia Imperial de Medicina. Com o advento da República, tornou-se Academia
Nacional de Medicina. Pelo alvará de 5 de setembro de 1786, a Santa Casa
começou a receber os legados dados à igreja e não cumpridos. Quanto ao
tratamento dos doentes em seus dois primeiros séculos de existência, contou
apenas com um físico e um cirurgião efetivos, além dos que se ofereciam para
auxiliá-los em troca do internamento de doentes particulares e uso das
instalações, entre outros interesses.
Quando da
Inconfidência Mineira, a Santa Casa criou a Mordomia dos Presos para prestar
assistência aos réus sem recursos. A Mordomia contratou e pagou os honorários
do famoso advogado José de Oliveira Fagundes
para defender Tiradentes e os demais réus, inclusive falecidos. O trabalho da
Mordomia dos Presos na defesa dos réus que não podiam contratar seus defensores
foi o embrião da Justiça Gratuita no Brasil. O Crucifixo que Frei Penaforte,
confessor de Tiradentes, conduziu durante o cortejo desde a Cadeia Velha até o
local do enforcamento encontra-se hoje na sala do Provedor. Tiradentes beijou o
Crucifixo minutos antes de sua execução.
“Em todos os prestitos funebres de
condemnados ao patíbulo figurou a irmandade da Sancta Casa, accompanhada da
Bandeira, e levava tambem alçado um Christo crucificado - imagem do Senhor do
Agonia, a qual póde ser vista no altar da sacristia da egreja. Nada tem de
singular. A 21 de Abril de 1792, a Bandeira e a imagem do Chrísto tomaram parte
no crudelissimo prestito de Tiradentes.” (Fazenda, pg. 104)
Em
1796 o Primeiro-Ministro de Portugal, Marquês de Pombal, expediu um Alvará Real
determinando a venda de todos os bens da Irmandade da Misericórdia. Esta perdeu
muitos de seus imóveis, vendidos a qualquer preço aos nobres e quase foi a
falência com a dilapidação de seu patrimônio. A Santa Casa foi reduzida ao
mínimo. O Vice-Rei e Provedor da Santa Casa Conde de Rezende (1790-1801)
conseguiu evitar a falência total, salvando alguns imóveis. Em 1800 ele conseguiu
o retorno de alguns bens que estavam em poder do Reino.
O
Vice-Rei e Provedor Marquês de Aguiar (1801-1806) buscou o equilíbrio
financeiro, destituindo cobradores e nomeando 2 Irmãos para receber os aluguéis
dos prédios e foros de terrenos. O alvará de 18 de outubro de 1806 mandou reger
pelo compromisso da Casa de Misericórdia de Lisboa os hospitais do Reino e
Ultramar. Em 1806 entrou em execução um Alvará que subordinava a Santa Casa ao
governo, tendo que prestar contas de tudo e necessitando de licença para todos
seus atos. O alvará de 27 de junho de 1808 isentou da décima os prédios da
Santa Casa. O alvará de 20 de maio de 1811 isentou a irmandade do imposto de
selo. Em 1812, D. João VI colocou em funcionamento na Santa Casa uma aula de
medicina prática, iniciando, oficialmente, o ensino médico na Instituição. Em
1821, foi concedida pelo futuro Imperador D. Pedro I a primeira loteria, com
extração anual, com o objetivo de angariar fundos para os estabelecimentos da
Irmandade. Entre 1813 e 1832 os cursos da Academia Médico-Cirúrgica (Futura
faculdade de Medicina), foram transferidos do Hospital Militar, então no
antigo Colégio dos Jesuítas no Morro do Castelo, para 2 salas do Hospital da
Santa Casa da Misericórida, na praia de Santa Luzia.
O século XIX trouxe
intenso questionamento do espaço e do perfil da Santa Casa. Em 1823, por
sugestão, aparentemente, da Assembléia Geral Constituinte, foi formada uma
comissão composta por bacharéis, médicos e "autoridades" para
informar à Secretaria de Estado dos Negócios do Império e à própria Assembléia Constituinte em que estado se encontravam as
diversas repartições da Santa Casa. As discussões, as tentativas de intervenção
e as disputas de poder entre a comissão, os órgãos do governo e os irmãos
administradores da Misericórdia se desenrolariam pelas décadas de 1820 e 1830, havendo uma batalha com intrigas e mentiras tentando
desmoralizar o trabalho da Irmandade, mas esta saiu fortalecida do episódio. Os prédios da Santa Casa passaram a
ser vistos como incômodas inadequações às novas noções de higiene e
planejamento. As múltiplas funções daquele amplo conjunto arquitetônico
centralizado pela igreja da irmandade passam a ser consideradas o veículo de
inúmeras contaminações físicas e morais. Em um relatório de 1824, os homens da
Comissão se queixavam da intrincada configuração do espaço da irmandade. Em sua opinião, o
hospital necessitava de novas enfermarias que possibilitassem tanto a
convalescência dos doentes quanto o isolamento de doenças contagiosas. A cozinha
não poderia permanecer no mesmo lugar porque a fumaça empesteava as
enfermarias. A enfermaria dos loucos não poderia mais ficar onde se encontrava,
pois ali, no térreo, incomodavam os doentes que convalesciam nos andares
superiores, e eram provocados por aqueles que transitavam nas ruas e nas
passagens públicas que recortavam o espaço. A casa do Recolhimento das Órfãs
era pequena e inadequada, sem espaço para que as meninas arejassem seus corpos,
com a desvantagem ainda de que ficavam moralmente ameaçadas pela vizinhança dos
quartéis. Era preciso, portanto,
fragmentar o espaço, fazer com que a arquitetura da Misericórdia fosse
especializada para cada uma de suas funções. A cura e proteção dos corpos
requeriam paredes, canos, ventilações e jardins internos, e não mais tanta
proximidade com santos e rezas.
Em
1828-1829 ocorre nova epidemia de varíola, e para enfrentá-la o Provedor mandou
separar os enfermos infectados. Em 1829 foram lançados os alicerces da Academia
Imperial de Medicina, atualmente Academia Nacional de Medicina, sob a direção
do Dr. Joaquim Candido Soares de Meirelles, médico formado em Paris. Em 1829
visitou a Santa Casa o inglês R. Walsh, que descreveu em seu artigo “Notícias
do Brasil” a medicina e as doenças do Brasil e constatou que o Hospital da
Misericórdia era a principal Escola de Medicina do país. Em 1835, a comissão criada pela Assembléia Constituinte apresentou à Secretaria de Estado
dos Negócios do Império outro relatório avaliando as três principais
repartições da irmandade: hospital, Recolhimento, Casa dos Expostos. Suas
conclusões reiteravam a necessidade de espaços especializados. E em 1836, a Faculdade de medicina
transferiu-se para o Hospital Militar, no Morro do Castelo, permancendo o
ensino das cadeiras de clínica médica e cirúrgica nas enfermarias da Santa Casa
da Misericórdia.
Apesar das discussões,
o espaço da Santa Casa sofreu poucas modificações até a chegada à provedoria de
José Clemente Pereira. Ele foi um dos mais
destacados Provedores que a Santa Casa já teve; tornou-se provedor da
Santa Casa no ano de 1838, após ter sido conselheiro e Mordomo dos Presos.
Durante sua Provedoria, que se estendeu até 1854, foram feitas mudanças nas
finanças da irmandade que redundaram em aumento da receita. Levantou fundos entre empresas e particulares e
ampliou os serviços prestados. Com seu prestígio e sua amizade com D. Pedro II,
melhorou as relações entre a Santa Casa e a Corte. Além disso, atuou em
diversas frentes, levantando fundos entre empresas e particulares e organizou a
equipe dividindo tarefas e responsabilidades. Embora rico e influente,
dedicou-se apaixonadamente ao bem-estar dos menos favorecidos. Ao assumir a
Provedora, Clemente Pereira encontrou um patrimônio de 187 prédios, além de
terrenos e outros. No entanto, o rendimento mensal era muito baixo e não cobria
as despesas. Para manter as finanças equilibradas, buscava doações, quando
necessário. Seus amigos ricos e influentes sempre contribuíam para as obras da
entidade e D. Pedro II foi um grande doador, ajudando em diversas ocasiões.
A Santa Casa do Rio de Janeiro
era o maior e mais importante hospital existente no país, atraindo os melhores
profissionais. Apesar de haver poucos médicos no Brasil, a maioria formada em
Portugal e França, o prestígio do Hospital Geral possibilitou o aumento do
quadro clínico e de enfermagem, ampliando os serviços prestados a população.
Além de expandir sobremaneira o atendimento, Clemente Pereira procurou renovar
as práticas, extinguindo privilégios e modernizando setores. Comprou máquinas
para a lavanderia, criou gratificação para os meninos empregados, instituiu
multas aos médicos faltosos, dentre outras providencias. Criou normas para a
cobrança do atendimento nos Hospitais, de forma que os doentes que não fossem
pobres pagassem seu tratamento podendo optar por quarto particular, quarto
duplo ou enfermaria.
A água foi introduzida nas três repartições da
Santa Casa, criou-se um novo cemitério, um novo hospital, um hospício para os
"loucos" e foram discutidas reformas nos regulamentos das
repartições. Na gestão de Clemente Pereira, a configuração espacial da
irmandade transformou-se definitivamente, iniciando-se a especialização dos
espaços. Logo ao assumir a
provedoria, fez junto com os demais mesários uma visita de inspeção aos prédios.
Bem ao estilo das comissões que vinham tentando intervir na irmandade, a
inspeção deu origem a um relatório com propostas de reforma do espaço.
Relatório e sugestões foram apresentados em reunião da Mesa de irmãos.
Como primeira medida, era preciso revogar os
sepultamentos que se faziam no interior ou no adro da igreja da irmandade, e
que deveriam passar a ser feitos em local mais afastado do hospital. A
existência do cemitério nos fundos do hospital era uma verdadeira calamidade
pública: a estatística dos corpos ali sepultados nos últimos oito anos
apresenta o número de 22.279, correspondente, termo médio, a 2.784 por ano; no
ano findo, de 1º de julho de 1838
a 30 de junho de 1839, enterraram-se nele 3.194 corpos. Houve o fechamento definitivo dos jazigos e catacumbas que
serviam de cemitério nos porões do Hospital Geral, causa de
insalubridade. Com a aprovação da Imperial Academia de Medicina da
Corte, o campo santo da irmandade foi transferido para a chamada Ponta do
Calafate, no Caju, e começou a funcionar em julho de 1839. Recomendava-se que
os sepultamentos fossem executados com todo cuidado, e as covas elaboradas com
a devida profundidade para que os corpos não revolvessem a terra. O chamado Campo Santo da Misericórdia,
transferido para sítio distante no Caju (futuro Cemitério
São Francisco Xavier), aos poucos se desdobraria em vários cemitérios de
denominações diferentes.
“Propoz em sessão da mesa conjunta de 30 de
julho de 1838 que se fizesse a planta de um novo hospital, e se transferisse o
cemitério da praia de Santa Luzia para a ponta do Cajú. ... e comprado por
10:000$000 a João Goulart o terreno para o cemitério começou a funccionar sob o
nome de Campo Santo, em 2 de julho de 1839, tendo sido preparado sob desenho do
engenheiro Domingos Monteiro.” (Azevedo, vol. 1, pg 358)
Ele implementou um plano de
recuperação do velho hospital, que se encontrava em péssimo estado de
conservação. O Hospital Geral era pequeno e inadequado, possuía apenas 300
leitos, insuficiente para atender a população da cidade que crescia. Segundo Clemente Pereira, ele havia sido
construído aos pedaços, conforme as necessidades do aumento da população e dos
recursos, "sem atenção às condições
recomendadas pelas regras de higiene". Construiram-se
duas novas enfermarias, mas algumas destas enfermarias estavam abaixo do nível
do chão e eram úmidas e sem circulação, quase sem ar e sem luz. Promoveu a
aquisição de uma clínica. Além disso, não possuia esgoto nem água para o
serviço interno e funcionava sob ele um cemitério que recebia anualmente perto
de 3.000 cadáveres.
“Existia nesse ponto da cidade um beco,
que teve o nome de Calabouço, hoje travessa de Sancta Luzia, onde ha 63 annos
mora o velho Sanct’Anna. Contou-me elle que o alargamento do antigo becco dos
Tambores, em angulo com o precedente local, onde está o Laboratorio de Hygiene,
fôra devido a uma pilheria do inovidavel José Clemente Pereira. A Misericordia
possuia ahi uma casa; mas para o melhoramento planejado era necessaria a compra
de dous predios vizinhos. Os proprietarios não o queriam vender por preço
algum. José Clemente calou-se, e um bello dia fez do predio da Misericordia
depósito de cadáveres! As casas contíguas ficaram sem inquilinos por muito
tempo; os proprietarios deram afinal as mãos à palmatoria, e assim José
Clemente conseguiu o desejado fim.” (Fazenda,
pg. 99)
O provedor propôs a
reforma do hospital seguindo um planejamento que seria aprovado pela Mesa,
ficando, no entanto, a elaboração dos projetos e plantas a cargo da Academia
Imperial de Medicina e da comissão de engenheiros escolhida pela irmandade. Teve início nesta Mesa o projeto de
construção do novo hospital da Misericórdia, obedecendo às regras de higiene.
Na gesta da Mesa seguinte, foi escolhido o irmão marechal Cordeiro para
levantar uma planta para o hospital com a ajuda dos engenheiros de sua
confiança. Contando com a participação da Academia, a planta inicial foi
elaborada pelo tenente-coronel engenheiro Domingos Monteiro e a primeira pedra do
novo hospital foi lançada em 1840. A fachada foi desenhada pelos arquitetos José
Maria Jacintho Rebello e Bithencourt Sampaio, com zimbório de Joaquim Cândido Guilhobel.
Para a reforma do Hospital Geral mandou trazer
de Portugal engenheiros e técnicos, além de materiais nobres. A execução ficou
a cargo de arquitetos e engenheiros de alto nível, assim como as pinturas e
esculturas. Enquanto se aguardava a construção do novo hospital,
inovações eram feitas no velho e nas repartições da Casa dos Expostos e do
Recolhimento das Órfãs. No velho hospital, a principal medida foi a criação de
enfermarias separadas para doenças contagiosas.
“Destinado o terreno do antigo cemitério para
a edificação do novo hospital lançou-se em 2 de julho de 1840 a primeira pedra
do edifício em presença do Imperador menor, das princezas e do regente do
Imperio.” (Azevedo, vol. 1, pg. 358)
“Toda a obra
esculpturada em pedra lioz tirada da pedreira de Pero Pinheiro em
Lisboa, onde foi esboçada sob a direção do artista Luiz Giudice, que modelara
todos os originaes, concluiu-a o mesmo artista nesta côrte [Rio de
Janeiro]. Dirigio o trabalho da ascenção
da grande peça em 2 de julho de 1868, sob a inspeção do engenheiro architecto
da Santa Casa, Francisco Joaquim Bethencourt da Silva, o mestre Joaquim Pedro
de Alcantara.” (Azevedo, vol. 1, pg. 360)
Paralelamente, começou a ser discutida a
possibilidade de se criar um hospital próprio para os alienados a ser
administrado pela Santa Casa. Em reunião no dia 24 de agosto de 1841, foi lido
decreto de Pedro II, em resposta a uma representação do Provedor Clemente
Pereira, no qual autorizava a criação de um hospício para alienados que levaria
seu nome, em celebração a sua coroação como imperador. Naquela reunião, os
irmãos deliberaram criar uma administração específica para o hospício, que
seria edificado numa chácara pertencente à irmandade, na Praia Vermelha, onde
já funcionava uma enfermaria para mulheres. A construção do prédio ficaria por
conta de contribuição do imperador e de subscrições voluntárias de cidadãos, que seriam
recompensados com títulos e condecorações conhecidas como "impostos à
vaidade". O expediente parece ter sido eficaz, pois viabilizou em parte a
construção do prédio do hospício. Tendo sido colocada a primeira pedra em 1842,
foi inaugurado em 1852, ficando definitivamente concluídas as obras em 1855.
Em 1844, tendo em vista a
reorganização do Hospital Militar, no Morro do Castelo, a Faculdade de Medicina
foi alojada em três locais diferentes: no Hospital Militar, em um sobrado da
praia de Santa Luzia e na Santa Casa. Em 18 de fevereiro de 1848, ocorreu a primeira anestesia
geral com o clorofórmio no Brasil, empregada pelo Professor Manuel Feliciano
Pereira de Carvalho, na Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, em uma
amputação da coxa em um rapaz de 15 anos de idade, por "tumor branco do
joelho". A partir de então o
uso do clorofórmio se generalizou, suplantando o éter, até que novos agentes
anestésicos foram descobertos e introduzidos na prática médica. Há a fundação da Maternidade, atual
33ª Enfermaria, e no mesmo ano foi adotado o uso da anestesia na Obstetrícia. No ano de 1850, a
administração e algumas cadeiras da Faculdade de Medicina, passaram a funcionar
num prédio situado na atual Rua Evaristo da Veiga.
Em
1850 o Império promoveu uma concorrência entre as Irmandades, corporações e
particulares pela Concessão dos serviços públicos funerários. O vencedor teria
o privilégio por 50 anos e se obrigava a instalar “três enfermarias e curar em
tempo de epidemias a pobreza enferma”. Ganhadora da Concessão, a Santa Casa
iniciou uma série de ações para cumprir o Contrato. Para cumprir o contrato, o
Provedor José Clemente Pereira ampliou o Campo Santo que passou a se chamar
Cemitério São Francisco Xavier (Caju) com a aquisição de terrenos contíguos.
Adquiriu uma área na zona sul para um novo Cemitério, o São João Batista
(Botafogo). Para instalar as enfermarias comprou a precária Casa de Saúde Dr.
Peixoto, na Gamboa, criou uma enfermaria num terreno de sua propriedade em
Botafogo e improvisou outra num prédio no Caju.
“Via-se ahi o muro do antigo cemeterio
da Misericordia, transferido em 7 de Dezembro de 1840 paro a Ponta do Caju, com
o nome de Campo Sancto, denominação que perdeu em 5 de dezembro de 1851, para
tomar a de Cemeterio de S. Francisco Xavier.” (Fazenda, pg. 58)
No ano de 1851, o
Ministério dos Negócios do Império entrou em contato com a irmandade com o
intuito de estabelecer, segundo a vontade do Imperador d. Pedro II, um asilo
para menores desvalidas que não fossem órfãs e que, portanto, não poderiam ser
admitidas no Recolhimento já existente. Em 1852 foi criado o Amparo às Meninas
Desvalidas, sob administração da Misericórdia e aos cuidados das irmãs de
caridade de São Vicente de Paula.
Em Setembro de 1851, o
artista plástico François René Moreaux, pintor e desenhista nascido na cidade
de Rocroy, França, foi contratado para o trabalho de ornamentação e detalhes
artísticos, como também a feitura do quadro da Ceia do Senhor, por 800$000
(oitocentos mil réis), encravado ao fundo do altar principal da Capela, e
outros quadros que adornam os altares de algumas enfermarias do Hospital Geral.
Coube a Francisco Alves de Nogueira executar, também em 1851, o estuque e
demais decorações da Capela, pelo que cobrou a quantia de 1:600$000 (um conto e
seiscentos mil réis).
Em 1852, foi inaugurado em espaçoso terreno na
rua de Santa Luzia o novo Hospital Geral da Misericórdia, afastado do cemitério
e da convivência com os loucos. A inauguração foi celebrada no dia de santa
Isabel, mas o prédio dava agora as costas para a igreja de Nossa Senhora do
Bonsucesso.
“Em 27 de junho de 1852 monsenhor Marcianno
benzeu o novo edifício, que exposto três dias ao publico, recebeu os doentes no
dia 30; no dia 2 de julho houve a festa de Santa Izabel, e a visita do
Imperador ao hospital; dous dias depois trasladou-se para a capella ahi
edificada o anto viatico, que veio em procissão solemne formada pelas
irmandades da Misericordia, Espirito-Santo da Lapa, do Sacramento de S. José,
dos frades bentos, carmelitas e franciscanos e por mais de cem recolhidas; o
Imperador achava-se na porta do hospital para acompanhar o Sacramento até á
capella, onde assistio a um Te-Deum.” (Azevedo, vol. 1, pg. 359)
Os hospitais da Misericórdia passariam a contar
em 1852 com novo contingente de pessoas em seus corredores: as irmãs de
caridade. Foi mais um dos atos transformadores da provedoria de Clemente
Pereira, que negociou com a Ordem de São Vicente de Paula de Paris o envio das
religiosas para auxiliar os médicos nas funções de enfermaria e farmácia. O
primeiro grupo de irmãs chegou à cidade do Rio de Janeiro em setembro de 1852,
portanto em meio às grandes epidemias que nela grassaram desde fins da década
de 1840, especificamente a febre amarela (1849-50) e o cólera (1855). Muitas
foram as visitas do Imperador aos estabelecimentos da Santa Casa, mesmo durante
as grandes epidemias (cólera, febre amarela e varíola). Estas doenças dizimaram
parte da população da cidade e não fossem os novos hospitais da Misericórdia,
muitos doentes não teriam socorro. A presença das irmãs de caridade viabilizava
economicamente o atendimento a grande número de pessoas infectadas, auxiliava a
concretização do projeto de separação dos doentes contagiosos assim como o
alargamento da atuação da irmandade pelo espaço da cidade. Este foi um período
em que ela adquiriu vários pequenos prédios, transformando-os em enfermarias ou
pequenos hospitais. Foi o caso, por exemplo, do Hospital de Nossa Senhora da
Saúde, na Gamboa, inaugurado em 1853 para acolher as vítimas das duas
epidemias.
Ainda na provedoria de José Clemente Pereira, o
Amparo e o Recolhimento das Órfãs da Misericórdia foram unificados. A união
física das instituições, entretanto, foi conseguida em definitivo no ano de
1866 com a construção do prédio na rua General Severiano que recebeu o nome de
Recolhimento das Órfãs e Desvalidas de Santa Teresa, atual Educandário de Santa
Teresa.
José Clemente Pereira
faleceu em 1854, no cargo de provedor e foi
sepultado no São Francisco Xavier, junto a escravos e pessoas do povo. O
Imperador D. Pedro II ordenou a confecção de uma estátua do Provedor, para ser
colocada diante de uma imagem sua. As duas esculturas foram instaladas no Salão
Nobre do Hospital Geral.
“A grande obra de caridade de frei
Miguel, continuada no Brasil por José de Anchieta, foi depois fructuosamente
proseguida por José Clemente Pereira. Destas figuras historicas fez estatuas o
esculptor escandinavo Pettrich. A de Contreiras e a de Anchieta (ambos ainda em
gesso) acham-se no vestibulo do Hospital geral da Misericordia, e o modêlo da
de José Clemente no patamar contíguo no salão de honra do mesmo Hospital. Este
bom modelo, hoje pintado a fingir marmore portuguez, já deveria ter sido
transformado em estatua de bronze e collocada no logradouro em frente áquelle
estabelecimento. Despesa pequena, entretanto justissima homenagem, da qual é
credora a memoria do inolvidavel servidor.” (Fazenda, pg. 103)
Pode-se dizer que sua
provedoria transformou o perfil da irmandade, dando o tom à gestão das
provedorias subseqüentes. A característica da gestão de Clemente Pereira foi a
fragmentação das repartições da irmandade e sua distribuição pela cidade,
acompanhando sua expansão e urbanização. Mais do que simples deslocamentos,
tais transformações representaram paulatina concentração da irmandade em
atividades hospitalares, até que essas atividades e seu nome se transformassem
em sinônimos, legando às demais repartições denominações à parte. A atuação dos
irmãos foi reduzida a instâncias administrativas, e a importância de sua
aparição pública em cerimônias e festas religiosas foi reduzida por efeito da
racionalidade que punha em primeiro plano a cura, os investimentos em
medicamentos e na medicalização dos corpos. O grande conjunto arquitetônico da
rua de Santa Luzia e, portanto, a própria irmandade, passaram a ser dominados
por seu hospital. As demais repartições distribuídas por prédios da cidade
orbitariam como satélites distantes, marcados pela especialização de funções.
Entre 1854 e 1856, para
enfrentar as epidemias que se sucediam (febre amarela, varíola e cólera), o
novo Provedor, Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês de Paraná, transformou a
Enfermaria da Gamboa em centro de tratamento de doenças infecciosas, isolando
os doentes. Assim, retirou os empestados do convívio com as órfãs, os expostos
e demais doentes. Ampliou aquele Hospital, construindo mais quatro enfermarias,
para fazer frente ao aumento da quantidade de infectados e denominando-o
Hospício Nossa Senhora da Saúde.
Em 1856, foram instalados no
casarão do antigo Recolhimento de Órfãs da Irmandade da Misericórdia (Rua de
Santa Luzia) os serviços administrativos, a biblioteca e as cadeiras de
laboratório da Faculdade de Medicina, conservando as clínicas na Santa Casa.
Entre 1857 e 1865, o Provedor
Marquês de Abrantes iniciou a construção de nova ala no Hospital Geral e
organizou a Farmácia. Vendeu apólices para resolver problemas urgentes de caixa
e fez um inventário dos bens da Casa para gerir melhor o patrimônio. Por sua
influência política, obteve do governo vários auxílios financeiros através de
impostos e concessão de loterias que vieram a contribuir nos anos seguintes
para o equilíbrio das contas. Modificou os Estatutos da Instituição e montou o
primeiro consultório oftalmológico no Hospital Geral. Para agilizar o
atendimento a população, o Marquês de Abrantes aumentou o número de
consultórios existentes nos hospitais e instalou outros fora deles.
De 1866 a 1877, o
Provedor Zacharias de Góes e Vasconcellos concluiu as obras do Hospital Geral.
Conseguiu um inédito saldo financeiro positivo. Contratou um advogado para
cuidar das causas da instituição na justiça. Libertou todos os escravos que a
Irmandade possuía e decretou que somente trabalhadores livres seriam admitidos
em todos os estabelecimentos e nas obras. Em 1874 inaugura-se a sala de honra
no 2º andar do hospital. Entre 1878 e 1883, o Provedor José Ildefonso de Souza
Ramos, Visconde de Jaguari, realizou diversas melhorias e modernizou os
serviços nos hospitais, instalou a eletricidade nos hospitais por meio de
bombas e dínamo, canalizou água doce para o tratamento por hidroterapia, o qual
instituiu e autorizou a homeopatia como alternativa terapêutica inaugurando um
consultório em 1880. Houve um grande crescimento da Faculdade de Medicina, que
passou a ocupar mais salas no antigo prédio do Recolhimento das Órfãs. Durante
sua gestão, reorganizou o quadro administrativo, vendeu terrenos e saldou
dívidas. Aumentou o ganho das “criadeiras” (amas de leite que amamentavam as
crianças órfãs). Conseguiu novas fontes de renda: os artigos fúnebres, não mais
na mão de terceiros.
“Via-se tambem um prolongamento do
Hospital velho, no fim do qual havia um portão, por onde, das 9 ás 10 horas da
noite, os serviçaes faziam a limpeza das enfermarias. Os antigos estudantes
aproveitavam-se dessa circunstancia para escapulir e poderem ir a uma tasca
proxim a comprar, para ceia, pão, sardinhas, bananas e queijo.” (Fazenda, pg. 58)
Entre 1883 e 1889, o
Provedor Barão de Cotegipe, saldou dívidas com a doação de seus amigos
influentes. Iniciou um período de reformas nos hospitais e educandários. Ele restaurou
a capela do hospital. O período de 1890-1901, foi uma época de conflitos entre
o governo e a Irmandade. O Presidente Deodoro da Fonseca mergulhou o país em
grave crise financeira, prejudicando também a Instituição. Em 1893, durante a
Revolta da Armada assistiu soldados dos dois lados. No início do século, os
problemas financeiros aumentaram, conseqüência da difícil situação da
República. A cidade sofreu drásticas reformas e a Misericórdia teve muitos
imóveis desapropriados. As epidemias continuaram a se suceder, atacando sem dó
a população mais carente. O Provedor Dr. Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho
criou o Grêmio dos Internos, que reunia os futuros mestres da Medicina. Durante
sua gestão, a Santa Casa teve a honra de receber a visita de todos os
Presidentes da República. A partir da década de 1910, profundas reformas foram
feitas no Centro do Rio e vinte e quatro imóveis da Santa Casa foram
desapropriados pela municipalidade durante as reformas, diminuindo o patrimônio
da entidade.
Em
1918 a Faculdade de Medicina se transferiu para a sede própria na Avenida
Pasteur (Botafogo), no entanto, mesmo depois da transferência da Faculdade para
a Praia Vermelha, o Edifício do Recolhimento das Órfãs continuou acomodando o
instituto anatômico, a biblioteca e o diretório acadêmico até os anos de
1940. Neste mesmo ano surgiu a gripe espanhola, novamente lotando os
hospitais. A Irmandade perdeu 24 membros. As crianças foram as mais atacadas e
a quantidade de mortes foi altíssima. Passado o surto, a situação financeira
era dramática. Além dos hospitais lotados com pacientes até nos corredores, a Casa arcava com os sepultamentos
dos indigentes. Os Irmãos fizeram vultosas doações e prestaram grandes
serviços, atuando como Mordomos nos diversos estabelecimentos. Em 1923, a Oficina Gráfica, na Casa dos Expostos, foi
reaparelhada e o Relatório Anual passou a ser impresso ali.
Entre 1938 e 1953, sendo Provedor Ary de Almeida e Silva, a Santa Casa esteve em delicada situação financeira. O Provedor dedicou-se muito, conseguindo manter os serviços durante anos muito difíceis. Com grande experiência financeira, chamou uma empresa de Consultoria para fazer um levantamento da contabilidade. O resultado foi a verificação de antigas dívidas públicas a receber, e vários outros problemas contábeis. Conseguiu importantes doações: a Presidente da LBA, D. Darcy Vargas, remetia regularmente gêneros alimentícios e funcionários do Banco do Brasil ofereceram um aparelho de cinema à Fundação Romão de Mattos Duarte.
Vendeu vários terrenos em Copacabana doados pelo Comendador Paulo Felisberto Peixoto, dono do Bairro Peixoto, para arrecadar fundos. Inventariou os bens da Casa, projetou e construiu 3 edifícios no Flamengo para aluguel. Remodelou o arquivo, possibilitando a catalogação de livros raros e de importância histórica para a Misericórdia. O Centro de Estudos Paulo Cezar Andrade atingiu grande sucesso, ministrando conferências e cursos freqüentados por médicos brasileiros e estrangeiros. Em 1948, há a fundação do Banco de Córneas, o primeiro do Brasil.
Entre 1938 e 1953, sendo Provedor Ary de Almeida e Silva, a Santa Casa esteve em delicada situação financeira. O Provedor dedicou-se muito, conseguindo manter os serviços durante anos muito difíceis. Com grande experiência financeira, chamou uma empresa de Consultoria para fazer um levantamento da contabilidade. O resultado foi a verificação de antigas dívidas públicas a receber, e vários outros problemas contábeis. Conseguiu importantes doações: a Presidente da LBA, D. Darcy Vargas, remetia regularmente gêneros alimentícios e funcionários do Banco do Brasil ofereceram um aparelho de cinema à Fundação Romão de Mattos Duarte.
Vendeu vários terrenos em Copacabana doados pelo Comendador Paulo Felisberto Peixoto, dono do Bairro Peixoto, para arrecadar fundos. Inventariou os bens da Casa, projetou e construiu 3 edifícios no Flamengo para aluguel. Remodelou o arquivo, possibilitando a catalogação de livros raros e de importância histórica para a Misericórdia. O Centro de Estudos Paulo Cezar Andrade atingiu grande sucesso, ministrando conferências e cursos freqüentados por médicos brasileiros e estrangeiros. Em 1948, há a fundação do Banco de Córneas, o primeiro do Brasil.
Entre
1953 e 1962, no Hospital Geral, introduziram-se melhorias nas pesquisas
científicas, criou-se o Banco de Sangue, a Escola de Auxiliares de Enfermagem
Santa Adelaide e o Serviço de Cirurgia Plástica do Dr. Ivo Pitanguy. Entre 1962 e 1977, houve um grande
déficit orçamentário, sendo necessário se vender patrimônio da Irmandade. A crise financeira piorou com a inflação. Aumentos
salariais e dos custos e dilapidação do patrimônio da Irmandade por sucessivas
desapropriações pioravam a situação. Com uma situação financeira insustentável
e sem ajuda governamental, em 1963, a Santa Casa fechou as portas ao
atendimento a população. O Governador da Guanabara então permitiu o aumento do
valor dos serviços funerários e o Banco do Brasil ofereceu um empréstimo para o
pagamento de parte dos débitos. Assim, foi possível o retorno das atividades. Superada
a crise, entraram em reparos os hospitais. No Hospital Geral foram inaugurados
o Ambulatório Santa Isabel e o Centro de Tratamento Intensivo, o mais moderno
da América do Sul, além de vários outros melhoramentos.
Entre 1977 e 1980 reaparelhou-se o Laboratório de Higiene da Faculdade de Medicina, junto ao Hospital Geral. Inauguraram-se as novas instalações do Laboratório, Farmácia e Indústria de Produtos Farmacêuticos.
O Hospital Geral recebeu a doação de aparelhagem para a implantação da Tomografia Computadorizada na 12ª Enfermaria. Entre 1980 e 1983 restaurou-se a Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso e a Capela Imperial, ambas tombadas pelo Patrimônio Histórico. Procedeu um amplo programa de reformas e ampliações em diversas unidades. O Hospital conta com 22 (vinte e duas) Irmãs de Caridade que dão suporte aos diversos serviços Especializados e às Enfermarias, no transcorrer do Ano Compromissório. Atualmente são 762 Leitos, 37 Enfermarias, 49 quartos particulares, 16 de serviços, 16 salas cirúrgicas e 86 ambulatórios. Nele funciona ainda o CESANTA - Centro de Estudos de pós-graduação Médica da Santa Casa, onde são realizados cursos de especialização e de Mestrado em diversas especialidades médicas. Recentemente o hospital teve suas atividades assistenciais interrompidas, em meio a acusações de desvios de dinheiro.
Entre 1977 e 1980 reaparelhou-se o Laboratório de Higiene da Faculdade de Medicina, junto ao Hospital Geral. Inauguraram-se as novas instalações do Laboratório, Farmácia e Indústria de Produtos Farmacêuticos.
O Hospital Geral recebeu a doação de aparelhagem para a implantação da Tomografia Computadorizada na 12ª Enfermaria. Entre 1980 e 1983 restaurou-se a Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso e a Capela Imperial, ambas tombadas pelo Patrimônio Histórico. Procedeu um amplo programa de reformas e ampliações em diversas unidades. O Hospital conta com 22 (vinte e duas) Irmãs de Caridade que dão suporte aos diversos serviços Especializados e às Enfermarias, no transcorrer do Ano Compromissório. Atualmente são 762 Leitos, 37 Enfermarias, 49 quartos particulares, 16 de serviços, 16 salas cirúrgicas e 86 ambulatórios. Nele funciona ainda o CESANTA - Centro de Estudos de pós-graduação Médica da Santa Casa, onde são realizados cursos de especialização e de Mestrado em diversas especialidades médicas. Recentemente o hospital teve suas atividades assistenciais interrompidas, em meio a acusações de desvios de dinheiro.
Recolhimento das Órfãs da Santa Casa da Misericórdia
O antigo Recolhimento
das Órfãs da Santa Casa da Misericórdia tem origens obscuras, mas em 31 de
junho de 1739 Marçal Magalhães Lima doou à Santa Casa 52.000 réis para sua
construção e reparação. O Capitão Francisco dos Santos também doou uma vultosa
importância para a criação e sustento das órfãs. O Recolhimento das Órfãs tinha
por objetivo, segundo seus estatutos, abrigar meninas que fossem órfãs de pai e
mãe, ou somente de pai, filhas legítimas, cristãs velhas, brancas, de bom
procedimento, donzelas e desamparadas, com idades entre nove e 11 anos. Ainda
segundo seus estatutos, "o principal fim deste Recolhimento, ... é o
serviço de Deus, ... o aproveitamento espiritual e temporal das mesmas órfãs".
A repartição organizava-se para oferecer, não sem grandes percalços e
resistências, a doutrina espiritual e temporal das órfãs, a vigilância sobre
suas honras e desordens, a concessão de dotes, o julgamento e a atribuição de
pretendentes. As órfãs deveriam permanecer na instituição por tempo limitado,
fixado em seis anos. Embora isso nem sempre acontecesse, a regra demonstra que
a instituição se colocava como agenciadora da reinserção das meninas na
sociedade local, como mulheres preparadas para formarem unidades domésticas
cristãs. As obras levaram cinco
anos, e as primeiras órfãs foram recolhidas em 1743.
“...e
em 15 de setembro de 1740, dia da festividade da Senhora do Bom Successo,
abrio-se o recolhimento com cinco órfãs, das quaes foi nomeada regente D.
Isabel Ferreira de Mendonça.” (Azevedo, vol. 1, pg. 381)
O prédio então
incorporado ao conjunto arquitetônico da Misericórdia foi construído à esquerda
da Igreja da Misericórdia no largo de mesmo nome. As moças nele criadas e que
se casassem, recebiam um dote de 200$000, instituído pelo filantropo Inácio
Medella. Funcionando junto ao Hospital Geral, suas instalações iniciais foram
melhoradas pelo Provedor Correa Vasquez com a ajuda dos Irmãos, nos anos
seguintes. O Governador Gomes Freire estimulou e apoiou a iniciativa. Em 1839 o
Provedor José Clemente construiu no mesmo lugar um novo edifício de 3 andares. José
Clemente, então Provedor da Santa Casa, tornou-se testamenteiro de D. Luiza
Avondano Pereira e desistiu da vintena como testamenteiro em prol das órfãs. O
imperador Don Pedro II e a imperatriz Dona Thereza Christina concorreram com 15
apólices da dívida pública, totalizando 15.000$000 para as órfãs.
“Reconhecendo
José Clemente Pereira que a casa do recolhimento era insufficiente para as
órfãs, deu começo, no largo da Misericordia, no mesmo lugar do antigo
estabelecimento, a um edifício mais vasto, cuja primeira pedra lançou-se em
princípios de fevereiro de 1839, e tres annos depois estava concluída; em 2 de
julho de 1840 introduzio-se agua no estabelecimento e em 24 de agosto de 1842
recebeu novos estatutos, que fixarão em 48 o numero das órfãs, e prohibirão
fosse recolhidas áquelle asylo mulheres de idade superior, a que permettirão os
fundadores, e sem moralidade de costumes. Este edifício construido no
largo da Misericordia e occupado actualmente pela Faculdade de medicina do Rio
de Janeiro, e por enfermarias da Misericordia, consta de tres pavimentos
divididos em tres corpos, com dez janellas de peitoril nos pavimentos
superiores, e uma porta e aberturas quadrangulares no pavimento inferior.”
(Azevedo, vol. 1, pg. 381)
No Recolhimento das
Órfãs foram feitas obras, aumentando seu espaço interior e diminuindo sua
comunicação com as vielas públicas. Os estatutos foram reformulados e os
valores dos dotes, elevados. O Recolhimento permaneceria junto ao hospital
somente até a epidemia de cólera, quando teve início igual peregrinação pela
cidade, passando da instituição por vários prédios, algumas vezes separando-se
as órfãs sãs das enfermas, em uma chácara nas Laranjeiras, na casa de Joaquim
Pereira de Faria, na rua Marques de Abrantes, São Cristóvão e por fim, em 1866,
de volta a Botafogo, na rua General Severiano. O edifício foi ocupado pela Faculdade
de Medicina, após a saídas das órfãs, durante a epidemia de cólera de 1856.
“Na
epidemia de cholera-morbus em 1855 foram as recolhidas para uma casa nos
arrabaldes de Larangeiras, e em outubro do mesmo anno se passarão algumas para
a casa do conselheiro Joaquim Pereira de Faria, na rua Marquez de Abrantes,
offerecida pelo propietario para alojamento das órfãs durante a epidemia.”
(Azevedo, vol. 1, pg. 381)
“A
santa casa da Misericórdia foi o seio onde se abrigarão as meninas e moças que
então ainda havião no recolhimento [do
Parto]; é certo porém que nem todas seguirão esse destino, e que uma ou
outra ficou vivendo no século, e recebendo uma pensão ou mensalidade paga,
creio eu, nela mitra.” (Macedo, vol. 2, pg. 192)
Casa dos Expostos
A Casa
dos Expostos servia para abrigar as crianças abandonadas. Eram consideradas
expostas as crianças que não tinham filiação reconhecida. Em geral, eram
abandonas nas igrejas, nas residências de pessoas de prestígio, nas casas de
parentes ou simplesmente deixadas nas ruas. De acordo com a legislação, a
responsabilidade pelo sustento dos expostos até completarem sete anos era das
câmaras. O que elas em geral faziam era pagar amas-de-leite e amas secas para
criarem as crianças em suas casas, e às vezes as amas as incorporavam como
agregados a seus núcleos familiares. Após completarem sete anos, os expostos
passavam à jurisdição dos juízes dos Órfãos, que deveriam encontrar famílias
que os abrigassem, tomando-os como agregados ou aprendizes de algum ofício; no
caso das meninas, encarregar-se-iam de sua tutela e, posteriormente, de seu
casamento. Instituições de
caridade, como hospitais e irmandades, acabaram por auxiliar na criação dos
expostos, algumas vezes trabalhando em conjunto com as câmaras e os juízes,
outras vezes tendo de assumir integralmente a criação das crianças. A Casa dos
Expostos da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro pode ser incluída
nesse contexto, tendo atuado com freqüência, sem os recursos da câmara, que
demoravam a chegar. A Casa dos Expostos da Misericórdia adotou regime misto de
acolhimento e distribuição das crianças por amas-de-leite. Mantinha amas que
deveriam dar socorro às crianças, assim que chegassem, e também sustentava amas
de leite que cuidavam das crianças em suas casas. As que sobreviviam aos
primeiros anos, e que não eram reclamadas pelos pais, acabavam sendo auxiliadas
pela irmandade no acolhimento como agregadas em alguma família.
Em 1738, Romão de Mattos
Duarte deixou 32 mil cruzados para a compra de casas e sustentação permanente
dos expostos com seus rendimentos. No mesmo ano, Inácio da Silva Medella
doou 15 moradas de casas e 1:600$000 réis em dinheiro para a instituição de um
lava-pés toda Quinta-Feira Santa, com fardamento dos pobres, e de um dote
perpétuo anual para meninas órfãs. Em 1738 foi fundada a Casa da Roda, ao lado do Hospital Geral, sendo depois denominada de
Casa dos Expostos. O estabelecimento
foi criado para o acolhimento das crianças enjeitadas, marcando o início da
assistência à infância no Brasil. Romão Duarte, irmão da Misericórdia,
compadecido da sorte dos recém-nascidos enjeitados, forneceu os recursos
necessários à criação do estabelecimento, apoiado pelo Governador Geral Gomes
Freire de Andrada. O nome Casa da Roda
era uma alusão a uma roda onde as crianças eram depositadas do lado da rua e
que, por uma meia volta, dava entrada às mesmas para dentro do edifício. A Roda
era uma engenhosa engrenagem de madeira que ocupava o lugar de uma janela dando
face para a rua, e girava num eixo vertical. Era dividida em quatro partes por
compartimentos triangulares um dos quais abria sempre para fora, convidando
assim a que dela se aproximasse toda mãe que quisesse separar-se de seu filho recém-nascido.
Esta tinha apenas que depositar o exposto na caixa, e por uma volta da roda
fazê-lo passar para dentro, e ir-se embora sem que ninguém a observasse. Os
recém-nascidos eram colocados anonimamente eram recolhidos aos cuidados das
irmãs de caridade.
Na Casa dos Expostos foram separados os
internos sãos dos doentes, trocadas as roupas e demais utensílios utilizados
nos cuidados das crianças, introduzida a amamentação artificial e criado um
regimento interno para a administração do estabelecimento.
“Doando
José Dias da Cruz aos expostos um terreno no largo da Misericordia,
construio-se ahi uma casa para onde forão elles transferidos em 3 de março de
1811. Era o edifício acanhado, construído sem as condições hygienicas, e pouco
zelo havia na administração, do que resultava grande mortalidade.”
(Azevedo, vol. 1, pg. 376)
Ela permaneceu junto ao Hospital Geral até
1821, quando foi adquirida uma casa própria no próprio largo da Misericórdia,
de frente para a igreja da irmandade.
“Tendo o
governo concedido uma loteria para esta instituição, comprou a Misericordia
dous prédios contíguos ao edifício da Roda, em 20 de março de 1821, e,
demolindo-os, construio uma casa mas vasta, a qual foi concluída em 1822.” (Azevedo,
vol. 1, pg. 377)
A elevada mortalidade e morbidade entre as
crianças, a busca por espaços que correspondessem aos ideais da higiene e os
recursos muitas vezes escassos fizeram com que a repartição saísse em jornada
pela cidade. Deixando a casa do Largo da Misericórdia, os expostos foram
transferidos para a rua de Santa Teresa em 1850; para uma casa na rua da Lapa,
no cais da Glória, no ano de 1860; em seguida, para a rua Evaristo da Veiga,
até 1906; daí para duas casas no Flamengo até 1911; por fim, neste mesmo ano,
para o prédio na rua Marquês de Abrantes, que se transformou na sede definitiva
da Casa dos Expostos, desde então denominada Educandário Romão de Mattos
Duarte, em homenagem a seu fundador setecentista.
“Situada
no largo da Misericordia em frente da igreja, era esta casa mal edificada, sem
as condições hygienicas, sem um pateo que lhe desse ar e luz e defronte do
hospital e próximo do quartel do Moura. Reconhecendo
taes defeitos o provedor José Clemente Pereira propoz a mudança da roda para a
casa n.7 da rua de Santa Thereza, o que approvado pela mesa conjuncta de 24 de
janeiro de 1840, em julho forão os órfãos removidos para essa casa, que era
espaçosa, bem localisada e com agua encanada para o consumo.” (Azevedo, vol. 1, pg. 377)
Das 3.630 crianças
expostas na roda, durante dez anos anteriores a 1840, somente 1.024 estavam
vivas no fim desse período. No ano de 1838, 39.449 crianças, foram depositadas
na roda, das quais seis foram encontradas mortas quando retiradas. Muitas
morreram no primeiro dia em que chegaram, e 239 logo depois. O relatório do
ministro do Império, para o ano de 1854, dá-nos a seguinte alarmante
estatística, com os comentários do Ministro: "Em 1854, 588 crianças, foram
recebidas, somadas a 68, já no estabelecimento. Total 656: mortas 435;
restantes 221. Em 1853, o número de expostos recebidos foi de 630, e mortos
515(!) Foi portanto menor a mortalidade, no passado do que nos últimos anos.
Todavia o número de mortos ainda é aterrador. Até o presente não foi possível
verificar as causas exatas dessa lamentável mortandade, que com mais ou menos
intensidade sempre se verifica entre os expostos, não obstante os maiores esforços
empregados para combater o mal".
“A
Bandeira da Misericordia consiste, pois, em uma tela com moldura ornamentada no
estilo da época, tendo na parte superior o escudo da Sancta Casa encimado por
uma cruz. O estandarte é sustentado por longo cabo de madeira pintado de preto.
A pintura representando o descendimento da cruz é incorrecta imitação de quadro
muito conhecido. Na composição da outra face da bandeira, de auctor anonymo, e
parecendo mais antiga do que aquella, a figura da Virgem sofreu retoques, os
mais absurdos e deturpantes, nos olhos e nos labios. E tão brutalmente feitos
com tinta branca, que aflige. A Virgem, cujo manto, um pouco da maneira de
Murillo, é preso por dous anjinhos que esvoaçam, ficou de todo prejudicada. Não
soffreram muito os grupos. O da direita, formado de um papa, um bispo e um
cardeal, tem mais que vêr do que o da esquerda. A admitir-se que similhante
quadro fosse obra feita aqui, mostra bem qual era a infancia da Pintura de
cavalete no Rio de Janeiro. ... Guardam ainda na egreja: a Bandeira, alguns
painéis que iam na célebre procissão dos Fogaréos, poucos bancos artisticos, o
antigo cofre contemporaneo dos primeiros ermãos da Misericordia, e o balandrão
que muitas vezes vestiu José Clemente no exercicio de suas funcções. No
Hospital geral existe copiosa galeria de retratos de benfeitores, trabalhos de
Pintura a óleo, de varios artistas e de differentes epochas.” (Fazenda, pg. 103-104)
3 – Descrição:
A Santa Casa tem uma orientação geral nordeste-sudoeste, com frente para
sudeste e maior eixo transverso. Ela é formada de quatro alas paralelas, unidas
por um corredor transversal no centro, sendo que a 2ª e 3ª ala também se unem
nas pontas por um por uma pequena ala transversa. À esquerda deste conjunto
principal há um anexo paralelo à fachada esquerda do conjunto principal. À
direita há, também, outro anexo, mas aqui em diagonal, incluindo os fundos da
Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso, que começa próximo ao canto noroeste do
conjunto principal e corre em um sentido quase oeste-leste, indo se expandindo
gradativamente, formando 2 paralelogramos paralelos e fechando a área com um
edifício transversal, a funerária, que termina ao lado da fachada anterior do
complexo principal.
O edifício principal é em estilo neoclássico. O telhado é em quatro
águas. Os edifícios são um pouco elevados em relação ao nível da rua, tendo uma
base de alvenaria. A fachada anterior compõe-se
de três seções, de 2 pavimentos, apresentando a central, uma escadaria de
pedra, que dá subida para o átrio, que é de cantaria, e fechado com balaústres
de mármore; há 3 portas centrais em arco e mais duas janelas em arco de cada
lado, no primeiro pavimento devididas por 8 colunas dóricas de granito. No
segundo pavimento há sete portas em arco separadas por 8 colunas dóricas de
granito, seguindo o mesmo alinhamento das do primeiro andar, que dão para uma
sacada com balaustrada, de onde saem mastros com bandeiras. Nas extremidades há
cunhais. No átrio há 2 lampadários de ferro de cada lado. No alto há uma
arquitrave com tríglifos e um frontão triangular com tímpano decorado com baixo
relevo em pedra lioz, obra do artista Luiz Giudice formando três painéis.
“O [painel] do centro é um medalhão
de 13 ½ palmos [3m] de diâmetro, no
qual em proporções maiores que o natural, está figurada a Misericordia, como
santa e carinhosa protectora de todos os infelizes. Seus braços levantados
sustentão o manto que aberto offerece protecção e abrigo a todos os desvalidos.
De um lado há um velho aleijado, e já curvado pelo peso dos annos, tendo ao pe
de si uma infeliz mãe, que aperta contra o seio um filhinho que vae abandonar;
do outro uma matrona que symbolisa a caridade, sustenta no regaço um innocente,
a quem alimenta; a um e outro lado da Misericordia, mas em segundo plano,
algumas figuras de infelizes de ambos os sexos, e de diversas idades preenchem
o painel. Na parte inferior veem-se dous escudos, um repousando sobre uma cruz
e tendo esculpidas as cinco chagas, o outro representando o brazão das armas do
Brazil. Ornão os dous escudos as plantas do café e do tabaco. Há no centro,
entre um e outro escudo, as settas de S Sebastião padroeiro desta cidade. Os baixo relevos lateraes representão
emblemas alusivos á religião e a medicina. Figurão de uma parte, entrelaçados
com ramagem o calíce eucarístico, a cruz, o báculo o livro dos evangelhos e a
estola, e de outra parte, engatados com plantas medicinaes, o livro da
sciencia, a caveira e a ampulheta, segnificando o estudo e o tempo; a cobra e o
espelho symbolisando a saúde e a verdade. Uma graciosa moldura fecha, como
quadro os tres baixo relevos.” (Azevedo, vol. 1, pg. 358-159)
Na fachada anterior,
dos dois lados, da seção central monumental, há outra seção de 2 pavimentos,
dividida cada uma por um cunhal central. Na parte mais próxima à seção central,
há 8 janelas em arco no primeiro andar e 8 portas em arco abrindo para sacadas
com grades de ferro no segundo andar; depois de um cunhal há mais 11 janelas em
arco no primeiro andar e 11 portas em arco abrindo para sacadas com grades de
ferro no segundo andar; a fachada termina com outro cunhal. Ao término da
fachada anterior do edifício principal, há de cada lado um portão de alvenaria,
com gradil de ferro e tendo no alto um medalhão também de ferro. Após o portão,
que dá acesso aos carros, há os prédios do anexo direito e esquerdo. Esta
primeira galeria possui, nas laterais direita e esquerda, uma porta central em
arco, à qual se ascende por uma escada em projeção de alvenaria, e duas janelas
em arco no 1º pavimento e 3 portas em arco abrindo para sacadas com grades de
ferro no 2º pavimento. A parte dos fundos da galeria anterior é dividida ao
meio por uma galeria central que une a galeria anterior à central; de cada lado
dos fundos da galeria central há uma longa série de janelas em arco no primeiro
andar e portas em arco abrindo para sacadas com grades de ferro no segundo
andar. A parte da galeria central, que une a galeria anterior com a posterior,
possui 3 janelas em arco e uma porta em arco no 1º andar e 4 janelas em arco no
segundo andar; entre estas janelas há cunhais em forma de colunas. Entre a
galeria anterior e a posterior há nas extremidades um gradil de ferro com
portão e, atrás dele, um jardim com árvores e bancos, havendo do lado direito
uma fonte e uma imagem de Nossa Senhora sobre um pedestal.
A 2ª e 3ª galeria se
unem por uma galeria transversa em cada ponta e no centro pela galeria
transversa central. Na face anterior há um corpo central que se une à galeria
transversa que une com 1ª galeria, só sendo visível as 3 janelas em arco do 3º
andar. Coroando a parte central eleva-se um zimbório com uma lanterna octogonal
sustentando uma cruz, desenhado pelo engenheiro Joaquim Candido Guilhobel. De
cada lado deste corpo central há uma galeria que se divide em 4 seções. As 3
primeiras seções possuem no topo uma platibanda que se une à seção central e à
seção mais externa, ambas de 3 andares. A 1ª seção (mais próxima da galeria central)
possui 2 andares com 8 janelas de verga reta no 1º andar e 8 portas de verga
reta abrindo para uma sacada com gradil. A 2ª seção é separada da anterior e da
seguinte por um cunhal de cada lado, e também tem 2 andares. O 1º andar tem 3
janelas em arco e o 2º andar tem 3 portas em arco abrindo para uma sacada com
gradil; no alto há um frontão triangular com um brasão no centro do tímpano. A
3ª seção é igual à 1ª seção. A 4ª seção é formada por um torreão de 3 andares,
com tem 3 janelas em arco abrindo no 1º andar e 3 portas em arco abrindo para
uma sacada com gradil nos 2º e 3º andares. Na face lateral há 2 torreões de 3
andares iguais, com uma galeria transversa de 2 andares entre os torreões. Os
torreões anterior e posterior têm 3 janelas em arco abrindo no 1º andar e 3
portas em arco abrindo para uma sacada com gradil nos 2º e 3º andares. A
galeria transversa entre os torreões tem 2 andares e possui 8 janelas de verga
reta no 1º andar e 8 portas em arco de verga reta abrindo para uma sacada com
gradil no 2º andar. Há, portanto outro jardim arborizado de cada lado entre a
2ª e a 3ª galeria, só que estes estão fechados por ambos os lados por galerias.
A galeria transversa central tem, também, 2 andares com 8 janelas de verga reta
no 1º andar e 8 portas de verga reta abrindo para uma sacada com gradil no 2º
andar; no lado direito há uma projeção romboide para fora, saindo do meio da
fachada, de 2 andares, e com o mesmo padrão de janela e portas do resto da
fachada. A parte posterior da 2ª galeria e anterior da 3ª galeria possuem, de
cada lado da galeria central, 19 janelas em verga reta no 1º andar e 19 portas
de verga reta abrindo para uma sacada com gradil no 2º andar.
A parte posterior da
3ª galeria possui, de cada lado da galeria central, 18 janelas em verga reta e
próximo ao ponto mais externo da fachada, uma porta de verga reta, dando para
uma escadaria de alvenaria no 1º andar e 19 portas de verga reta abrindo para
uma sacada com gradil no 2º andar. A 4ª galeria possui em sua face posterior,
na parte mais externa 3 janelas em arco no 1º andar e 3 portas em arco abrindo
para uma sacada com gradil, e entre elas uma longa série de janelas de verga
reta no 1º andar e de portas de verga reta abrindo para uma sacada com gradil.
No centro da fachada há um passadiço suspenso comunicando com o muro posterior.
No interior da 1ª
galeria, logo após a entrada, há um vasto vestíbulo com 4 colunas dóricas de
fuste liso no meio e pilares. No lado esquerdo do vestibulo da Santa Casa pode
ser vista a estátua de Frei Contreiras, envolvido por um gradil baixo e na
frente de uma porta em arco, rodeado por 2 bustos e 2 grandes quadros; pouco
depois, ainda à esquerda fica outra porta, que dá para a farmácia. No lado
direito há uma porta que dá para a escada que leva ao 2º andar e depois outra
porta que leva para outra galeria. Na parede posterior, há 2 portas em arco que
dão para a galeria transversal e, encostado em uma parede, uma estátua de José
de Anchieta. Subindo-se pela escada do lado direito, chega-se à ao Salão dos Provedores
e no alto a outro vestíbulo onde se vê à esquerda as estátuas de D. Pedro II e
José Clemente Pereira; atrás delas fica o Sala de Honra, e na sua frente, o
anfiteatro.
“A grande obra de caridade de frei
Miguel, continuada no Brasil por José de Anchieta, foi depois fructuosamente
proseguida por José Clemente Pereira. Destas figuras historicas fez estatuas o
esculptor escandinavo Pettrich. A de Contreiras e a de Anchieta (ambos ainda em
gesso) acham-se no vestibulo do Hospital geral da Misericordia, e o modêlo da
de José Clemente no patamar contíguo no salão de honra do mesmo Hospital. Este
bom modelo, hoje pintado a fingir marmore portuguez, já deveria ter sido
transformado em estatua de bronze e collocada no logradouro em frente áquelle
estabelecimento. Despesa pequena, entretanto justissima homenagem, da qual é
credora a memoria do inolvidavel servidor.”
“Em 2 de julho de 1874 inaugurou-se a sala de
honra que está em relação com a magnificência do edifício. Dão entrada para
ella três portas, ás quaes correspondem outras tantas no fundo; tem sete
janelas de sacada e sete portas interiores. As paredes são pintadas a oleo
fingindo damasco, e as portas a branco porcellana com filetes de ouro. O tecto
de estuque apresenta um baixo relevo feito pelo artista Chaves Pinheiro, e é
sustentado por 12 columnas, em cujo centro veem-se os bustos dos doze apostolos
em oleo. No fundo se acha a estatua do Imperador em grande uniforme, feita pelo
estatuário Francisco Manoel Chaves Pinheiro. Contiguo á sala há o gabinete da
Imperatriz, pintado a oleo e mobiliado com moveis de jacarandá, estofado de
brocatel carmesim ao gosto de Francisco I, feito na cada da Correcção.”
(Azevedo, vol. 1, pg. 362)
“O salão dos bemfeitores é extenso e simples
de ornatos, apresentando pendentes das paredes os retratos dos principaes
bemfeitores da Misericordia e dos respectivos provedores...” (Azevedo, vol.
1, pg. 362)
A Capela Nossa Senhora da
Misericórdia trata-se de um pequenino templo, que fica na 2ª galeria, no 3º
andar. Já foi chamado de Capela do Sacramento e, depois, Capela Dourada ou
Imperial. Era nela onde D. Pedro II costumava ir, com a família, em busca de
recolhimento e paz espiritual. O título Capela Imperial advém do uso que dela
faziam altos dignatários do Império, que utilizavam a Capela para constantes
reflexões. Ela tem planta circular, inserida em um quadrado e é coberta pelo
zimbório. Seu interior foi inteiramente realizado pelo grande entalhador
Antônio de Pádua e Castro. A capela possui lindos retábulos com os retratos dos
4 evangelistas pintados pelo artista Carlos Luiz do Nascimento. Há um quadro da
Ceia do Senhor, encravado ao fundo do altar principal da Capela, do artista
plástico francês François René Moreaux. O estuque e demais decorações da Capela
foram feitos por Francisco Alves de Nogueira em 1851.
“A nave tem a porta principal
diametralmente oposta ao altar-mór e duas outras no diâmetro perpendicular
àquela direção. As três portas são retangulares e encimadas por um motivo
simétrico, formado por um grande florão central, do qual partem elementos
vegetais em espiral, de onde nascem, lateralmente, motivos inspirados nos
grotescos.
Tanto o retábulo-mór quanto as portas são
ladeados por pilastras sobre altos pedestais; tem fuste canelado e capitel
compósito, e sustentam um entablamento pronunciado, composto por arquitrave em
sucessão de molduras, um friso liso e uma cornija.
Nos espaços restantes, entre as colunas,
foram colocados medalhões circulares que lembram espelhos, contendo pinturas e
encimados por um elemento simétrico em forma de laço, do qual pendem grinaldas
de flores em ambos os lados do eixo de simetria. Sob os medalhões foram
colocados, apliques de cinco braços, também subordinados a um eixo de simetria.
Sob esse eixo se desenvolve um motivo vegetal semelhante àquele dos elementos
laterais das portas.
O altar se estrutura em nicho pouco
profundo, em arco pleno, apoiado em duas pilastras cujo fuste é decorado com
uma moldura em elementos fitomorfos. No espaço limitado pelos pedestais das
pilastras que balizam o altar há uma mesa de formato retangular, de frontal
reto, à frente da qual se acha a banqueta do retábulo, que nela se encosta.
Essa mesa está, portanto, num plano recuado em relação à banqueta, e tem sua
superfície decorada por motivos em grinalda de folhas e flores, que completam a
decoração do primeiro nível do altar.
A frente da mesa está a banqueta em
formato de sarcófago, cujo frontal é contornado por uma delicada moldura. O
painel tem no centro um motivo simétrico em folhas de acanto sugerindo um vaso,
do qual pendem folhagens em espiral. Duas grandes folhas de acanto marcam os
limites do frontal da banqueta e um largo friso de folhas de acanto situa-se
entre o frontal e o tampo da mesa.
O segundo nível do retábulo compõe-se da
mesa e do sacrário, uma peça de grande beleza, que corresponde aproximadamente
a dois terços da altura do nicho. O sacrário tem forma de baldaquino encimado
por uma grande coroa. A partir do nível da mesa, no plano mais recuado, uma
volumosa grinalda, em folhas de acanto e flores, circunda todo o nicho.
No nicho não existe imagem escultória e
sim um grande quadro pintado por Raimundo da Costa e Silva, representando a Santa
Ceia. O quadro se apóia em uma mesa de frontal decorado com um painel
contornado por moldura de ângulos reentrantes e dois motivos florais
simétricos, em curvas e contracurvas.
O coroamento do retábulo surge como
chave do arco do nicho: vários querubins sobre nuvens sustentam o cordeiro com
a cruz sobre o livro dos sete selos, do qual surgem raios de luz que encobrem
parte do entablamento da nave.
Considerando o altar como um todo, vemos
que o artista o concebeu numa solução original, na qual combinou elementos
classicizantes (o nicho em arco pleno, os elementos formais decorativos, como
cordões, painéis de molduras quebradas, a colocação de um quadro pintado no
lugar da imagem) com elementos formais do Rococó (folhas de acanto, rocalhas
aqui ordenadas, em alguns pontos, à semelhança de motivos orientais). Pádua e Castro
suprimiu ainda os elementos de suporte do altar (colunas, pilastras e
quarteirões), enfatizando assim a sua clareza de linha. Na tentativa de
equilibrar os elementos classicizantes com os do gosto Rococó, o artista
manteve a mesa do altar em formato de sarcófago, que contrasta evidentemente
com a mesa de frontal reto, que apóia o quadro da Santa Ceia.” (Fernandes, pg. 24-27)
4 – Visitação:
A instituição é um hospital e não
está oficialmente aberta à visitação pública, a pesar de ser fácil o acesso às
áreas externas da mesma.
5 – Bibliografia:
DE LAGRANGE, Louis Chancel. A
tomada do Rio de Janeiro em 1711 por Duguay-Trouin. Rio de Janeiro:
Departamento de Imprensa Nacional, 1967
SANTA MARIA, Agostinho de. Santuário
Mariano. Tomo X, Lisboa: Oficina de Antonio Pedrozo Galram, 1722.
AZEVEDO, Moreira de. Rio de Janeiro. Sua história,
monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades. Vol. 1. Rio de Janeiro:
B. L. Garnier, 1877.
FAZENDA, José Vieira. Antiqualha e memorias do Rio.
RIHGB, vol. 140, 1921.
COARACY, Vivaldo. Memória da Cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1955.
COARACY, Vivaldo. O Rio de Janeiro do Século
XVII. Rio de Janeiro: José Olympio Editora,
1965
CRULS, Gastão. Aparência do Rio de Janeiro. 3ª ed. Rio
de Janeiro: José Olympio Editora, 1965
GERSON, Brasil. História
das Ruas do Rio. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lacerda, 2000.
GANDELMAN,
Luciana Mendes. A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro nos séculos
XVI a XIX. 2001.
FERNANDES,
Cybele Vidal Neto. Cadernos do Patrimônio
Cultural, pg. 21-27.
Holy House of Misericordy of Rio de Janeiro: Brazil, State of Rio de Janeiro, City of Rio de Janeiro, downtown.
The Misericordy was founded as a hospital to the poor sick in 1582 in the future street Santa Luzia. It was a charitable institution with a hospital and a great deal of asylums. The present building was built between 1840 and 1852, with later addenda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário